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Ele matou Plutão

Mas entre o dia da conversa e o da publicação o status de Brown mudou radicalmente: ele passou de descobridor a exterminador de planetas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 30 set 2006, 22h00

Salvador Nogueira

Quando agendamos esta entrevista com Mike Brown, acreditávamos estar prestes a conversar com o homem que expandia as fronteiras do sistema solar da mesma maneira que os navegadores fizeram com a Terra há 500 anos – uma espécie de Cristóvão Colombo do espaço. Mas entre o dia da conversa e o da publicação o status de Brown mudou radicalmente: ele passou de descobridor a exterminador de planetas.

Aos fatos: Brown apresentou à comunidade científica o 2003 UB313 (inicialmente apelidado de Xena e batizado como Eris às vésperas do fechamento desta edição), corpo celeste maior que Plutão. Diante da descoberta, a União Astronômica Internacional (IAU) teve de decidir: seria Xena o décimo planeta, ou Plutão é que deveria deixar de ser o nono? Em agosto, a IAU decidiu: Plutão não é mais um planeta. Com isso, Brown perdeu a chance de se alinhar com alguns dos astrônomos mais famosos da história e se tornar oficialmente um “descobridor de planeta”. Ao contrário do que possa parecer, ele não ficou muito sentido. De seu escritório na Califórnia, revelou que o Xena nem era a sua descoberta favorita. Há outras mais interessantes, que podem nos ajudar a entender a ainda misteriosa arquitetura do sistema solar.

O sistema solar tinha 11 planetas no começo do século. Então, em 1927, especialistas fixaram que eram 8 planetas. Depois, em 1930, Plutão foi descoberto e passamos a ter 9 planetas. Será que essa nova mudança de contagem é realmente um problema para a astronomia, como alguns pesquisadores estão dizendo?

Acho que não é, não. Não concordo com as pessoas que dizem, “oh, não podemos desistir de Plutão, porque as pessoas amam Plutão, elas o chamaram de planeta por muito tempo”. Veja o caso de Ceres. Nós chamamos Ceres de planeta por 50 anos. E as pessoas superaram isso. Então, sabe, hoje as crianças não se preocupam se Ceres é ou não um planeta. Não é um grande problema [descoberto em 1801, Ceres já foi chamado de planeta, asteróide e planeta anão. Sua classificação exata é, até hoje, motivo de discórdia entre cientistas].

O astrônomo Brian Marsden, da Universidade Harvard, costuma dizer que a razão pela qual as pessoas, sobretudo os americanos, se apegaram tanto a Plutão como planeta é que ele foi o único descoberto por um pesquisador americano. O que você acha disso?

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Eu acho que essa é uma idéia que não tem mais validade. Não creio que a maioria das pessoas hoje ligue para quem descobriu Plutão. Ele poderia ter sido descoberto em Madagascar, e as coisas seriam iguais. A maioria das pessoas não tem a menor idéia de quem descobriu Plutão.

Você desenvolveu alguma técnica de observação nova que lhe permitiu encontrar tantos objetos no espaço?

Nada. Basicamente, não há nada de novo na localização de corpos celestes desde que Clyde Tombaugh descobriu Plutão em 1930. É exatamente do mesmo jeito. A única diferença, e a única razão pela qual eu estou encontrando esses objetos e outras pessoas não, é que nós começamos há 7 anos uma pesquisa do céu inteiro. E finalmente chegamos a uma região que tem um monte de objetos.

Então a sua descoberta foi resultado de apontar o telescópio para o lugar certo no céu?

Sim, foi uma questão de olhar para o lugar correto. Mas, como não sabíamos onde o lugar certo era, foi basicamente uma questão de olhar o céu inteiro.

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Entre os corpos descobertos por você, qual é o mais interessante?

Ah, essa é uma pergunta legal de responder. Um dos objetos mais interessantes é o 2003 EL61 [apelidado provisoriamente por Brown e seus colegas de “Santa”, de “Santa Claus”, o Papai Noel americano, pelo fato de ter sido encontrado perto do Natal]. Ele é quase tão grande quanto Plutão, mas é oval – tem a forma de uma bola de futebol americano, ou de rúgbi. Ele gira em torno do próprio eixo em 4 horas, tem duas luas, que são dois pedaços de gelo. É um objeto bizarro, completamente diferente de tudo que chegamos a imaginar que pudesse existir.

E o que ainda estamos por descobrir? E se acharmos objetos com o tamanho de Marte, ou da Terra, como você mesmo previu que acontecerá, devemos chamá-los de planetas?

Essa é uma pergunta para a qual eu não tenho resposta. Se eu aceito que só temos 8 planetas, e todo o resto no cinturão de asteróides ou no cinturão de Kuiper eu chamo de “uma população”, então você poderia achar uma coisa do tamanho da Terra no cinturão de Kuiper e ainda assim dizer, “não, sinto muito, mas isto não é um planeta – é parte de uma população”. E, para a maioria das pessoas, essa situação pareceria absurda – como pode algo maior que a Terra não ser um planeta? –, mas ainda assim seria cientificamente consistente. Talvez nunca tenhamos de lidar com isso, talvez não achemos nada assim lá fora. Talvez encontremos em 5 anos. Eu não sei.

Por que é tão difícil descobrir objetos mesmo eles tendo o mesmo tamanho que Marte ou a Terra?

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Porque eles são pouco brilhantes. Se você colocasse Marte num lugar 400 vezes mais distante do Sol que a Terra, que seria um bom lugar para achar um objeto desses, ele seria absurdamente mais discreto que o Xena. Não é impossível de ver, mas é impossível fazer um rastreio do céu inteiro para procurar algo assim.

Você está empolgado com a New Horizons, missão da Nasa que vai a Plutão?

Eu na verdade estou mais empolgado agora do que estava antes. E isso é porque agora temos o Xena e o 2005 FY9 [apelidado de Coelho da Páscoa por ter sido encontrado perto desse feriado], e esses dois objetos são muito parecidos com Plutão. Plutão costumava ser aquele objeto estranho, não havia nada mais igual a ele no sistema solar, então a New Horizons iria nos ensinar muito sobre Plutão, mas nada sobre todo o resto. Agora, com a descoberta de corpos semelhantes a Plutão, temos a chance de aprender muito sobre uma classe inteira de objetos.

Considerando suas recentes descobertas, Plutão continua sendo o melhor alvo para uma missão espacial?

Sem dúvida. Plutão é o objeto desse tipo do cinturão de Kuiper mais próximo, e você sempre escolhe ir para o mais próximo – chega-se mais depressa, a missão tem mais energia solar ao chegar lá, a iluminação é melhor para obter imagens. Então, sim, Plutão está muito mais perto que esses outros objetos e é obviamente a primeira escolha.

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O que suas pesquisas ensinaram sobre o cinturão de Kuiper e a nuvem de Oort?

Do cinturão de Kuiper nós sabemos muito mais sobre objetos individuais que lá estão. Mas creio que a parte mais interessante da descoberta está em Oort, onde encontramos o Sedna [objeto descoberto em 2003, com órbita extremamente alongada, e que se afasta mais do Sol que qualquer outro corpo conhecido no sistema solar]. Detectar o primeiro objeto da nuvem de Oort nos conta muito sobre a história mais antiga do sistema solar. É claro que tendo só um objeto dessa região nós não conseguiremos aprender tanto quanto gostaríamos, e por isso estamos procurando mais objetos a 300, 400 UAs de distância [cada UA equivale à distância entre a Terra e o Sol]. Acho que Sedna é tão interessante por ser o primeiro representante da misteriosa nuvem de Oort. E isso é importante – vamos colecionar mais deles no futuro.

Há novas descobertas no horizonte?

A única resposta que posso dar, você me perguntando isso hoje, amanhã ou em uma semana, é “não”.

A despeito de elas existirem ou não?

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Exatamente. É assim que as coisas funcionam. Foi algo que eu aprendi com o presidente George W. Bush, sabe? Mesmo que você saiba de alguma coisa, pode ir à televisão e dizer outra completamente diferente, e tudo bem [risos].

Mike Brown

• É astrônomo do California Institute of Technology, o Caltech.

• Os corpos celestes que ele descobriu fizeram astrônomos redesenhar o sistema solar e tirar de Plutão o status de planeta.

• Cresceu ao redor de um centro da Nasa no Alabama, onde seu pai trabalhava desenvolvendo foguetes para missões na Lua.

• Seu esporte favorito é o futebol. Por falta de habilidade, joga como goleiro.

• Seu passatempo favorito? Descobrir o que seus homônimos fazem da vida.

Assalto no Sistema Solar

Descobridor de diversos “planetas anões” nos últimos anos, Mike Brown não está imune a controvérsias. A maior delas aconteceu em 2005, pouco antes do anúncio da localização do então apelidado “décimo planeta”. O corpo celeste envolvido, porém, era outro: o 2003 EL61. Brown e sua equipe começaram a monitorar esse objeto em maio de 2005 – e passaram os dois meses seguintes estudando-o em segredo. Até que, em julho, os pesquisadores foram surpreendidos por um grupo de espanhóis que anunciou a mesma “descoberta”. O problema é que, ao que tudo indica, os espanhóis encontraram o objeto não no céu, mas no banco de dados de Brown, onde teriam conseguido entrar por causa de uma falha no sistema.

“Sabemos que eles estiveram na nossa base de dados e em seguida anunciaram a descoberta”, conta Brown. O imbróglio obrigou o astrônomo americano a vir a público para anunciar que conhecia o 2003 EL61 havia dois meses e acabou precipitando o anúncio da descoberta do Xena – Brown temia ser passado para trás pelos espanhóis também em sua descoberta mais importante. Desnecessário dizer que o conflito entre os astrônomos europeus e a equipe do Caltech causou enorme barulho na comunidade científica. “Eles alegam que, primeiro, o descobriram e, no dia seguinte, viram que ele estava em nossa base de dados – embora eu ache isso meio conveniente demais”, diz Brown. “A verdade é que nunca saberemos o que aconteceu. Mas creio que o consenso hoje é o de que eles ‘roubaram’.”

Não é a primeira vez que planetas (ou “quase planetas”, como é o caso aqui) são objeto de disputa de paternidade entre astrônomos. O episódio mais famoso é do século 19, na descoberta de Netuno, primeiro planeta a ser previsto primeiro por métodos matemáticos. O britânico John Couch Adams calculou sua existência pouco antes do francês Urbain LeVerrier, mas não conseguiu convencer outros astrônomos a usar seus telescópios para encontrá-lo. Já LeVerrier persuadiu o Observatório de Berlim a fazer uma busca, o que o deixou mais credenciado para se dizer o descobridor do oitavo (e, ao menos por ora, último) planeta do sistema solar.

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