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Uma saga de 15 anos

De uma ideia impossível na cabeça do premiado diretor James Cameron a uma revolução cinematográfica aplaudida pelo público e pela crítica, quase duas décadas se passaram. Conheça a história por trás da criação de "Avatar" e entenda por que o filme levou tanto tempo para se materializar.

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 11 mar 2011, 22h00

Nos anos 50 e 60, vários filmes épicos hollywoodianos ficaram famosos por suas longas e tortuosas produções. Mas nenhum longa-metragem foi tão zicado na história do cinema quanto Cleópatra. A pré-produção começou em 1958, com Joan Collins no papel principal, mas chegou a 1960 sem uma cena sequer filmada. Então Collins deixou o projeto e foi substituída por Elizabeth Taylor. Em seguida, os atores que de início iriam interpretar Júlio Cesar e Marco Antônio abandonaram o filme. Após apenas 6 dias de filmagens com o novo elenco, o diretor originalmente contratado foi demitido. A produção se arrastou em passo de tartaruga até 1963, quando foi lançada com um custo cerca de 20 vezes maior do que o estimado quando a ideia apareceu. Tudo numa tentativa de produzir um longa-metragem épico e inesquecível.

Bem, é certo que foi inesquecível para a 20th Century Fox, estúdio que quase faliu por causa das atribulações e só conseguiu empatar os gastos com a produção 10 anos após o lançamento, em 1973. Daí você pode tirar uma ideia de como os chefões desse mesmo estúdio se sentiram, décadas depois, quando o diretor James Cameron chegou com sua mais nova proposta para um filme.

Agora é fácil falar, depois que Avatar já se confirmou como um sucesso espetacular e recuperou quase instantaneamente todos os gastos que deu. Mas é preciso dar crédito aos executivos que permitiram que o filme, deixando a extravagância e a complexidade de Cleópatra no chinelo, fosse concluído. E, claro, aos cineastas que fizeram a magia acontecer.

Uma longa jornada

Se o controverso filme dos anos 60, com todas as confusões que teve, levou mais de 5 anos para ir da pré-produção à tela dos cinemas e quase levou à falência um dos mais poderosos estúdios de Hollywood, imagine o que poderia ter acontecido se o tempo de maturação do projeto fosse 3 vezes maior. É isso mesmo. Avatar levou 15 anos para sair.

Tudo começou em 1994, quando James Cameron escreveu um esboço de 80 páginas que detalhava, em essência, o filme que acaba de chegar aos cinemas. É fato que muitas coisas mudaram de lá para cá, como o nome de alguns personagens (o protagonista Jake Sully se chamava Josh, por exemplo) e certos detalhes da trama. Mas a base estava estabelecida já naquele começo.

Na época, Cameron já era respeitado pela criação da franquia O Exterminador do Futuro, que teve seu segundo filme lançado em 1991 – o primeiro na história a atingir um custo de produção acima de US$ 100 milhões -, e o diretor estava prestes a iniciar a produção de um certo longa-metragem chamado Titanic (que, por sua vez, viria a ter um custo superior a US$ 200 milhões e assumiria o posto de filme mais caro da história até o momento de seu lançamento, 1997).

A proposta inicial era fazer Avatar logo após Titanic, com lançamento previsto para 1999. A 20th Century Fox, que coproduziu, com a Paramount Pictures, o filme estrelado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, depois de ver o famoso naufrágio de 1912 ser transformado na maior bilheteria da história do cinema (sem falar nos 11 Oscars, que, convenhamos, não fazem mal a ninguém), provavelmente toparia financiar qualquer coisa que Cameron quisesse fazer. Mas os planos do cineasta eram tão ambiciosos que a tecnologia para realizá-los ainda não chegava nem perto de existir.

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Em vez de corromper sua visão original para iniciar a produção imediatamente (a um custo estimado em surreais US$ 400 milhões), Cameron teve a coragem de fazer o que poucos em sua posição fariam: simplesmente engavetou a ideia.

O esboço original dele chegou até a ser divulgado na internet, mas o diretor desviou o rumo de sua carreira, fugindo dos blockbusters e fazendo documentários de custo relativamente baixo, se comparados a suas peças de cinema-pipoca.

Foi justamente nessa fase que Cameron fissurou de vez na nascente tecnologia do cinema 3D. Enquanto fazia seus documentários e experimentava com novas técnicas, Avatar estava dormente, guardado em alguma gaveta da mesa de escritório dele. Até que alguns personagens muito especiais começaram a pipocar nas salas de cinema.

O primeiro foi Gollum, da saga O Senhor dos Anéis, concluída em 2003. Depois, King Kong, em versão 2.0 criada por Peter Jackson, em 2005. Finalmente, em 2006, chegava aos cinemas Davy Jones, o pirata que tinha tentáculos em lugar de cabelo e barba na cinessérie Piratas do Caribe. Todos os 3, citados por Cameron como referências para o amadurecimento de algumas das tecnologias que ele elevaria ao próximo nível em Avatar, têm uma coisa em comum: foram inteiramente criados por computador.

Era a peça que faltava em 1994 para que o diretor pudesse dar vida a seu antigo projeto.

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Tudo novo de novo

Foi em 2005 que a ideia renasceu. “Eu tirei a poeira de cima [do esboço original], li novamente, e disse: ‘É, essa não é uma história tão ruim. Aposto que daria um ótimo filme’”, relembrou ironicamente Cameron, em entrevista presente no dvd e Blu-ray de Avatar. Naquele ano, começaria para valer a produção. E a Fox começaria a gastar mais do seu rico dinheirinho numa nova loucura do premiado diretor.

Sendo quem ele é, Cameron não pegaria a grana para usar as mesmas técnicas que já estavam nos cinemas, desenvolvidas em anos anteriores. Sua meta era revolucionar a coisa toda, levar tudo um passo adiante. Para convencer a Fox disso, ele afirmou que teria não um, mas dois projetos que usariam as mesmas tecnologias: além de Avatar, ele estava trabalhando na adaptação de Battle Angel, uma minissérie de quadrinhos japonesa.

Os dois projetos estavam sendo trabalhados em paralelo. “A forma que eu usei para vendê-los à Fox foi: ‘Estamos fazendo estes dois filmes’. A ordem é relativamente arbitrária, porque estamos fazendo um investimento numa metodologia e numa infraestrutura técnica que poderia produzir ambos”, explicou Cameron à revista americana Entertainment Weekly, no longínquo ano de 2007. A decisão de começar por Avatar saiu em agosto ou setembro de 2005, segundo ele.

Dois motivos levaram à decisão de começar pelo filme dos ETs azuizinhos: problemas com o roteiro de Battle Angel e alguns testes de câmera que pareciam ser mais fáceis de fazer com os habitantes de Pandora do que com os personagens dos quadrinhos japoneses. O potencial demonstrado por esses testes veio justo das inovações introduzidas por Cameron.

O poder volta ao diretor

A grande sacada da nova tecnologia de criação de personagens digitais usada em Avatar é que agora é possível, em tempo real, o diretor ver como a cena pronta está se desenhando, em vez de ter de esperar meses de pós-produção para saber como seu filme está saindo.

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Assim, Cameron pôde de fato dirigir seus atores e suas cenas, sem apelar para novas filmagens após a conclusão da chamada “fotografia principal” (momento da produção em que são captadas praticamente todas as imagens dos atores em cena) para tentar obter o que não conseguisse num primeiro momento. Em suma, era como se ele pudesse dirigir as criaturas azuis diretamente, e não os atores humanos que lhe dariam voz e expressão.

Além disso, o diretor pôde realizar seu sonho de produzir um filme de ação eletrizante em 3D, elevando o potencial dessa tecnologia a um novo patamar. Antes de Avatar, nas telas de cinema apenas desenhos animados e documentários haviam navegado por essas águas inexploradas. E, se antes os estúdios e cineastas em geral eram céticos quanto ao valor agregado da tridimensionalidade em filmes para adultos, com os milhões de espectadores que têm ido aos cinemas especificamente para ver Avatar em 3D, graças à obstinação de Cameron, terão agora de mudar de ideia.

Caras novas e uma velha conhecida

A escolha do elenco para a produção não foi das mais complicadas. Todos os atores são relativamente pouco conhecidos, exceto por um: Sigourney Weaver. Velha conhecida de Cameron (que a dirigiu em Aliens), ela confessa ter hesitado quando convidada a fazer o filme. Mas, após ler o roteiro, ela ficou totalmente extasiada com a história. Para ela, seu personagem, a Dra. Grace Augustine, representa o próprio diretor em ação.

“Eu brinco com ele porque, para mim, estou interpretando Jim Cameron no filme, como esse perfeccionista brilhante e idealista”, disse Weaver. “Mas essa mesma pessoa tem um grande coração sob a carapaça. Então, tenho de dizer que meio que ‘baixou o santo’ dele em mim quando eu interpretava a personagem.”

Mas Weaver interpreta apenas uma coadjuvante. Os protagonistas são Sam Worthington (Jake Sully) e Zoë Saldana (Neytiri), dois nomes ainda pouco conhecidos, que começaram a brilhar em Hollywood somente em 2009. O primeiro figurou entre os destaques do 4º filme da série O Exterminador do Futuro, enquanto a segunda apareceu como a Tenente Uhura em Star Trek, filme que ressuscitou a franquia Jornada nas Estrelas no ano passado.

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Apesar de pouco conhecido, Sam Worthington foi um dos primeiros a assinar contrato para fazer o filme. “Eu encontrei Sam bem cedo no processo”, relata Cameron. “Ele realmente se manteve por perto e batalhou pelo filme por um longo tempo. Ele veio para alguns testes de tela, e meio que ficou lá, torcendo. Então tenho de dar crédito a ele por isso. Foi um processo muito exaustivo. Nós olhamos um monte de gente. Havia pessoas que eram favoritas do estúdio, e eu até as testei em tela. No fim, quando eu mostrei o Sam contra os favoritos deles, não tinha comparação.”

Após esse exaustivo processo de desenvolver as tecnologias para o filme (cerca de dois anos foram só nisso), em meados de 2007 a coisa toda já permitia o início das filmagens. E aí veio a parte aparentemente mais simples: filmar.

O cronograma original previa apenas 31 dias de fotografia principal para Avatar em Los Angeles, com a captura de movimentos dos atores para os personagens criados em computação gráfica, e outros 31 dias na Nova Zelândia, com filmagens em cenários reais.

Depois disso, o trabalho no filme voltaria a ficar bastante puxado. Afinal de contas, é só depois que a fotografia principal se encerra que os efeitos visuais começam a ser finalizados, o filme passa a ser editado e ganha sua forma final.

No caso específico de Avatar, essa etapa final representou muito, muito esforço – e ajuda a explicar por que foram precisos mais dois anos de pós-produção para finalmente levar o filme aos cinemas. Até mesmo Cameron admite, embora se recuse a definir o filme como uma obra de animação, que 60% de todo o conteúdo foi gerado por computador, restando apenas 40% de imagens “do mundo real”.

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A história

Para criar o enredo, o diretor se inspirou nas mais variadas fontes. De forma mais genérica, ele declarou: “Bem, minha inspiração foi cada um dos livros de ficção científica que eu li quando moleque. E alguns que não eram de ficção científica. Com certeza eu queria um filme que incluísse todos os meus interesses, de biologia a tecnologia e a ambientalismo – um grande conjunto de paixões”.

Ele confessa, entretanto, algumas referências mais focadas, especialmente nas obras de Edgar Rice Burroughs. Mais conhecido como o criador de Tarzan, Burroughs (1875-1950) também escreveu uma série de livros focados no aventureiro John Carter, um explorador de Marte. As duas criações provavelmente serviram de inspiração para Cameron.

De lá veio a vibe do filme, a sensação que ele deveria causar em seus espectadores. Mas Avatar está longe de ser uma obra com cara de início do século 20. A trama eleva a ficção científica futurista a um novo patamar de realismo, absorvendo muito do que a ciência de ponta descobriu sobre planetas fora do sistema solar, possibilidades de voo interestelar, controle de corpos a distância e tantas outras ideias que se encontram hoje no limiar do desenvolvimento científico.

O realismo também acaba corroborado pela sofisticação na criação do universo de Avatar. Trabalhando para valer no roteiro desde 2006, Cameron elaborou em minúcias todos os elementos tecnológicos, místicos e culturais abordados no filme. Nada que está na tela passa sem uma justificação de ser – até mesmo uma explicação para como montanhas podem flutuar em pleno ar na bizarra lua Pandora existe.

Para criar a linguagem dos Na’vi, os alienígenas do filme, Cameron trabalhou com Paul Frommer, linguista da Universidade do Sul da Califórnia. O vocabulário criado tem cerca de 1 000 palavras, das quais 30 foram inventadas pelo próprio diretor.

O filme combina essa camada de realismo fantástico com uma mensagem de viés ambientalista que soa bem aos ouvidos contemporâneos, personagens fascinantes, imagens espetaculares e uma grande habilidade na hora de contar a história. Com tudo isso na mesma panela, acaba não surpreendendo o fato de que a peça está quebrando todos os recordes de bilheteria.

A conta, por favor

A exemplo do que aconteceu com Titanic, o filme não ficou pronto na data esperada. Originalmente planejado para ser lançado durante o verão americano de 2009 (mais ou menos no meio do ano, época de férias escolares longas nos EUA e momento tido pela indústria como mais propício para o lançamento de blockbusters), acabou adiado para 18 de dezembro, às portas do Natal.

Dizem os executivos da Fox que o filme custou US$ 200 milhões, mais US$ 150 milhões de divulgação. É uma quantia expressiva (embora não marque recordes). Mas analistas independentes estimam que, na verdade, a produção teria estourado o orçamento, e só o filme teria custado uns US$ 300 milhões.

A esta altura do campeonato, tanto faz. Mundialmente, o filme arrecadou US$ 2,7 bilhão – deixando em segundo lugar Titanic, também idealizado, escrito e dirigido por Cameron. 

Com técnicas revolucionárias e incrível sofisticação tecnológica, Avatar cumpre a promessa de seu criador de mudar os rumos da história do cinema.

Da ideia à glória
Como foi gestado o filme mais complexo da história do cinema

1994
James Cameron escreve um esboço de 80 páginas descrevendo em detalhes a história e o ambiente de Avatar.

1997
O diretor lança, com atraso, Titanic, filme que viria a se tornar a maior bilheteria da história do cinema.

1999
O plano original era lançar Avatar nesta data, após Titanic, mas logo ficou claro que não havia tecnologia para realizá-lo.

2005
Motivado por personagens como Gollum, de O Senhor dos Anéis, Cameron vê a chance de ressuscitar o projeto.

2007
Após dois anos de pesquisa e desenvolvimento, são iniciadas as filmagens, divididas entre a Califórnia e a Nova Zelândia.

2009
O filme é lançado e se torna imediatamente sucesso de bilheteria. Ultrapassa a marca de US$ 1 bilhão em 17 dias.

 

 

Reeditando Titanic?

Par romântico de Avatar tem características similares às do filme anterior de Cameron

Até mesmo o diretor não pôde negar. Jake Sully e Neytiri lembram muito, em essência, Jack e Rose, personagens vividos por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet no arrebatador Titanic, de 1997.

Se não vejamos: ambos os casais são compostos de pessoas que vêm de culturas radicalmente diferentes, vivem uma relação proibida e são obrigados a escolher um lado entre dois grupos divergentes.

Em declarações divulgadas pela rede americana MTV, James Cameron reconhece o paralelo. “Ambos os casais se apaixonam, mas precisam lutar lado a lado, e então há aquela exigência de deixar a outra pessoa partir para fazer o que ela tem que fazer, o que é interessante.”

Mas Cameron também aponta diferenças. Para ele, Jake e Neytiri não se apaixonam de imediato, e há barreiras muito maiores entre eles num primeiro momento. Já no caso de Jack e Rose, a faísca da paixão teria sido praticamente instantânea.

Entretanto, os intérpretes do casal de Avatar, Sam Worthington e Zoë Saldana, não partilham da interpretação de Cameron. Para eles, seus personagens parecem se apaixonar um pelo outro desde a primeira vez que se encontram.

 

Choque e pavor no Vaticano

Passagens causam polêmica por suposto antiamericanismo e deturpação religiosa

Tirando os temas mais óbvios e genéricos – como a crítica pesada à devastação da natureza e os perigos da ganância humana -, Avatar também dá algumas cutucadas na política americana. A mais notável delas ocorre quando o chefe de segurança humano em Pandora comunica a sua tropa que pretende promover uma operação de “choque e pavor” (“shock and awe”).

A expressão militar é genérica e implica um esforço de rápida dominação do inimigo, em que as ações ofensivas são tão avassaladoras que ele não tem como reagir adequadamente. Mas ninguém consegue esquecer que esse também foi o termo usado pelo Exército americano para descrever sua operação de invasão do Iraque, em março de 2003.

Quem também viu ofensa, de forma até imaginativa, foi o Vaticano. Segundo críticas do filme publicadas pela imprensa ligada à sede da Igreja Católica, Avatar supostamente deturparia os valores religiosos, ao tentar substituir a adoração a Deus por uma veneração à natureza. Tudo porque os Na’vi vivem num mundo em que todas as formas de vida estão conectadas, e essas conexões acabaram ganhando uma consciência própria. Essa entidade, chamada de Eywa, ganhou status de divindade entre os nativos.

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