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A evolução? Acabou

Para o inglês Steve Jones, a lógica de Darwin não se aplica mais aos seres humanos e chegamos ao ponto mais alto da genética

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 30 nov 2008, 22h00

Você já deve ter se perguntado como seremos no futuro. Nosso cérebro vai crescer? O apêndice vai sumir? Teremos uma vida melhor? O cientista britânico Steve Jones dá uma dica: deixe de lado as especulações e se olhe no espelho. Você verá a imagem da humanidade em pleno auge. É isso mesmo: finalmente chegamos ao nosso limite biológico. “A evolução acabou”, diz ele. “As coisas simplesmente pararam de melhorar ou piorar para a nossa espécie. Se você está preocupado sobre como será a utopia, relaxe. Já está vivendo nela.” Segundo Jones, o Homo sapiens sapiens praticamente pulou fora da arena da seleção natural e não vai mais sofrer mudanças drásticas. Graças ao nosso estilo de vida, conseguimos sobreviver e nos reproduzir sem depender das diferenças herdadas para enfrentar o frio, a fome e as doenças. Mesmo as pessoas que morrem por essas causas costumam estar velhas demais para que a máquina de Charles Darwin se interesse por elas. No entanto, ele avisa que a evolução não tirou férias no mundo inteiro. Na África e em locais muito vulneráveis a epidemias, ela continua funcionando a todo vapor. Steve Jones é chefe do Departamento de Genética da University College em Londres e conversou com a SUPER por telefone.

Por que a evolução acabou?

Primeiro precisamos entender o que é evolução. Charles Darwin a definiu em 3 palavras: “descendência com modificação”. Descendência se refere à informação passada de uma geração à outra. E modificação significa que essa informação não é perfeita. Se isso acontecer em muitas gerações, as diferenças vão se consolidar e a evolução vai acontecer. Assim, parte da evolução é um acúmulo de erros durante longos períodos de tempo. Mas Darwin tinha uma segunda idéia sobre evolução: a seleção natural, que influi nas diferenças herdadas na capacidade de se reproduzir. Se você possui um gene que torna maiores as suas chances de sobreviver, encontrar um parceiro e ter filhos – em comparação com os que não possuem esse gene –, ele se tornará mais comum, vai se espalhar entre a população e, com o tempo, novas formas de vida vão aparecer. Portanto, a seleção natural tem a ver com diferenças herdadas e com a capacidade de copiar genes. Nos últimos séculos, porém, essas diferenças se reduziram drasticamente entre os humanos – daí a evolução ter parado ou ficado mais lenta.

De que maneira essas diferenças se reduziram?

Nos dois principais quesitos que a evolução exige: sobrevivência e reprodução. Na época de Shakespeare [século 17], 2 em cada 3 pessoas morriam na Inglaterra antes de chegar aos 21 anos. Muitas delas morriam porque tinham genes que as tornavam mais suscetíveis a certas doenças. Hoje, 99 em 100 chegam aos 21 anos. Isso se deve aos avanços na saúde pública e na medicina, entre outros fatores, mas o importante é que todas sobrevivem. Mas sobreviver não basta: para que a evolução aconteça, as pessoas também precisam encontrar um parceiro e se reproduzir. Quanto mais filhos tiverem, melhor. As mulheres são limitadas nesse quesito, mas os homens não. Toda vez que um homem faz sexo, ele produz esperma suficiente para fertilizar todas as mulheres da Europa, por exemplo. E é também nesse quesito que houve uma mudança drástica em relação ao passado: já não há tanta diferença no número de filhos que cada pessoa tem como antigamente.

Por que isso é importante?

Se todo mundo tivesse 16 filhos, não haveria seleção natural. E, se todos tivessem um filho, tampouco haveria seleção natural. Ela só pode existir se algumas pessoas tiverem 16 filhos e outras tiverem nenhum. Ou seja, se essa diferença for grande. Mohammed Bin Laden, pai de Osama, teve 22 mulheres e 53 filhos. Ora, se um homem tem 22 mulheres, outros 21 homens não terão nenhuma. Assim, na sociedade de Mohammed Bin Laden houve uma enorme diferença no número de filhos das pessoas: algumas tiveram muitos, outras poucos, outras nenhum. Mas casos assim são cada vez mais raros, salvo em regiões como o Oriente Médio. Em geral, poucas pessoas não têm filhos, algumas têm 1, outras 2, pouquíssimas têm 5. Praticamente nenhuma tem 22! Portanto, já não há mais diferenças na sobrevivência nem no sucesso reprodutivo das pessoas. Com isso, não há matéria-prima para evolução.

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Mas não existe a possibilidade de mutações genéticas devido à radiação, por exemplo?

A mutação é uma parte secundária do meu argumento, mas é real. Ninguém nega que a radiação e os químicos fazem isso, mas os efeitos são muito pequenos. A principal fonte de mutações não são os reatores nucleares, e sim os homens que os constroem. Isso ficou evidente após a 2ª Guerra Mundial, quando os americanos mandaram uma equipe de geneticistas a Hiroshima para analisar as pessoas expostas à bomba nuclear. Anos depois, eles retornaram esperando encontrar muitos erros genéticos – mutações – nos filhos das pessoas expostas à bomba. Mas encontraram apenas 28 mutações. Dessas, 25 vinham do pai, não da mãe. Foi a pista de que a principal causa de mutação está no homem, não na mulher.

Por quê?

As mulheres produzem os seus óvulos antes de nascer. Isso significa que há apenas 24 divisões celulares entre o óvulo que fez a mulher e o óvulo que ela libera. Já os homens produzem esperma o tempo todo, inclusive agora ao ler esta revista. Em um homem de 28 anos [idade média de reprodução na Europa], ocorrem cerca de 300 divisões entre o esperma que fez esse homem e o que ele passa adiante. E em cada divisão dessas existe chance de mutação. Por isso, há mais mutações em homens do que em mulheres. E há muito mais mutações nos homens que têm filhos em idade avançada. Em um pai de 65 anos, ocorrem 2 mil divisões entre o esperma que o fez e o esperma que ele passa adiante. E também nesse ponto houve uma enorme mudança: antigamente, os homens continuavam tendo filhos enquanto podiam. Hoje, ocorre o contrário. Começamos a ter filhos mais tarde, mas paramos mais cedo. A maioria das pessoas deixa de ter filhos aos 30 e tantos anos. Resultado: como o número de pais mais velhos diminuiu, o número de mutações também diminuiu.

De que forma a globalização influi na mudança?

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O isolamento é outro ingrediente da evolução. Populações isoladas tendem a se diferenciar umas das outras. No entanto, hoje a população mundial é densa e em constante movimento. Não precisamos mais casar com o rapaz ou a garota da porta ao lado. Podemos pegar um avião e encontrar nosso par a quilômetros de distância. As pessoas fazem sexo com gente de qualquer lugar do mundo, e com isso o planeta está se tornando um único continente genético.

Para alguns de seus críticos, essa mistura genética é a própria evolução acontecendo agora.

Em certa medida, isso de fato é evolução. Mas não é o tipo de evolução na qual as pessoas geralmente pensam – em que uma população evolui para se adaptar às condições climáticas de lugares diferentes, por exemplo. Foi esse tipo de evolução que levou à existência de pessoas negras na África e brancas na Europa. Isso nunca mais vai acontecer, porque as pessoas estão se movendo muito de um lugar a outro. Esse movimento não leva a diferenças, ao contrário, estamos todos cada vez mais parecidos.

Quer dizer que não há mais diferenças entre fracos e fortes? Todo mundo é apto?

Bem, todos morrem no final. O importante é que, embora muitos morram por motivos relacionados aos genes – como diabetes e câncer –, eles morrem quando já estão velhos. Se você morre depois de ter filhos, isso é totalmente irrelevante para a evolução.

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O fim da evolução significa o fim da eugenia, a idéia de que é possível melhorar uma raça?

Depende do que você quer dizer com eugenia. O termo significa “ser bem-nascido”. Coisas terríveis foram feitas em nome do movimento eugenista, que começou exatamente aqui em meu departamento [Francis Galton, que dá nome ao laboratório de Steve Jones, foi quem inventou a palavra “eugenia”]. Milhares de pessoas morreram em campos de concentração em nome dessa idéia, e não nego isso nem por um instante. Hoje, no entanto, quando você pode escolher entre ter um bebê que sofrerá muito com uma doença severa – e morrerá cedo – e outro que será uma criança feliz, creio que vai escolher o segundo. Isso é eugenia, é “nascer bem”. E também não posso negar esse fato.

Parar de evoluir é algo ruim?

As palavras “bom” e “ruim” não significam nada para a ciência. O que podemos dizer é que a evolução acabou no mundo industrializado, e por enquanto. Acredito que na América do Sul as condições que descrevi sejam similares às da Europa, mas na África é diferente: lá ainda existe mortalidade maciça em função de problemas como o HIV. Além disso, pode ser que a evolução volte a operar no mundo dentro de 20 ou 100 anos. Digamos que uma epidemia mate milhões de pessoas. Algumas terão genes para resistir a ela, outras não. Estas últimas vão morrer, as primeiras vão sobreviver – e a evolução vai começar de novo. Ou seja, essa etapa com certeza não é para sempre. Mas espero que seja por muito tempo.

Temos de nos adaptar ao mundo ou o mundo a nós?

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Em certa medida, tivemos que nos adaptar ao mundo. Somos apenas mais um animal. Mas agora o mundo precisa se adaptar a nós. Se você olhar ao redor do globo, verá que na verdade todos vivem nos trópicos. Mesmo no Alasca ou na Sibéria, as pessoas usam roupas quentes e calefação. Nós levamos nosso ambiente aonde vamos, e assim o mundo tem que se adaptar a nós. Mas não creio que ele esteja fazendo isso muito bem. O aquecimento global é um sinal disso e, se a situação piorar, teremos que nos adaptar ao mundo de novo. Descobriremos que nossa capacidade de fazer o mundo trabalhar para nós depende muito de nossa capacidade de trabalhar para ele.

 

O ser humano, essa obra-prima

Mudanças sociais e avanços na saúde pública estão nos protegendo da evolução, pelo menos por enquanto. Entenda os principais argumentos de Steve Jones
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A SELEÇÃO NATURAL

No passado, os humanos dependiam de diferenças herdadas para suportar frio, fome e doenças. Isso mudou. Antes algumas pessoas tinham muitos filhos e outras não tinham nenhum. Hoje, todo mundo tem mais ou menos o mesmo número de filhos. Assim, quase todos passam pelas provas de sobrevivência e reprodução da mesma maneira.

PAIS JOVENS

Hoje os homens começam a ter filhos tarde, mas param cedo. Essa mudança repercute na genética: num pai de 28 anos, ocorrem cerca de 300 divisões no esperma; já num pai de 50 ocorrem mais de 1 000 divisões. E, cada vez que ocorre uma divisão celular, existe a possibilidade de uma mutação. Em pais mais novos, as chances de mutação diminuem.

POPULAÇÕES MISTURADAS

Séculos atrás, as pessoas permaneciam a vida toda perto do lugar onde nasciam. Hoje, ninguém precisa casar ou fazer sexo apenas com quem mora ao lado. A população humana está em constante movimento. Assim, grupos pequenos e isolados são cada vez mais raros . O mundo está se transformando num único continente genético.

 

Steve Jones

• Tem 64 anos e nasceu no País de Gales.

• É um dos maiores especialistas do mundo em caracóis. Para analisar as diferenças nas conchas, ele coletou centenas de milhares de espécimes na Europa.

• Recebe todo dia e-mails indignados com sua teoria sobre o fim da evolução. Ele costuma ler, mas dá de ombros: “Em geral, são bastante chatos”.

• Quando não trabalha no laboratório, gosta de ir para sua casa na França e escrever livros.

• Não tem comida nem música favorita. “Meu hobby é fazer ciência”, afirma.

 

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