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2045: o ano em que os computadores assumirão o poder

Um computador vai escrever o melhor romance de todos os tempos em um segundo, resolver o maior mistério da ciência em um décimo de segundo e descobrir o sentido da vida, do universo e tudo o mais em menos tempo do que você leva para terminar este parágrafo.

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 4 fev 2013, 22h00

Um computador vai escrever o melhor romance de todos os tempos em um segundo, resolver o maior mistério da ciência em um décimo de segundo e descobrir o sentido da vida, do universo e tudo o mais em menos tempo do que você leva para terminar este parágrafo. Muitos de nós provavelmente estarão vivos quando esse dia chegar. O problema é saber como será o dia seguinte… É o que vamos ver agora. Bem-vindo à verdadeira Matrix.

Já faz 15 anos que o Deep Blue, um supercomputador da IBM, bateu Garry Kasparov, o grande trunfo do xadrez do time da humanidade. Na época, houve quem desse pouco crédito à inteligência daquela máquina pelo fato de o jogo ser altamente matemático – ciência para a qual os computadores têm aptidão mais do que natural.

Na prática, não haveria uma grande “inteligência” ali. Só uma calculadora grande. Os computadores, então, poderiam até ser geniais, mas nunca saberiam “pensar como um humano”. Hoje essa visão não faz mais sentido. O Watson, outro supercomputador da IBM, conseguiu vencer em 2011 os dois melhores jogadores humanos no Jeopardy, um game show da TV americana. Trata-se de um jogo de perguntas e respostas que exige dos participantes uma baita habilidade com linguagem. São questões do tipo “Esse objeto, mesmo quando quebra, está certo duas vezes por dia. Qual é o objeto?”. “Um relógio”, respondeu Watson, com a mesma rapidez com que uma calculadora dá um resultado. E foi assim com outras dezenas de perguntas nessa linha. “Isso não aconteceu, note bem, porque algum cientista colocou aquela informação do jeito certo”, diz o americano Ray Kurzweil, um dos mais célebres especialistas em inteligência artificial . De fato. Tudo o que Watson fez antes de participar do jogo foi ler milhares de livros e enciclopédias – inclusive a Wikipedia, embora ele não estivesse conectado à internet na hora de responder as perguntas. Tinha de ser tudo “de cabeça” mesmo. Admirável. E o bastante para dizer que Watson está para o Deep Blue como um cachorrinho está para uma formiga. Trata-se de uma inteligência infinitamente superior – ainda que não chegue aos pés da humana.

Mas para alguns especialistas essa nossa vantagem não deve durar mais tanto tempo. É o caso de Kurzweil. Para ele, os chips devem nos ultrapassar até a metade do século. É quando toparemos com o que ele e outros cientistas chamam de “singularidade tecnológica”. Vamos ver o que é isso.

Na física, “singularidade” é o que acontece no interior de um buraco negro. Um buraco negro se forma quando uma estrela implode e começa a ser destruída pela própria gravidade. Chega uma hora em que não sobra mais estrela. Só gravidade. Na verdade, um pontinho no espaço onde a gravidade tende ao infinito. Esse pontinho é o que os físicos chamam de “singularidade”. Com o passar do tempo, a singularidade vai sugando tudo o que tem à sua volta. A massa e a energia dos objetos que ela engole deixa o buraco negro “mais forte”. O poder de sucção dele aumenta, ele engole mais coisas, fica mais forte… Em suma: o crescimento do buraco negro acontece numa espiral infinita. Com a “singularidade tecnológica” seria a mesma coisa. Uma máquina mais inteligente que a humanidade criaria ela mesma máquinas ainda mais sofisticadas, sem precisar de programadores humanos. A inteligência artificial cresceria por conta própria, igual o poder de sucção dos buracos negros. Esse processo tenderia ao infinito, com máquinas dando à luz máquinas incríveis que depois criam máquinas ainda mais fantásticas. E nós ficaríamos só assistindo.

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Isso é só uma possibilidade teórica. Mas talvez estejamos dando agora mesmo os primeiros passos para chegar a essa realidade. E por um motivo simples: construímos máquinas cada vez mais à imagem e semelhança do nosso cérebro. A inteligência humana foi produzida pela seleção natural. Ao longo da evolução, nossa cabeça cresceu para lidar com desafios que nossos corpos não teriam como vencer – tente correr de um leão na savana africana para ter uma referência mais completa do que estamos falando.

A sobrevivência dos seres humanos dependeu basicamente do desenvolvimento da capacidade de criar extensões dos nossos corpos – ferramentas – e ao mesmo tempo ter a chance de nos especializarmos no uso delas. Podemos, portanto, resumir o cérebro humano em duas qualidades básicas: capacidade de processamento (para imaginar a ferramenta certa) e plasticidade (para se adaptar ao uso da tal ferramenta).

Primeiro vamos falar da capacidade de processamento. Qual é o desempenho computacional dos nossos miolos? Pesquisadores da IBM fizeram essa conta e estimam que o cérebro é capaz de atingir 36,8 petaflops – ou 36,8 quatrilhões de operações por segundo. Isso equivale a mais ou menos 1 milhão de PCs trabalhando em conjunto.

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Coordenar o trabalho de tantos chips ainda é algo impossível com a tecnologia de hoje. Mas os supercomputadores têm avançado um bocado. Em 2012, o Sequoia, da IBM, conseguiu atingir 16,32 petaflops – quase metade da capacidade humana. Ainda assim, ele não faz nada tão incrível quanto nós fazemos – coisas como pensar que estamos vivos. Por quê? Para responder a essa pergunta, entra a segunda qualidade básica da sua cabeça: a plasticidade.

Seu cérebro é altamente maleável, adaptável. Conforme o sistema nervoso vai se desenvolvendo, diversas regiões cerebrais vão assumindo diferentes responsabilidades. Sabe-se, por exemplo, que há áreas determinadas para o processamento da linguagem. Também há partes específicas do cérebro que controlam partes diferentes do corpo, como os pés e as mãos.

Mas o melhor de tudo é que dá para adaptar o cérebro conforme o uso. É a plasticidade que permite, por exemplo, que um sujeito se torne um grande pianista. As áreas do cérebro referentes às mãos se expandem enormemente em quem treina piano durante muitos anos. “Nosso cérebro é um sistema projetado para aprender, para se moldar na interação com o ambiente”, diz o psicólogo Steven Pinker, de Harvard, um dos maiores especialistas no funcionamento da massa cinzenta. Os melhores cérebros eletrônicos de hoje funcionam basicamente assim. Ou seja: eles conseguem aprender. “As técnicas que evoluíram no campo da inteligência artificial são similares às tecnicas que o cérebro usa”, diz Kurzweil. “E isso não aconteceu porque esse campo de pesquisa estava copiando o cérebro”. Ou seja: foi uma feliz coincidência. Uma coincidência que permitiu máquinas como o Watson, capazes de aprender por conta própria quando leem um livro – que nem você.

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Conforme a plasticidade dos cérebros eletrônicos aumente, é possível que uma hora eles fiquem tão complexos quanto o cérebro que você carrega. Kurzweil, que é o maior arauto dessa tese, estima que as máquinas chegarão a uma inteligência equivalente à humana em 2029. Sim, exatamente 2029. Ele chegou a esse número com base em projeções matemáticas sobre a evolução da capacidade de processamento. Claro que a previsão é polêmica – para muitos pesquisadores, cravar o ano em que algo tão imprevisível e insólito deve surgir é loucura. Ponto. Seja como for, pelas contas de Kurzweil, a singularidade propriamente dita começará em 2045, quando um único computador será mais inteligente que a humanidade inteira.

Uma máquina com tamanho poder seria tão fascinante quanto perigosa. Por um lado, ela seria capaz de coordenar e executar todas as atividades hoje atribuídas a nós, como escrever um grande romance ou unificar numa só teoria a física quântica (que rege o universo subatômico) e a relatividade (que dita as ordens no mundo das coisas grandes) – algo que Einstein morreu tentando fazer. Tudo isso em questão de segundos. Lindo. Por outro lado, qual é o nível de respeito que uma máquina assim teria pela gente? Estamos falando de um “sujeito” para quem um Einstein ou um Dostoievski são só cachorrinhos – e nós, formigas. A gente não dá muito valor à habilidade intelectual de uma formiga, certo? Isso dá a noção exata do tamanho do perigo. Estamos criando uma possível “forma de vida” ultrapoderosa que pode ou não compartilhar nossos valores éticos e morais. Para discutir essas implicações, aliás, Kurzweil criou um projeto ambicioso: a Singularity University, no Vale do Silício. Trata-se de uma entidade fundada em 2008 que oferece cursos de pós-graduação focados em “montar, educar e inspirar um grupo de líderes”. A esses líderes caberá “guiar o desenvolvimento” dessa superinteligência artificial que estaria por vir. A esperança por trás da iniciativa é que essas máquinas já nasçam “cultivando” valores como democracia, liberdade de expressão… Em suma, fazer com que elas, mesmo sendo vastamente mais poderosas que nós, tenham “bom senso” suficiente para não nos destruir. “As pessoas dizem: `Ei: isso não soa como uma estratégia infalível'”, diz Kurzweil. “E não é mesmo. Mas é o melhor que podemos fazer.”

UPLOAD DE CONSCIÊNCIAS
Se você não pode vencê-los, junte-se a eles. Esse ditado vai fazer mais sentido do que nunca num mundo com máquinas bilhões de vezes mais inteligentes do que nós: juntar-se a elas pode ser o futuro da humanidade. “Um dia poderemos descarregar nossas lembranças num computador e preservá-las”, diz outro especialista em sistemas inteligentes: o brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha no desenvolvimento de próteses capazes de conversar com cérebros humanos – e de funcionar como se fossem braços ou pernas normais. Esse “descarregamento”, em tese, pode significar o upload da sua consciência para dentro de uma máquina. A mente continuaria viva após a morte do corpo. E acabaria deitada eternamente no berço esplêndido de um simulador de realidade… Não deixa de ser uma forma de alcançar a vida eterna.

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Bom, provavelmente caberá à máquina decidir se você vai saber que vive numa simulação. Ela pode achar que é melhor você não saber de nada, e ir tocando a vida achando que tem um corpo, que respira, que vai morrer um dia… Se for assim, inclusive, a singularidade pode já ter acontecido. E nós estaríamos vivendo agora mesmo numa ilusão, numa “Matrix”. Essa hipótese, ao menos filosoficamente, não tem como ser refutada, já que não dá para imaginar o que uma inteligência superior é realmente capaz de fazer. Ou de já ter feito.

Para saber mais
How to Create a Mind
Ray Kurzweil, Penguin, 2012.

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