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Por Maria Clara Rossini
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Mylène Berbert-Born decifra o passado estudando a geologia das cavernas

A #MulherCientista desta semana percorre cavernas pela América do Sul coletando fósseis e lendo a Pré-História nas formações rochosas que a cercam.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 16 ago 2022, 13h19 - Publicado em 8 mar 2021, 19h14

A #MulherCientista de hoje é um caso de paixão acesa na escola. Quando Mylène Berbert-Born estava no ensino médio, um professor de geografia levou sua turma para explorar uma caverna. Ela se lembra do cheiro forte de gás acetileno que alimentava as lanternas de carbureto nos capacetes. Já se passou um bom tempo desde que essa iluminação raiz foi substituída por LED, mas aquela chama ainda representa a ignição de Mylène no mundo da espeleologia, ciência que estuda as cavernas.

Mylène é geóloga pela Universidade de Brasília e trabalha como pesquisadora no Museu de Ciências da Terra do Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM). Ela já mapeou cavernas na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, encontrou fósseis em cavernas na Colômbia, presenciou a morte de uma colega numa caverna de Goiás e ela mesma quase não consegue sair de uma caverna da Bahia. Sempre leva consigo uma mochila lotada de amostras, fósseis e acontecimentos incomuns.

As expedições envolvem rastejar por locais estreitos, descer e subir paredes fazendo rapel e enfrentar correntezas subterrâneas flutuando em câmaras de pneu, sem saber o que está por vir. Tudo isso para reconhecer o local, retratá-lo em desenhos e coletar amostras daquele submundo.

Parece um comercial do Discovery Channel, e foi justamente o ingrediente aventureiro do trabalho de campo que atraiu Mylène para a área. “Quando eu era pequena, já gostava de me esconder em guarda-roupas e cantinhos confinados. Hoje, sou dominada por um mau humor insuportável quando passo muito tempo longe das cavernas.”

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As cavernas guardam evidências do passado por toda parte: nas exóticas formas minerais que ornamentam as paredes, nos sedimentos acumulados, nos contornos geométricos modelados pela água, e também em materiais biológicos acumulados, que são chaves importantes para entender a evolução de espécies no passado e a ecologia no presente.

Assim como os espaços mínimos que normalmente existem nas rochas, as cavernas também são consideradas porosidades, só que de dimensões muito maiores. “Quando eu estou dentro de uma caverna, é como se eu abrisse uma janela e visse pessoalmente a rocha por dentro, aumentando a perspectiva daquele poro”, diz Berbert-Born.  

Esses poros gigantes podem se estender por redes quilométricas totalmente interconectadas. Um exemplo é a Toca da Boa Vista, uma caverna labiríntica de 115 km situada na Bahia – e considerada atualmente a maior caverna da América do Sul. 

O nascimento de uma estalactite. 

Nas paredes das cavernas, rochas como calcários, dolomitos e mármores são constituídas predominantemente por minerais como o carbonato de cálcio (CaCO3). E o carbonato se dissolve quando entra em contato com soluções levemente ácidas – como chuva, que vem repleta de ácido carbônico (H2CO3). Não esquente a cabeça com os nomes e fórmulas. O que é importa é entender a ideia geral: a água é ligeiramente ácida e dissolve um pouquinho de rocha.

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Agora, mantenha isso em mente e imagine a seguinte cena: uma chuva que caiu lá na superfície penetra pelo solo e emerge em uma fissura no teto de uma caverna. Começa uma goteira. E cada gota carrega consigo um pouquinho de carbonato de cálcio.

Se a gota pende do teto por um fio, com o tempo a água evapora e o carbonato de cálcio que estava diluído nela pode se fixar novamente, formando um minúsculo pedacinho de rocha. Ao longo de milhares de anos, conforme muitas gotas vão ficando penduradas nessa extremidade da rocha – ou então pingam sobre o piso – e evaporam, a estrutura de carbonato de cálcio cresce. O crescimento pode acontecer de cima pra baixo, de baixo pra cima e para todos os lados, dependendo da trajetória da gota. Esse é o processo básico de formação dos espeleotemas – as famosas e pontiagudas estalactites (no teto, apontando para baixo) e estalagmites (no chão, apontando para cima).  

Além de renderem lindas fotos de viagem, essas formações são um registro extremamente detalhado da história geológica da região em que se localizam. Cada “fatia” ao longo do comprimento de uma estalagmite é oriunda de uma porçãozinha de água que se acumulou em um dia diferente, de uma época diferente. Por causa disso, cada fatia tem proporções diferentes dos chamados isótopos

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Isótopos são átomos relativos ao mesmo elemento da tabela periódica, mas que têm massas diferentes. Isso é possível porque o núcleo do átomo é formado por dois tipos de partículas: os prótons e os nêutrons. O número de prótons define o elemento daquele átomo. Por exemplo: todo oxigênio tem oito prótons obrigatoriamente; se tivesse sete, seria um nitrogênio. A quantidade de nêutrons, por outro lado, pode variar. O oxigênio-16 possui oito nêutrons, enquanto o oxigênio-18 tem dez. Assim, o oxigênio-18 é mais pesado que o 16, porque tem duas partículas a mais. 

A proporção entre os isótopos do oxigênio, do carbono e de outros átomos que aparecem em um dado ambiente ou material, como a água da chuva, é chamada de razão isotópica. Cada coisa e lugar no mundo têm uma razão isotópica característica – que varia conforme distância do oceano, altitude, temperatura etc. Um lugar chuvoso e um lugar seco, um lugar frio e um lugar quente apresentarão átomos de pesos diferentes em porcentagens diferentes.

Os geólogos observam essa proporção para verificar como estava o clima no período em que uma determinada camadinha da estalagmite se formou. Esse tipo de pesquisa não é feita somente em cavernas, mas também em rochas do fundo do mar, nos sedimentos acumulados no fundo de lagos e até nas várias camadas de gelo que recobrem os polos. 

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A grande diferença é a resolução temporal das estalagmites. Outros tipos de rocha demoram bem mais para se formar. Por isso, mesmo uma camada bem fina desses materiais só consegue retratar um grande período de tempo, tornando invisíveis as variações mais sutis que podem ter acontecido no passado. Já a estalagmite, formada gota a gota, permite leituras extremamente precisas, com margens de erro de apenas dezenas de anos para boas amostras.  

Outro aspecto que faz das cavernas ambientes particularmente promissores para pesquisas ambientais e paleoclimáticas é o seu relativo confinamento. Isso favorece a conservação dos registros e as torna um verdadeiro paraíso para quem estuda fósseis, porque esses ossos mineralizados ficam protegidos das intempéries da superfície. Em uma expedição binacional realizada em 2020 na Colômbia, Mylène e seus parceiros recolheram aproximadamente 250 fósseis em uma única caverna. 

Resquícios de seres vivos do passado só podem ser coletados por especialistas formalmente autorizados. O material deve ser obrigatoriamente remetido a uma instituição de pesquisa. Nos levantamentos paleontológicos que Mylène realiza no Brasil, os fósseis encontrados geralmente são depositados no Museu de Ciências da Terra (MCTer), no Rio de Janeiro. Uma vez catalogados na coleção do museu, eles ficam à disposição para pesquisas.

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No Serviço Geológico do Brasil, a pesquisadora vem se dedicando ao inventário das cavernas mais relevantes do ponto de vista científico, educativo e turístico, que deverão ser reconhecidas como patrimônio geológico brasileiro e devidamente conservadas – algo essencial para entender a pré-história geológica e climática do País.

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