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Quer uma mordida?

Os segredos que fazem da Apple a empresa mais descolada do mundo da informática, com seus produtos que são verdadeiros objetos de culto e desejo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 30 nov 2005, 22h00

Texto Natasha Madov

Fontes do palácio Buckingham informam: a rainha Elizabeth 2ª adora passear pelos corredores com um pequeno fone branco no ouvido e plugado num iPod Mini prateado de 6 GB. Recentemente, uma liquidação de iBooks usados (a 50 dólares cada um) virou tumulto numa escola em Richmond, nos EUA, que só terminou com a intervenção da polícia. Em setembro, o mundo da informática parou para o lançamento do ultrafino iPod Nano. No mês seguinte, a cena se repetiu com o novo iPod com vídeo e também com o G5 que opera por controle remoto.

Essas histórias são apenas uma amostra do enorme fascínio que a Apple (criadora dos produtos citados acima) exerce. Só em 2005, mais de 1 milhão de usuários de PC compraram um Macintosh pela primeira vez. E uma pesquisa feita com consumidores americanos mostrou que 90% pretendem continuar com a nova marca. Ok, a empresa ainda está longe dos grandes bichos-papões da informática, como a onipresente Microsoft. No mercado de hardware, Dell e Hewlett-Packard estão muito à frente dos 2,5% que a Apple detém do total de vendas no mundo. Mas, quando se trata de inovação e criatividade, tanto em termos de design quanto de tecnologia, não tem para ninguém: só dá a marca da maçã mordida. Mais do que uma fábrica de equipamentos eletrônicos, ela virou objeto de culto. Seus computadores são os mais bonitos e potentes, os programas não dão pau, todo mundo quer ter um iPod.

Do ponto de vista empresarial, a Apple contraria boa parte dos manuais de gerenciamento. Em vez de se concentrar em um segmento, participa de todos ao mesmo tempo: hardware (iBooks e iMacs), sistema operacional (Mac OS X), software (iTunes, iMovie e outros), traquitanas digitais (toda a família iPod) e toda a estrutura on-line de distribuição de conteúdo para essas plataformas (iTunes Music Store). E talvez, contraditoriamente, esse seja um dos segredos de seu sucesso. Em vez de fazer como Bill Gates, que licencia seus programas para quem quiser usá-los em seus computadores, desde o princípio, em 1976, a Apple manteve controle absoluto sobre sua produção – justamente para estar um passo à frente.

Do céu ao inferno

A empresa praticamente criou o mercado de computadores pessoais. Ela nasceu há quase 30 anos, fruto dos delírios de dois jovens hippies chamados Steve, o Jobs e o Wozniak, que bolaram não um produto necessário, mas uma espécie de fetiche: a possibilidade de ter um micro em casa. As primeiras máquinas foram montadas na garagem da casa do primeiro, em Palo Alto, Califórnia, e caíram no gosto do público graças às inovações tecnológicas e visuais (confira a evolução dos produtos Apple na linha do tempo que acompanha toda a reportagem). O Apple I tinha pouca (ou nenhuma) utilidade. Mas seu sucessor, o Apple II, era bem potente e fácil de usar – tanto que até o Departamento de Estado americano comprou alguns para monitorar armas nucleares na Europa, o que desagradou profundamente seus criadores, que defendiam a cultura de paz e amor.

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Até então, era preciso dominar códigos, interpretar sinais e apertar múltiplas combinações de teclas para mexer num computador. Numa visita ao centro de pesquisa da Xerox, em 1979, Jobs descobriu que havia um jeito mais fácil de operá-los. O projeto Alto, da Xerox, tinha um periférico batizado de mouse e um sistema operacional inovador, com interface gráfica. Em vez de comandos por escrito, o acesso a programas e arquivos era feito clicando imagens na tela. A primeira tentativa de usar a tal interface gráfica foi o Lisa, de 1983. Mas ele era lento e caro (9995 dólares). A revolução de verdade veio no ano seguinte, com o Macintosh (2500 dólares), que foi lançado com uma milionária campanha publicitária – o comercial de TV, inspirado no livro 1984, foi dirigido por Ridley Scott, o mesmo de Blade Runner. As vendas ficaram abaixo da expectativa inicial de Jobs, mas todo mundo adorou o Mac por sua facilidade de uso.

Só que a Apple estava afundando numa crise interna. Steve Wozniak tinha saído, aborrecido com a preferência pelo Mac em detrimento do velho porém lucrativo Apple II. John Sculley, que trabalhava na Pepsi, foi contratado para ser o chefão. A nova diretoria se cansou das interferências de Steve Jobs e mandou o fundador embora (leia mais no quadro da página ao lado). Logo em seguida entrou em cena o software PageMaker, os Macs se tornaram imbatíveis para a produção gráfica e as vendas explodiram. “Antes do desktop publishing, o trabalho gráfico era uma questão de fé ou de insistência”, brinca o consultor de informática Mário Jorge Passos. Ocorre que a Apple vendia bem, mas vivia num caos de linhas diferentes de computadores, impressoras, câmeras etc. “Só faltava fazerem abajur”, diz Passos. Por isso, era preciso reinventar tudo.

Do inferno ao céu

Assim, em 1997, Steve Jobs voltou para ser consultor. A empresa que ele tocava na época, a Next, foi comprada pela Apple, e a maçã começou a viver sua renascença. Jobs reduziu significativamente a linha de produção, que passou a focar o usuário doméstico. Sua meta: criar um computador bonito a ponto de figurar em local de destaque na sala de estar. O próprio Jobs conta o que ele batizou de parábola do carro-conceito: “No salão do automóvel, a montadora apresenta aquele modelo espetacular, pelo qual todos ficam babando. Quatro ou 5 anos depois, ele chega às lojas com várias modificações, todas para pior. O que aconteceu? Os designers tiveram idéias geniais, mas os engenheiros disseram que tal coisa não funciona, isso não pode ser feito, aquilo não dá. Na Apple, todos os nãos foram derrubados, porque eu sou o chefe e acho que pode ser feito.” Graças à imaginação de Jobs e do designer-chefe Jonathan Ive chegou às lojas o coloridíssimo iMac, que mais parecia ter saído de um desenho animado dos Jetsons.

A era dos gabinetes beges tinha se acabado. Estava de volta a era da inovação e da criatividade. A Apple voltou a ganhar espaço, tanto na mídia quanto no mercado, e pôde lançar vários outros produtos cheios de novos recursos, como os gravadores de CD (que estavam presentes nos iMacs em 1998, mas só se popularizaram entre os PCs anos mais tarde). “Quem usa Mac hoje tem coisas que só vão se massificar daqui a dois anos”, afirma Heinar Maracy, editor da revista especializada MacMania.

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E então veio o iPod. O tocador de mp3 – que vende 700 mil unidades por mês e detém 90% do mercado – foi outra grande sacada de Steve Jobs. Ao ver que o formato de música digital se tornava cada vez mais popular, inventou uma máquina suficientemente veloz para carregar os arquivos, capaz de armazenar uma coleção razoável de canções e com um software fácil de usar. Quando saíram as versões compatíveis com o Windows, foi aquele estouro. As expectativas são de que as vendas ultrapassem 40 milhões de aparelhinhos em todo o mundo até o ano que vem (a família iPod já responde por mais de 35% do faturamento total da Apple). Graças à iTunes Music Store, a loja de venda de música e vídeo, a empresa simplesmente legalizou o mercado de downloads de arquivos digitais.

“A própria definição de produto mudou nos últimos anos”, afirma Tony Fadell, vice-presidente de engenharia da empresa. “Hoje, o produto é a iTunes Music Store mais iTunes mais o iPod propriamente dito mais o software que ele carrega.” E só uma companhia como a Apple consegue ter tudo isso ao mesmo tempo. “Se um fornecedor cuida do hardware e outro dos programas, é óbvio que o resultado não é tão ágil quanto poderia”, costuma dizer Jobs. Essa política de integração total se reflete, é óbvio, no dia-a-dia dos funcionários – que trabalham muitas horas por dia, mas não costumam reclamar (leia mais no quadro da página ao lado). Afinal, eles sabem que a Apple pode não ser a maior, mas todos enchem a boca para dizer que trabalham na empresa mais descolada do mundo da informática.

A marca da inovação

Três décadasde revolução nainformática

1976 – Apple I

O computador pioneiro era só a placa de circuito. Gabinete, fonte de energia, teclado e monitor eram por conta do freguês. Preço: 666,66 dólares, mas Jobs nega qualquer referência ao demônio.

1977 – Apple II

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O primeiro computador pessoal para a massa exibia gráficos coloridos, tinha uma planilha de cálculos e vendeu milhões nos EUA. E isso com 16 kB de memória RAM (hoje, as máquinas têm 512 MB).

1984 – Macintosh

Sua interface gráfica, copiada de uma idéia desenvolvida pela Xerox, revolucionou a informática e foi a “inspiração” para Bill Gates criar o Windows. Na época, o Mac era conhecido como o “128K”.

1993 – Newton

Num tempo em que agendas eletrônicas eram “o máximo”, nasceu este computador de mão. O primeiro personal digital assistant (PDA) durou até 1998. Hoje o mercado é dominado pela Palm.

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1998 – iMac

Em seu retorno triunfal, Steve Jobs reinventou o design com cores e transparências. O sucesso foi imediato: 2 milhões de unidades vendidas em um ano, dobrando a participação no mercado da empresa.

1999 – iBook

Praticamente um iMac portátil, o iBook também foi criado na prancheta do designer Jonathan Ive. O primeiro laptop vendido a um preço mais acessível nos EUA repetiu o estouro de vendas do iMac.

Power Mac G3/G4

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A estética moderninha do iBook chegou também à linha profissional. O G3 era azulzinho como o original. Depois veio o G4, cinza-chumbo, que tinha dois processadores, em vez de um.

2000 – Power Mac G5 Cube

Como o próprio nome já diz, era um cubo. Pequeno, aliava o design do iMac ao poder de processamento do PowerMac. Mas as vendas foram decepcionantes e o Cube saiu de produção pouco tempo depois.

2001 – iPod

Pequeno, fino, discreto, bonito e com grande capacidade de armazenamento de arquivos de música, o iPod virou sinônimo de tocador de mp3 e um ícone da era digital.

2002 – iMac G4

Ao contrário do que muitos pensam, a inspiração de Jonathan Ive não foi a mascote da Pixar, a outra empresa de Steve Jobs, mas uma orientação do chefe, que lhe disse para “pensar em girassóis”.

2004 – iMac G5

Monitor de tela plana, processador e câmera digital em um corpinho de apenas 5 centímetros de espessura. Em 2005, ganhou um acessório no mínimo inusitado: controle remoto.

2005 – Mac Mini

Num ano cheio de lançamentos, a primeira novidade foi o Mini, o menor modelo do mercado. Para ficar barato, ele vem só com a CPU. Você pode aproveitar o monitor e outros periféricos, inclusive do PC.

iPod Video

A 5ª geração do iPod tem tela colorida e até 60 GB de memória, o que permite armazenar fotos e vídeos, além de tocar música, é claro. E ainda é 30% mais fino que o modelo anterior.

Uma empresa à imagem e semelhança de seu criador

Poucas empresas têm o destino tão ligado ao do fundador quanto a Apple. Steve Jobs nasceu no estado de Wisconsin em 1955, filho de mãe americana e pai sírio. Bebê, foi entregue à adoção e criado por Paul e Clara Jobs, de Mountain View, Califórnia. Típico self-made man, nunca terminou uma faculdade. Aos 21 anos, junto com o amigo Steve Wozniak, passou a montar computadores na garagem de casa (os primeiros modelos eram vendidos lá mesmo) e se deu muito bem. No início dos anos 80, a companhia já era referência no então crescente mercado de computadores pessoais. Mas em 1985 uma série de conflitos internos fizeram com que Jobs fosse expulso da empresa que criou. Ele então montou a Next (que produzia equipamentos muito avançados e nunca foi um grande sucesso) e a Pixar (que emplacou sucessos do cinema como Toy Story, Procurando Nemo e Os Incríveis). Em 1997, quando voltou para a Apple ganhando 1 dólar por ano com a missão de reinventar tudo, já era famoso por ser “amado ou odiado”. Muitos dizem que o quartel-general da marca é o “campo de distorção de realidade de Jobs”, de tanto que a turma é obrigada a trabalhar. Mas ele mantém alguns velhos hábitos hippies, como ser vegetariano e estimular funcionários e consumidores a ser “contra o sistema” e mudar o mundo. Nem o fato de ter feito 50 anos nem um câncer no pâncreas o amoleceram. Mas ninguém na Apple reclama: ruim com Jobs, muito pior sem.

“Meus melhores anos profissionais”

O engenheiro elétrico Fábio Pettinati, 52 anos, trabalhou na Apple entre 1990 e 1997. Foi o responsável pelo desenvolvimento do QuickDraw 3D – a primeira tecnologia digital para gráficos em 3ª dimensão.

Como foi seu primeiro contato com a Apple?

Em 1984, li sobre o lançamento do Macintosh e me interessei. Três anos depois, já nos EUA, comprei meu primeiro Mac e mais tarde fui trabalhar lá, primeiro no suporte a parceiros técnicos e em seguida na área de desenvolvimento.

Qual é o barato de trabalhar na Apple?

A Apple é uma empresa única. Posso garantir que a preocupação com detalhes técnicos e um perfeccionismo fanático são suas marcas registradas. Foram meus melhores anos profissionais. Tanto que divido minha vida em antes da Apple, durante a Apple e depois da Apple. Só lamento não ter tido a chance de trabalhar com o Steve Jobs.

Como era o clima de trabalho?

Bastante liberal, bem louco. Tanto que a gente dizia: “Sabe a diferença entre a Apple e os escoteiros? Os escoteiros têm a supervisão de adultos.”

Qual a principal lição da empresa para você?

Mostrar que não existem barreiras que não possam ser vencidas. Seu slogan na época era Changing the World, One Person at a Time (“Mudando o Mundo, Uma Pessoa por Vez”). E era isso mesmo o que fazíamos.

Para saber mais

Segunda Vinda de Steve Jobs – A. Alan Deutschman, Ed. Globo, 2001

Apple Confidential 2.0: The Definitive History of the World·s Most Colorful Company – Owen W. Linzmayer, No Starch Press, 2004

https://www.apple-history.com – Tudo sobre a história da Apple, com fotos e descrição de todos os produtos já lançados.

https://www.folklore.org – Site que relata em detalhes o desenvolvimento do primeiro Macintosh.

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