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Somos todos mutantes

Cada um de nós traz ao mundo, ao nascer, pelo menos 60 mutações novinhas em folha. Algumas não dão em nada, mas outras podem ser a prova de nossa constante evolução - e seleção natural

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 28 set 2014, 22h00

Marcela Donini

Sim, você é um mutante. Não adianta negar repetidas vezes e correr para o espelho em busca de algo errado em seu corpo. A verdade é que todo mundo carrega mutações no seu DNA. São variações em relação ao patrimônio genético dos seus pais, mas que nem sempre resultam em mudanças significativas. Um estudo de 2011 do Projeto 1000 Genomas – grupo internacional de cientistas – revelou que cada bebê vem ao mundo com cerca de 60 mutações novinhas em folha no seu genoma, o que sugere que seguimos evoluindo.

A mutação é um erro que surge na molécula de DNA quando ela é copiada para originar uma nova célula. Isso pode acontecer em uma célula da sua mão ou do seu pé, por exemplo, de modo que você não a passaria para o seu filho, explica o professor do Instituto de Biociências da USP Diogo Meyer. Essas cópias acontecem todo tempo, para repor tecidos, entre outros fins. “Esse erro pode matar a célula, não afetá-la em nada ou gerar um câncer”, diz. Mas é uma outra forma de mutação a responsável por variações que podem contribuir para a evolução da espécie. Ela se dá na formação de gametas, as células chamadas germinativas e que dão origem a novos seres, mais conhecidas como espermatozóide e óvulo.

Há superpoderes que hoje parecem bem mais prosaicos. Imagine o que aconteceu quando, pela primeira vez na história, um hominídeo, em vez de grunhir, falou. É bem provável que o sujeito tenha sido visto pelos outros como alguém com superpoderes – ou no mínimo muito esquisito. Hoje sabemos que o que ele tinha eram genes mutados que, em conjunto com outros processos evolutivos, o fizeram falar – e gerar descendentes que nunca mais fecharam a boca.

Além das mutações, o simples fato de juntar pedaços do gene do pai com o gene da mãe – a recombinação genética – gera novidades entre as espécies. No entanto, a mutação é a principal fonte de introdução de novas genéticas, e sua ocorrência é absolutamente aleatória. “É importante esclarecer que aleatório, neste caso, significa que o erro não é feito com o intuito de melhorar o organismo. Quando a cópia está acontecendo, não se sabe se será boa ou ruim, se vai afetar o braço, a perna ou a digestão”, explica Meyer. Embora alguns tipos de erros sejam mais prováveis que os os outros na molécula de DNA, em relação aos efeitos é impossível prever se as novidades originadas serão boas ou ruins.

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A verdade é que, diferentemente das garras do Wolverine ou do sentido de aranha de Peter Parker, é mais provável essas mutações sejam negativas – já que em time que está ganhando há milhões de anos não se mexe. É que as proteínas codificadas pelo gene já são resultado de muito tempo de aprimoramento – e seleção natural. Mas de vez em quando essa mutação pode ser uma boa naquele momento e naquele ambiente em que ela está acontecendo. Nesse caso, a seleção natural trata de perpetuar essa mudança. Mas Diogo Meyer alerta: “O efeito não é tudo ou nada. A mutação pode melhorar um traço e piorar outro”. Existe um gene, por exemplo, que protege seu proprietário da malária. Mas, em compensação, causa um tipo de anemia.

Se olharmos para trás, a lista de mudanças que melhoraram a espécie humana é grande – do contrário, provavelmente não estaríamos mais aqui. Muitos genes mutados são responsáveis por nos proteger naturalmente contra doenças. Aspectos biológicos fundamentais do Homo sapiens, desde a altura maior até sua capacidade inventiva, têm suas bases em mutações. O que a ciência não sabe afirmar é se todas essas características foram tão convenientes a ponto de terem sido favorecidas pela seleção natural ou foram casos de deriva genética, em que simplesmente um gene é o sorteado da vez para ser passado adiante. Um exemplo são os olhos azuis, que surgiram só há 10 mil anos. Segundo um estudo da Universidade de Copenhague, os olhos de Elizabeth Taylor, do Fábio Assunção e da sua colega gata vieram do mesmo ancestral, um sujeito que vivia na região do Mar Negro e que teve uma mutação genética. O tal acidente genético coincidiu com a migração agrícola para o norte da Europa, e acabou se espalhando por lá – ainda não se sabe por quê.

Uma das conclusões mais importantes sobre contribuição de uma variação genética para a evolução humana foi publicada em maio deste ano pelo Instituto de Pesquisa The Scripps, na Califórnia (EUA). Identificou-se a duplicação de um gene, surgida há cerca de 2,4 milhões de anos, que permitiu a neurônios adultos desenvolverem mais conexões em um cérebro maior, uma das características que separa o homem dos primatas. Ou seja, haveria um gene da inteligência.

O fim da evolução?

Se você se assustou com as prováveis 60 mutações exclusivas que carrega no seu organismo, faça um esforço e recorde as aulas de biologia na escola. Lembra dos nucleotídeos, as letras A, T, C e G que formam o gene? São 6 bilhões delas em cada célula do corpo, metade herdada do pai, e outra, da mãe. Neste cenário os 60 erros não parecem tantos assim, não é mesmo? Inclusive é menos do que se pensava antes, algum número entre 100 e 200. O que pode significar, para um dos autores do estudo, Philip Awadalla, da Universidade de Montreal, que estamos evoluindo mais lentamente do que se acreditava. Mas é uma tese polêmica. O biólogo da USP Danilo Vicensotto Bernardo discorda. A maioria das mutações presentes nos seres vivos acaba passando despercebida. Contudo, para causar algum dano, basta umazinha só. “O que vai contar pro papel de uma mutação na história evolutiva de um organismo é o que ela desempenha, e não o número de mutações”, afirma o especialista.

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A evolução não necessariamente favorece os mais fortes ou os mais espertos, mas os mais adaptados. Um exemplo clássico é o Homo floresiensis, ou hobbit – você pensou que o nome era uma exclusividade da saga Senhor dos Anéis? Agrupados na Ilha de Flores, na Indonésia, há 850 mil anos, viviam em um ambiente com escassez de comida – e a adaptação fez com que eles ficassem bem pequenos (mais ou menos um metro de altura). Se extinguiram há 12 mil anos, provavelmente depois da erupção de um vulcão.

Se os hobbits eram adaptados ao ambiente, o que dizer de hoje, quando a gente é que adapta o ambiente às nossas necessidades? Podemos fazer óculos para os míopes, aviões para longas distâncias, estufas para o frio intenso. Será que tornamos a evolução desnecessária?

Para Harvey Fineberg, presidente do Instituto de Medicina, nos Estados Unidos, e especialista em ética médica, esta é uma das hipóteses a serem consideradas se quisermos olhar para o futuro. Através da medicina, ele diz, conseguimos preservar vários genes que naturalmente poderiam ter sido removidos da população. Nós migramos, circulamos e nos misturamos tanto, que já não existe mais o isolamento necessário para que a evolução ocorra. “Hoje não estamos separados de ninguém por mais de dois dias de viagem. A tecnologia e a medicina conseguem driblar o processo evolutivo, embora ele siga existindo”, afirma o biólogo da USP.

Fineberg defende outra tese: a da neo-evolução. Hoje já podemos escolher o sexo do bebê que vai nascer. Segundo ele, estamos cada vez mais perto de eliminar as chances de uma nova criança desenvolver determinadas doenças congênitas. Essa novo formato de evolução aconteceria não mais pela mão do acaso, e, sim, por meio de modificações genéticas induzidas pelo homem. Convenhamos, uma hipótese que está longe de ser um consenso entre cientistas, religiosos e futuros papais e mamães.

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Independentemente da probabilidade de cada palpite, não somos capazes de impedir que novas mutações aconteçam, nem de prevê-las. Por isso, seguirá sendo possível cruzar com mutantes de toda sorte, como você, seu vizinho mais alto ou os homens-elásticos. E no futuro, quem sabe até super-homens com poderes que sequer conseguimos imaginar.

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