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Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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A moeda de US$ 1 trilhão

Harry Truman imprimiu uma nota de US$ 1 trilhão em 1945, com a foto dele estampada. E mandou para a França. A ideia do presidente dos EUA era ajudar na reconstrução da Europa, destruída pela 2ª Guerra. Truman enviou a cédula para lá de avião. Mas ela nunca chegou: o piloto fugiu com a nota. […]

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 dez 2016, 09h49 - Publicado em 15 jan 2013, 13h55

Harry Truman imprimiu uma nota de US$ 1 trilhão em 1945, com a foto dele estampada. E mandou para a França. A ideia do presidente dos EUA era ajudar na reconstrução da Europa, destruída pela 2ª Guerra. Truman enviou a cédula para lá de avião. Mas ela nunca chegou: o piloto fugiu com a nota. O nome desse piloto você conhece: Montgomery Burns. O futuro dono da usina nuclear de Springfield ficou com o trilhão para ele.

Até agora, a ideia de uma nota de US$ 1 trilhão era só isso mesmo: uma piada de um episódio dos Simpsons (o 20º da 9ª temporada). Mas as coisas mudaram de figura. Bastante gente tem dito, a sério, que uma nota de US$ 1 trilhão pode ser o caminho para a reconstrução dos EUA, cujas contas públicas estão destruídas pela crise econômica global. No caso, não é exatamente uma nota. E sim uma moeda. Mas vamos começar essa história pelo começo.

O caso lá é o seguinte: como qualquer governo do mundo, o dos EUA levanta dinheiro para pagar as obras do estado, os gastos militares e o champanhe da Casa Branca emitindo títulos públicos. Títulos públicos são “vales dinheiro”: você paga US$ 1.000 por um vale de US$ 1.100. O governo embolsa seus US$ 1.000 e fica com a obrigação de te pagar US$ 1.100 lá na frente, dali a três anos, por exemplo, na “data de vencimento” do título. Como o governo arruma o dinheiro para pagar? Com os impostos que recebe o tempo todo. Mas às vezes essa grana não dá conta de pagar tudo o que estado deve. O que eles fazem, então? Emitem títulos novos – geralmente pagando um pouco mais de juros. Tipo pagar o cartão de crédito com o cheque especial. E a dívida vai engordando.

Mas tem um limite aí. E nos EUA esse limite é definido por lei: o total da dívida não pode passar de US$ 16,4 trilhões. Um belo limite: isso dá um quarto do PIB mundial – e um pouco mais do que 100% do PIB dos EUA. Mesmo assim, eles estão com a corda no pescoço. É tanta dívida que periga chegar março e estourarem esse teto. Mas, como você leu aqui, isso não é uma hipótese. A lei é clara: não pode estourar. Batendo em US$ 16,4 tri, o governo não pode emitir títulos novos. Nem isso nem imprimir dinheiro para pagar as dívidas. Nos EUA, cada nota nova que eles imprimem conta como dívida; então dá na mesma. E a única saída é dar calote. Mas quem dá calote no mercado internacional paga caro – o Brasil deu em 1987 e passou décadas tendo de pagar juros de cartão de crédito para arranjar dólar emprestado. Para os EUA, naturalmente, o calote também não é uma hipótese.

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O que eles fazem, então? Geralmente mudam a lei aos 45 do segundo tempo. Aumentam o teto da dívida e seja o que Deus quiser. Só que para a mudar a lei você precisa do Congresso. E os deputados republicanos estão ameaçando não aprovar o aumento do teto. A bomba do calote, afinal, explodiria no colo do Obama, o que do ponto de vista deles não é de todo mal. Política é política em qualquer canto…

Até que alguém se lembrou de uma lei esdrúxula: uma que permite ao governo americano cunhar moedas de platina de qualquer valor, sem que esse valor “conte como dívida”, igual acontece com as notas. A lei existe para que o estado possa fazer moedas comemorativas. Algo 100% banal. Mas, como a lei diz qualquer valor, temos uma brecha aí: Obama poderia cunhar uma moeda de US$ 1 trilhão e depositar na conta do governo. Ele ganharia o direito de imprimir mais US$ 1 trilhão para ir pagando o que deve. Do nada.

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A coisa faz tanto sentido que alguns economistas de primeira linha, como Paul Krugman, ganhador do Nobel, apoiaram a ideia da moeda de platina. Até que no dia 13 de janeiro o Fed (Banco Central deles) e o Tesouro Nacional, as duas grandes autoridades monetárias do país, disseram que não, não iriam dar suporte a uma manobra dessas. Não aceitariam a moeda de US$ 1 trilhão como dinheiro, e fim de papo. Mas nem precisava. Só um deputado democrata falou a sério sobre a moeda de platina.

O caminho, na real, será o de sempre: um lado do congresso chantageia e o outro cede. Os republicanos fazem suas exigências, como a aprovação de certas leis, e os democratas cedem para evitar o calote. Tudo bem, então, certo?

Claro que não: o problema é que essa história de teto da dívida não nasceu para fomentar barganhas políticas. Ele é um instrumento de autocontrole. Um sinal de alerta para que o estado entenda que está chegando a uma situação limite. E para que tome providências – diminuindo os próprios gastos, por exemplo. Mas o teto da dívida virou moeda de troca entre os parlamentares. No ano 2000, por exemplo, ele era de US$ 5,5 trilhões. Em 2010, depois de vários aumentos aprovados pelo Congresso, já estava em US$ 13 tri. Em 2011, US$ 14 tri. Agora, quase 17 tri. E vai subir, sem dúvida.

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Na prática, é como se o governo já tivesse cunhado não uma, mas várias moedas de US$ 1 trilhão. O momento, de fato, é propício: o estado precisa gastar para fomentar a economia, para criar empregos. Só isso pode tirar o país (e, de quebra, o resto do mundo) da crise. Mas aumentar o teto da dívida loucamente é o mesmo que fabricar dinheiro novo, já que permite ao governo fazer isso. E quando tem dinheiro demais circulando, o resultado é um só: inflação.

Os EUA só tiveram quatro anos de inflação acima de 10% em sua história. Foi no final dos anos 70. O Brasil, para você ter uma ideia, experimentou inflação de dois dígitos em todos os anos entre 1953 e 1994. Se a torneira de dólares novos continuar jorrando, os EUA podem começar a viver uma história que a gente conhece bem por aqui, cheia de medidas malucas para controlar a inflação, tipo instituir um “dólar novo” ou uma RUV (Real Units of Value – uma versão gringa das nossas Unidades Reais de Valor). Daria um bom episódio dos Simpsons…

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Para piorar, não é só lá que iria doer. Pro resto do mundo, um dólar corroído pela inflação seria uma catástrofe. Só tem uma coisa: picuinhas políticas à parte, hoje é melhor os EUA (e o resto do mundo) correrem o perigo de uma inflação do dólar. Sem isso, o futuro pode ser ainda mais sombrio e caótico. Um South Park, praticamente.

Mas esse é assunto para o próximo post.

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