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A vida na Terra velha e o homem num futuro distante

Como seria a espécie humana se surgisse num futuro remoto, quando o planeta já tiver 9 bilhões de anos? Uma especulação mostra que ela seria tão diferente quanto o próprio mundo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 Maio 1993, 22h00

A maneira como vemos o Universo depende da época em que o olhamos, pois evolui e se transforma, juntamente com as estrelas e a própria Terra. Para saber como será no futuro, é preciso relembrar algumas das muitas mudanças pelas quais passou o sistema solar em sua história. Há 5 bilhões de anos ele ainda não existia. Nuvens revoltas de gás e poeira, ejetadas durante antigas explosões estelares, colidiam entre si no local onde o Sol e os planetas um dia surgiriam, e nenhuma pista indicava as profundas mudanças por vir. Então, há cerca de 4,7 bilhões de anos as nuvens de gás e poeira se reuniram e a gravidade da massa resultante fez com que ela implodisse sobre si mesma. Assim, os corpos do sistema solar começaram a se formar 4,6 bilhões de anos atrás. O Sol surgiu no centro da nuvem, sua parte mais densa e espessa.

Os resíduos restantes formaram quatro planetas internos, de estrutura sólida (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte); quatro grandes planetas externos, de estrutura gasosa (Júpiter, Saturno Urano e Netuno); os satélites desses planetas e diversos corpos menores, compostos de rocha e gelo, que hoje chamamos cometas e asteróides. É provável que o último planeta, Plutão, ainda não estivesse em sua órbita atual, para onde veio mais tarde, após colidir com outro planeta anão, feito de gelo. A formação da Terra levou menos de 50 milhões de anos, e nos 700 milhões de anos seguintes ela sofreu pesado bombardeio de corpos espaciais.

Assim, sua massa cresceu e recebeu água e materiais orgânicos, a partir dos quais a vida pode ter se iniciado. Além disso, a colisão com um corpo da estatura de Marte arrancou material da crosta e do manto terrestre, criando a Lua. Por força dos choques, o ar original foi lançado ao espaço (outros gases, como o hidrogênio, escaparam simplesmente por serem muito leves). Mais tarde, os vulcões ejetaram grande volume de gás carbônico, ou CO2, que constituiu a base de uma segunda atmosfera. Esta se assemelhava à que ainda existe em Vênus, bem mais densa que a atual atmosfera terrestre. Parte do CO2 foi absorvido pelos oceanos e pelas rochas, para formar carbonatos.

Há 2 bilhões de anos, plantas primitivas começaram a decompor aquele gás em carbono e oxigênio, de modo que em quase 1 bilhão de anos estava pronta a receita de oxigênio-nitrogênio, ainda vigente. Logo em seguida os seres unicelulares passaram a formar organismos multicelulares. Os órgãos especializados dos novos seres começaram a surgir há 600 milhões de anos e 400 milhões de anos depois, ainda durante a ascensão dos dinossauros, vieram os mamíferos. Um dos primeiros membros da linhagem humana a ficar de pé foi o Australopithecus afarensis — um fóssil de nome Lucy, de 4 milhões de anos atrás, é um de seus representantes mais antigos.

Foram hominídeos como esse que evoluíram para o Homo erectus, há 2 milhões de anos, e os primeiros membros da espécie humana apareceram apenas 250 mil anos atrás. Nosso moderno ancestral, o Homo sapiens sapiens, surgiu há 35 000 anos. É quase certo que a evolução de cérebros complexos em outros animais tornou inevitável o aparecimento de criaturas conscientes de si mesmas, como o homem. Mas não era de forma alguma inevitável que as coisas acontecessem como aconteceram. A Terra, por exemplo, poderia não ter se resfriado o bastante para formar uma superfície sólida em apenas 700 milhões de anos. Composta inicialmente por rochas derretidas, até hoje ela tem a maior parte de seu cerne nesse estado, devido à forte pressão de fora para dentro e ao calor liberado por elementos radioativos.

A camada externa, ou crosta, perdeu calor para o espaço e resfriou-se até criar uma “casca” flexível, semi-sólida. Mas, se a proporção de elementos radioativos fosse maior, a superfície poderia ter demorado muito mais tempo para se estabilizar e solidificar. Outro ponto é a transformação da atmosfera inicial, que continha gás carbônico e passou a conter oxigênio e nitrogênio. Para isso, foi preciso remover gás carbônico em certa quantidade, mas também manter o oxigênio em estado livre, isto é, impedido de reagir com substâncias da superfície. Em outras palavras, foi preciso que essas substâncias já estivessem saturadas com a maior quantidade de oxigênio permitida pelas ligações químicas.

Isso não é simples, pois o oxigênio é extremamente reativo. Ainda que não haja combustão, ele se combina com diversos compostos, como o monóxido de carbono encontrado no ar e nos minerais de ferro. Até que todos esses compostos se saturassem, não houve oxigênio livre em quantidade suficiente para os animais respirarem. E bastariam pequenas mudanças na química ou no clima da Terra para atrasar a formação de uma atmosfera estável de nitrogênio e oxigênio por centenas de milhões de anos ou mais. Da mesma forma, alguns astrônomos conjecturam que a atmosfera original de gás carbônico poderia ter sido muito mais densa do que foi. Afinal, a atual atmosfera de Vênus é 95 vezes mais densa que a nossa e contém, basicamente, gás carbônico.

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Esse hipotético excesso de gás carbônico pode ter sido expulso da Terra após uma colisão que alguns astrônomos imaginam ter dado origem à Lua. Sem isso, a atmosfera inicial acumularia calor solar até o gás carbônico ser absorvido pelas rochas e pela água dos oceanos. Mas, num passo lento, que atrasaria em 1 bilhão de anos a mudança para oxigênio e nitrogênio. Além disso, se vivessem sob um ar de gás carbônico, as plantas gerariam pouco oxigênio, que seria tóxico para elas como é para certas bactérias modernas. Assim, o advento do oxigênio teria de esperar a evolução de plantas diferentes das que conhecemos.

A história da Terra também poderia ser alterada por choques com cometas e asteróides. Muitos seres vivos seriam levados à extinção. As alterações viriam no caso de extinções em períodos críticos — durante o aparecimento dos primeiros organismos multicelulares, por exemplo, ou quando os órgãos internos dos animais começassem a se formar. Enfim, a própria linhagem dos primatas que levou ao homem poderia ter sucumbido. Então, o ciclo evolutivo teria de se repetir inúmeras vezes antes que aparecessem seres autoconscientes na Terra. Mesmo depois disso, tais seres poderiam acabar varridos do mapa por uma colisão cósmica mais recente. Em resumo, é plausível que o homem surgisse 9 bilhões de anos após o nascimento da Terra, em lugar dos 4,5 bilhões de fato. É pouco provável que esses “humanos” se parecessem conosco (pois o processo evolucionário que nos criou é único), e também a Terra teria um aspecto muito diferente do que tem.

A forma dos continentes e oceanos, por exemplo, seria irreconhecível, já que a crosta da Terra é móvel. Ela é composta por placas continentais graníticas, que se assemelham a um conjunto de icebergs muito próximos entre si. Em lugar de água, eles flutuam sobre o manto basáltico da Terra, uma espessa camada de rocha derretida, ou magma, existente logo abaixo da crosta. Átomos radioativos do manto geram parte do calor que mantém as rochas derretidas e numa espécie de ebulição, em ascensão para a superfície. O magma brota à superficie especialmente sob os oceanos e força a pas-sagem entre duas placas, afastando-as.

Algumas vezes, o material ascendente agrega-se às placas, dobra sua espessura e faz com que grandes massas se ergam para o céu na forma de montanhas. Em contrapartida, em outras regiões, parte das placas se desfaz e mergulha de volta ao abismo magmático. Como esses fenômenos estão ativos, a forma externa do planeta será totalmente diferente da atual, daqui a 4,5 bilhões de anos. O Mar Mediterrâneo, por exemplo, deve desaparecer, o Atlântico deverá se tornar tão largo quan-to o Pacífico, e este, provavelmente, ficará mais estreito. As Ilhas do Pacífico, estendendo-se do Japão à Austrália, podem acabar conectadas num só bloco, e novas ilhas surgirão sobre pontos quentes das placas. A emergência de ilhas sobre pontos quentes ocorre hoje no Arquipélago do Havaí.

Os Andes e o Himalaia vão prosseguir na tendência de elevação, mas devem acabar sucumbindo à força do próprio peso. Outra mudança drástica: os dias vão se tornar mais longos, com a duração de 48 horas.Também a Lua estará uma vez e meia mais distante e, por isso, parecerá menor. Esses dois fenômenos estão ligados por meio das marés, pois é o atrito da água sobre a crosta da Terra que reduz sua velocidade de rotação e faz com que os dias se tornem 0,002 segundos mais longos a cada século. Por outro lado, a energia que se perde na rotação da Terra é compensada por um aumento na velocidade com que a Lua percorre sua órbita. O resultado é que o satélite terrestre passa a girar numa rota cada vez mais distante: a taxa atual é de 4 centímetros por ano.

As mudanças no céu serão enormes. Muitas das estrelas que vemos hoje chegarão ao fim de seu ciclo na forma de grandes explosões cha-madas supernovas ou nebulosas planetárias. A lista de desaparecidos inclui diversos astros bem conhecidos, a começar por Sirius, a mais reluzente estrela do céu hodierno. Entre as outras estão Vega, Capela Rigel, Betelgeuse, Antares, Régulo e Deneb. Os astrônomos do futuro também vão notar que as galáxias estão se afastando de nós devido à expansão do Universo, como descobriu em 1929 o astrônomo america–no Edwin Hubble.

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Ele fez medidas aproximadas e ainda hoje se conhece a velocidade de expansão apenas dentro de certos limites. Por exemplo, uma galáxia a um milhão de anos-luz se afasta a uma taxa entre 15 e 30 quilômetros por segundo (essa taxa é conhecida como constante de Hubble). Se a galáxia estiver duas vezes mais longe, terá o dobro da velocidade e assim por diante. Muitos crêem que a constante de Hubble vale cerca de 23 quilômetros por segundo. Seja como for, os astrônomos do futuro encontrarão uma taxa bem menor, já que a expansão cósmica está se desacelerando com o tempo. Ela pode ser comparada a uma pessoa que salta, na Terra: essa pessoa sobe um pouco, pára por um instante infinitesimal e começa a cair sob a força da gravidade.

Da mesma forma, a gravidade de uma galáxia qualquer sempre puxa de volta aquelas que se afastam, e a atração de todas as galáxias desacelera a expansão. Para saber se esta um dia será interrompida por completo, é preciso antes descobrir que quantidade de matéria existe no Universo. Até agora detectou-se apenas entre 5% e 10% da matéria necessária, mas acredita-se que a maior parte dela não se pode observar diretamente. É o que se chama matéria escura, pois não emite luz nem outros tipos de radiação. A despeito de muito esforço, ninguém sabe até agora se o Universo se expandirá para sempre. Mas, mesmo que ele volte a encolher, isso não ocorrerá nos próximos 4,5 bilhões de anos.

Em vez disso, o futuro Hubble medirá uma taxa de expansão de aproximadamente metade ou um terço do presente valor. O Cosmo será bem maior, mas crescerá muito mais lentamente. Por outros motivos, o Sol também mudará. Sua superfície ainda terá a mesma temperatura e o mesmo tom amarelado de hoje, mas vai se tornar 60% maior e brilhar com o dobro da intensidade. O tempo terá consumido em parte o suprimento de combustível nuclear do Sol. Este é uma bola gasosa contendo 2 000 trilhões de trilhões de toneladas de matéria (2 x 1030 quilos). O gás consiste basicamente em hidrogênio e hélio, com resíduos de outros elementos.

Para cada milhão de átomos de hidrogênio, existe cerca de 85 000 átomos de hélio e quase 1 000 átomos, apenas, de outros elementos. A pressão de toda essa massa sobre o núcleo solar é alta o bastante para forçar a “queima”, ou a fusão dos hidrogênios entre si. Ao mesmo tempo, liberta-se a energia que impede o colapso do Sol e o faz brilhar. A fusão transforma hidrogênio em hélio desde o nascimento do astro-rei e já consumiu quase metade do combustível disponível em seu núcleo. Nos próximos 4,5 bilhões de anos, serão usados mais 80% ou 90% do que resta. Assim, embora haja dúvida sobre esses números, os humanos do futuro deverão encarar um Sol quase esgotado.

O fim do combustível reduzirá a temperatura e a pressão do gás. Isso fará com que o Sol desabe sobre si mesmo, no primeiro passo de um complicado processo evolutivo. Antes de tudo, o colapso deve elevar novamente a potência interna, mas daí para a frente a fusão terá que ser feita em torno do núcleo. As camadas externas vão inflar e a superfície solar chegará até a atual órbita de Vênus. Em seguida, quando o hidrogênio extra acabar, a contração terá de ser contida pela queima simultânea de hélio central (gerando grandes quantidades de carbono) e de hidrogênio em camadas mais externas. Então, a descarga correspondente de energia levará a superfície solar para a órbita de Júpiter. A Terra estará dentro do Sol, e sua temperatura, cerca de 6,5 bilhões de anos no futuro, deve alcançar os 30 000 graus centígrados. Qualquer coisa orgânica será convertida em torrada. Claro que os habitantes do planeta serão forçados a deixá-lo bem antes disso, em busca de uma estrela mais jovem e mais estável. Os humanos atuais talvez deixem a Terra em busca de ganhos econômicos. Mas os humanos de nossa especulação terão de fugir para salvar a vida. O Sol ancião, assim, daria à humanidade uma perspectiva e uma meta — a sobrevivência.

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