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Lixão a céu aberto

Um enxame ameaça a Terra. São satélites desativados e pedaços de naves espaciais. Tanta sucata orbital pode fazer grandes estragos lá em cima. E alguns acidentes aqui embaixo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 dez 1997, 22h00

Thereza Venturoli

Acabamos de saber que um satélite explodiu, colocando em risco a Estação Espacial Mir. Desculpe, só posso responder às suas perguntas mais tarde.” Com esta declaração dramática, o cientista-chefe do Programa de Detritos Orbitais da Nasa, Nicholas Johnson, interrompeu uma entrevista à SUPER, pela Internet, em setembro. Felizmente, o alarme era falso: o artefato que explodiu era mesmo russo, mas a Mir estava fora de perigo.

Incidentes como esse são cada vez mais comuns. É que a Terra está imersa em 2 000 toneladas de entulho sideral. São satélites desligados e componentes de naves acumulados desde a subida do Sputnik, em 1957. Dos 3 800 foguetes e 4 600 satélites lançados nestas quatro décadas, só 500 ainda funcionam. O resto virou lixo: 8 000 peças maiores do que uma bola de tênis, 110 000 cacos com diâmetro entre 1 e 10 centímetros e 35 milhões de lascas menores que 1 centímetro (veja o infográfico ao lado).

Boa parte desse lixão vai cair e poderá provocar acidentes. É que o atrito dos aparelhos com as moléculas de ar reduz, gradativamente, sua velocidade orbital, até a força de gravidade puxá-los de volta. Só que, se a peça estiver muito no alto, onde o ar é muito rarefeito, a queda leva milhões de anos. De qualquer modo, a grande maioria das que mergulham na atmosfera se pulveriza na viagem. E as que finalmente chegam à superfície costumam se perder nos oceanos. “Nenhum dos 16 000 artefatos que já caíram provocou ferimentos em alguém”, afirma Johnson. Quem corre mais risco são as naves em operação.

Feito um bazar de quinquilharias

O homem é rápido. Em quatro décadas poluiu a estratosfera. Ela já está cheia de entulhos. Em junho de 1997, o satélite de sensoriamento remoto ERS-1, da Agência Espacial Européia (ESA), teve de ser manobrado para escapar de uma aeronave russa desativada, de 750 quilos, que cruzou seu caminho. Em pelo menos três missões, a tripulação dos ônibus espaciais fez curvas de emergência para evitar o choque com peças descartadas de velhas espaçonaves. Esses desvios só são possíveis graças ao rastreamento feito por uma rede de telescópios óticos e radares de superfície. Eles acompanham o movimento de todo e qualquer objeto maior que 10 centímetros até 2 000 quilômetros de altura.

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Nem sempre, porém, é possível evitar o desastre. Em junho de 1996, o satélite de comunicação francês Cerise, a 660 quilômetros de altura, foi abalroado e destruído por um pedaço do foguete Ariane, lançado pela Agência Espacial Européia uma década antes. Calcule o estrago que um choque desse tipo pode causar: para um objeto se manter em órbita, ele tem de viajar a cerca de 27 000 quilômetros por hora, dez vezes mais do que a velocidade de uma bala de fuzil. Isso quer dizer que dois bólidos podem se chocar de frente a 54 000 quilômetros horários. A essa velocidade, bater numa bolinha de gude é o mesmo que trombar com um cofre de 180 quilos a 180 quilômetros por hora.

De tanque de combustível a luvas

E não é tão difícil topar com uma bola de gude dessas – ou coisa pior –, nas órbitas mais baixas. Até 2 000 quilômetros acima da superfície, a quantidade de detritos deixados pelo homem é 10 000 vezes maior do que a de meteoritos naturais, que estão sempre chegando do Cosmo. Há ali um verdadeiro bazar de quinquilharias de todos os tipos e tamanhos, como estágios de foguetes, tanques de combustível, parafusos e arruelas descartados por espaçonaves na subida e satélites desativados ou em pedaços (43% dos fragmentos orbitais são resultantes da explosão dos motores das aeronaves). Até os astronautas ajudam a aumentar os detritos espaciais, com ferramentas e luvas perdidas durante passeios no vazio.

Nesse cenário tumultuado, os ônibus espaciais americanos e o Telescópio Espacial Hubble são no mínimo sortudos sobreviventes: por enquanto, escaparam com poucos arranhões (veja os quadros ao lado). Principalmente se pensarmos que, quanto maior um artefato e quanto mais tempo ele permanecer no espaço, maiores serão suas probabilidades de ser atropelado. Estima-se que, em dezessete anos de funcionamento, o Hubble, com o comprimento de um prédio de quatro andares, tenha 4% de chance de ser abalroado por um projétil de 1 centímetro de diâmetro.

Esses cálculos vêm da experiência com projetos como o americano LDEF (sigla para Instalação para Exposição de Longa Duração, em inglês). Esse verdadeiro “saco de pancadas” passou anos como alvo para lixo espacial coletando dados essenciais sobre os fragmentos ameaçadores (veja o quadro abaixo).

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Caiu na rede, é sujeira

A situação tende a piorar com os satélites previstos para subir nos próximos anos. É isso que afirma o relatório preparado por especialistas que participaram da II Conferência Européia sobre Lixo Espacial, realizada em março de 1997, na Alemanha. Apenas para as órbitas baixa e média, até 30 000 quilômetros de altitude, devem acontecer 300 lançamentos até 1999 – 75% mais do que entre 1994 e 1996.

Os maiores responsáveis pelo congestionamento são os novos sistemas de comunicação e telefonia, que usam constelações de satélites (isto é, várias máquinas que montam uma rede de sinais ao redor do globo). Somente o Projeto Iridium, de empresas americanas e japonesas, deve colocar 66 satélites a 780 quilômetros de altura. Outro delírio tecnológico, o Projeto Teledesic, pretende plantar, até o ano 2001, nada menos que 840 máquinas a 700 quilômetros da superfície, para interligar computadores terrestres. O receio, justificado, é que essas redes superdimensionadas acabem capturando, junto com os sinais eletrônicos, muito lixo. E, ao se danificarem, gerem mais sucata ainda. E, aí, vão virar mais sucata. Entulho sideral.

Um ou outro arranhão no Hubble

Na primeira missão para reparos no Telescópio Hubble, em 1993, os astronautas encontraram um buraco de quase 2 centímetros de diâmetro no prato de uma antena de comunicação (no detalhe). Um dos painéis solares que fornecem energia para o supertelescópio também estava bombardeado: tinha um rombo de 7 milímetros de diâmetro.

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Do céu direto para o vidraceiro

Mais de sessenta janelas dos ônibus espaciais voltaram moídas das missões. A cratera do detalhe, com 2,5 milímetros de diâmetro, foi criada por uma lasca de tinta de aeronave do tamanho de um grão de sal. A velocidade do choque foi de 14 400 quilômetros por hora. Microfissuras como esta podem espatifar a janela na descida da nave.

Om saco de pancadas

O LDEF, da Nasa, é um artefato em forma de cilindro, com 9 metros de comprimento e 4 de diâmetro, todo recoberto por lâminas de diferentes materiais usados na construção de naves e satélites. Lançado em janeiro de 1990, permaneceu voando até agosto de 1996, a 470 quilômetros de altura, exposto a todo tipo de partículas perdidas. As placas marcadas pelas minitrombadas cósmicas mostraram que, ao longo desses 68 meses, aconteceram 34 000 colisões. As minicrateras medem de 1 milésimo de milímetro a 5 milímetros. Muitas delas têm traços de substâncias usadas no combustível de foguetes, como óxido de alumínio.

O pior é que não dá para fazer faxina no céu

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Nem a Estação Espacial Internacional (ISS) escapará da poluição sideral. Ao contrário, quando estiver concluída, terá exposta, a 400 quilômetros de altura, uma área total de cerca de 5 000 metros quadrados – um enorme alvo para ser metralhado pela sujeira cósmica. As projeções indicam que as chances de a ISS ser atingida por um fragmento maior que 1,4 centímetro, capaz de botar a estação abaixo, é de apenas uma em 71 anos. Mas partículas menores, que constituem 99% do lixo orbital, devem trombar com o castelo voador numa freqüência de até mais de 100 000 por ano. Para proteger a tripulação e as partes mais vulneráveis da nave, as quinze nações que participam da sua construção estão reforçando o revestimento da sua parte dianteira e suas laterais. A principal forma de proteção são paredes com duas camadas de metal, em que a primeira funciona como um pára-choque. Hoje, os laboratórios das agências espaciais desenvolvem escudos mais poderosos ainda (veja o quadro ao lado).

Estão jogando cinzas no paraíso

As comissões que reúnem agências espaciais de nações européias, asiáticas e americanas e o Comitê para o Uso Pacífico do Espaço, da Organização das Nações Unidas (ONU), acham que já está na hora de se fazer um pouco mais pela “ecologia” da órbita terrestre. Elas têm tentado estabelecer regras, como a da eliminação de qualquer sobra de combustível do estágio final dos foguetes. Isso já vai evitar as explosões causadas pelo choque de sucata com os tanques mal esvaziados. Ainda assim, os técnicos admitem que tais medidas são insuficientes.

“Precisamos estudar como retirar os artefatos das órbitas mais poluídas, no fim de suas missões”, afirmou à SUPER o físico Walter Flury, coordenador das atividades relacionadas ao lixo espacial na Agência Espacial Européia. Existem algumas sugestões mirabolantes, como rebocar as naves de volta ao solo. Ou pulverizá-las com a ajuda de raios laser. Tais propostas, porém, exigem tecnologias ainda inexistentes.

“Não é possível fazer uma faxina completa na órbita terrestre”, diz Flury. Segundo ele, o que dá para fazer, sim, é racionalizar o uso do espaço. E proibir absurdos como o Projeto Celestis, que lançou, em abril do ano passado, um foguete Pegasus com as cinzas de 24 indivíduos cremados, para repousarem não no paraíso, mas a 570 quilômetros de altitude. “Isso não tem cabimento”, reclama, enfático, o cientista.

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Assim na Terra como no céu

A resistência da fuselagem das naves é testada em laboratórios como o do Centro Espacial Johnson, da Nasa, em Houston, Texas. Um revólver de hipervelocidade, de mais de 30 metros de comprimento (na foto grande), lança um projétil, uma bolinha de alumínio, de 1 centímetro de diâmetro, contra um sanduíche de placas metálicas (no detalhe). Com a força do impacto, a primeira lâmina, que serve de pára-choque, derrete. O projétil é pulverizado em milhares de fragmentos, que se espalham e atingem as placas seguintes numa velocidade cada vez mais baixa. Dessa maneira, a violência da trombada é amortecida.

Para saber mais

Na Internet: https://sn-callisto.jsc.nasa.gov

Espaço superlotado

Telescópios e radares rastreiam 8 500 objetos orbitais com mais de 10 centímetros de diâmetro. Desse total, 8 000 são puro ferro-velho.

Órbita geoestacionária

Na faixa dos satélites meteorológicos e de telecomunicações, que ficam “estacionados” a 36 000 quilômetros da superfície, há 600 pedaços de lata velha. Eles jamais cairão de volta ao planeta porque, a essa altitude, não perdem a velocidade orbital, que os mantém lá no alto.

Órbita média

Entre 2 000 e 30 000 quilômetros de altura circulam os chamados satélites de navegação, como os GPS, que indicam a localização de navios e aviões na superfície da Terra. Aqui, existem pelo menos 134 peças perdidas. Elas podem despencar, mas só daqui a milhares ou mesmo milhões de anos.

Órbita baixa

A área mais poluída está entre 200 e 2 000 quilômetros de altura, com 5 700 fragmentos de lixo. É a faixa dos satélites meteorológicos, de telecomunicação e de observação, dos ônibus espaciais e das estações orbitais. Os que estão a 1 000 quilômetros de altura levam séculos para cair. Mas quando chegam a 200 quilômetros mergulham em direção ao solo em poucos dias.

Perdidos no espaço

Existem 1 450 objetos que têm um trajeto excêntrico. Eles passeiam por todas as órbitas terrestres e podem provocar desastres.

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