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Os novos negócios da China

Smartphone por R$ 250? Tablet por R$ 280? Notebook por R$ 300? Sim, existe - é a nova geração de gadgets chineses. Conheça os eletrônicos com sérias restrições orçamentárias

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 19 jan 2012, 22h00

Bruno Garattoni

Tudo é caro no Brasil. Mas em poucos produtos isso é tão chocante quanto nos eletrônicos, que aqui sempre custam de 70% a 300% a mais do que nos EUA. A explicação disso, você já sabe, está nos impostos envolvidos – principalmente de importação. Fabricar os aparelhos aqui também não resolve: a Samsung e a Motorola já produzem seus tablets no Brasil, mas eles continuam custando mais de R$ 1 600. Até o Kindle Fire, tablet de US$ 199 que a Amazon está lançando nos EUA, custaria pelo menos R$ 800 no Brasil. Não há escapatória, certo?

Os chineses discordam. Depois da onda dos celulares xing-ling, aqueles que traziam inovações como 2 chips e TV embutida e foram febre em 2009, eles estão de volta. São smartphones, tablets e até notebooks de menos de R$ 300 – incluindo imposto de importação e frete para o Brasil. Mas quão ruins (ou bons) eles podem ser? Qual é o truque? A única maneira de matar a curiosidade era também a mais óbvia: usar o meu próprio dinheiro para comprar um.

Existem vários sites que vendem produtos diretamente da China. Escolhi um que ao menos parecia legítimo e dizia ter até cadastro na Receita Federal – bem como várias ofertas que me chamaram a atenção. Achei um smartphone de marca desconhecida, com Android e tela de 3,55 polegadas por R$ 250. Desisti dele porque já tive más experiências com celulares xing-ling. Aí me encantei com um netbook. Ele tinha Windows e 1 GB de memória, estava disponível em 4 cores e custava só R$ 270. Ótimo presente de Natal. Mas logo descobri a pegadinha. O Windows instalado, na verdade, era o Windows CE – que foi lançado em 2006 e se destina a palmtops, um tipo de produto que nem existe mais. Roubada na certa.

O tablet era diferente. Não tinha nada que fosse claramente errado. Sistema Android, tela de 7 polegadas, processador de 660 MHz e câmera embutida por R$ 200? Comprei e na hora recebi uma confirmação por e-mail. Mas o produto só foi postado 24 dias depois. Tempo suficiente para reclamar várias vezes com a empresa, cujos telefones não atendiam e eu só conseguia contactar por uma janelinha de bate-papo no site dela – em que eu aparentemente teclava com um robô.

Até que, três meses depois, o tablet finalmente chegou. E, aparentemente, dentro da lei. Recebi um telegrama dizendo que o produto havia sido tributado em R$ 81,38, que eu deveria pagar ao retirá-lo no correio. Ainda estava muito barato.

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A caixa era minimalista e bonita, claramente inspirada na Apple. E o tablet também não parecia mau. Era sólido, sem rebarbas de plástico nem peças soltas (características que até recentemente eram comuns em gadgets de baixíssimo preço). A única coisa estranha era um furinho na parte de trás, daqueles feitos para introduzir um clipe de papel, escrito “Reset”.

O tablet e a salsicha

O modelo mais simples do iPad 2, que é vendido por US$ 500 nos Estados Unidos, não custa tudo isso. Segundo uma análise feita pela consultoria iSuppli, a Apple gasta US$ 307,90 nos componentes – e mais 10 dólares para montá-los. O resto, 36,3% do preço, é margem de lucro. A Apple investe pesado em marketing e também gasta US$ 1,9 bilhão por ano no desenvolvimento dos seus produtos. Mas mesmo assim ganha muito dinheiro. Agora você sabe de onde vieram os US$ 81 bilhões que ela tem em caixa.

Na empresa que fabricou o meu tablet, não é assim. Ela não tem nome, não anuncia em lugar nenhum e não gasta quase nada em desenvolvimento tecnológico. Simplesmente compra e monta as peças e depois instala o sistema operacional Android, que é distribuído livremente pelo Google (e os chineses obtêm na internet). E isso não é necessariamente ruim. Foi esse modelo, com milhares de pequenos fabricantes de fundo de quintal, que popularizou o computador pessoal nos anos 90 – quando era comum comprar PCs montados em lojinhas de bairro. O mais importante, seja em um computador, seja em uma salsicha, é o que vai dentro do produto. E é aí que a receita pode desandar. “Os aparelhos das grandes marcas utilizam componentes melhores. O modelo chinês é muito inferior”, diz o analista de mercado Bruno Freitas, da empresa de pesquisas IDC.

Ao ligar o meu tablet pela primeira vez, vi que ele tinha razão. A tela touchscreen era dura e ruim. Além de não reconhecer gestos, precisava ser apertada com (bastante) força. Isso acontecia porque, para economizar, o fabricante tinha empregado uma tecnologia obsoleta: tela resistiva, que você precisa deformar fisicamente com o dedo (no iPad e em outros tablets bons, a touchscreen é do tipo capacitivo, em que uma corrente elétrica detecta os toques da mão). Isso tornava o uso bem desconfortável. Mas não seria o suficiente para me fazer desistir.

Entrei na internet. O navegador era lento, mas isso eu já esperava – as versões antigas do Android, como a que veio no meu tablet (2.1), são conhecidas por esse problema. Só que a resolução da tela era tão baixa que, mesmo tendo 7 polegadas, ela só mostrava um pedaço muito pequeno dos sites. Era como navegar na internet pela telinha de um celular.

Mesmo os sites mais básicos davam problemas. No Gmail, as mensagens só ficavam legíveis se eu segurasse o tablet na horizontal (na vertical, o conteúdo delas simplesmente não aparecia). No YouTube, só se ouvia o áudio – no lugar do vídeo, uma tela preta. O Google Maps também se recusava a funcionar.

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Decidi apelar para os aplicativos. Aí veio uma decepção pior. Para utilizar o serviço Android Market, que dá acesso aos apps disponíveis para download, o seu tablet ou celular precisa ter sido aprovado pelo Google – que aplica um teste para ver se o aparelho consegue rodar adequadamente o Android. E meu tablet, adivinhe, não tinha passado por esse teste. Resultado: nada de aplicativos, livros ou revistas.

Resolvi experimentar a saída HDMI, que serve para conectar o tablet a uma TV. Não é qualquer modelo que tem essa saída, então senti uma pontinha de orgulho. Duas opções me ofereciam vídeo em 720p (alta definição) ou 1080p (Full HD). Pura mentira: a imagem tinha baixíssima resolução e era distorcida como um quadro de Salvador Dalí. No dia seguinte, o sensor de posição quebrou, fazendo com que o tablet parasse de funcionar na vertical, e o aparelho começou a travar sem motivo e com frequência – o que me fez descobrir, finalmente, para que servia o botãozinho Reset. Eu estava perdendo a fé.

Mas ainda queria descobrir por que a bateria do aparelho durava tão pouco. Decidi abri-lo. Como as peças eram apenas coladas, não foi difícil. E matou a charada. O fabricante havia instalado uma bateria de apenas 1 300 miliamperes – metade da capacidade de uma bateria de smartphone, e 5 vezes menos que a do iPad. Era inacreditável. E era por isso que o tablet precisava ser recarregado a cada 50 minutos.

Desolado, fiquei olhando para um dos gadgets mais inúteis que comprara na vida. Um amigo viu a situação e me perguntou: “Mas se esse tablet não tem apps e não navega direito, para que serve? Qual recurso ele tem, afinal?” Tem uma das funções mais espertas e eficientes já inventadas, respondi. Sabe o que esse recurso faz? Pega R$ 200 do seu dinheiro e teletransporta para a China.

Para saber mais
Poorly Made in China

Paul Midler, Wiley Books, 2009

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