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A evolução do morcego: ele voa na ponta dos dedos

A evolução deste mamífero transformou em asas o que antes eram mãos. Os dedos se alongaram e, entre eles, uma pele muito fina se formou. Agora é assim. Para alçar vôo, basta abrir bem os braços e depois bater palmas.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 30 jun 1994, 22h00

Charada: o que o Batman e os verdadeiros morcegos têm realmente em comum? Muita gente talvez saiba que os morcegos são mamíferos, como o herói da história em quadrinhos, mas a semelhança mais importante é bem menos conhecida. É que tanto o Batman como os seus inspiradores têm mãos quase iguais. Os dedos têm a mesma forma, são cinco em cada mão e ficam na mesma posição.

Entre todos os mamíferos, porém, os morcegos são os únicos que voam. E fazem isso com os dedos. Incrivelmente longos, os dedos ganharam uma cobertura de pele que se estica a partir do corpo e das pernas do animal. A explicação para a semelhança é que a ordem dos primatas (à qual pertence o ser humano) é muito próxima na história da evolução animal à dos quirópteros (nome dado à ordem dos morcegos e que significa “mão alada”). Na conformação da mão que vira asa, o único dedo que fica de fora é o polegar, tão curto que quase não se vê. Ele é o único dedo que tem unha, e geralmente é usada para coçar.

Algo parecido aconteceu durante a evolução dos pássaros, segundo o professor de Zoologia dos vertebrados da Universidade de Campinas (Unicamp), Ivan Sazyma. Mas, diferentemente dos pássaros, a habilidade de voar não é adquirida com rapidez. O morcego jovem não é ágil como o adulto.

O problema é que as asas demoram até atingir o tamanho final — por isso, o bicho apanha muito no aprendizado. A primeira tentativa de voar acontece perto da quarta semana de vida. Mas é uma espécie de pastelão aéreo. Desengonçados, os jovens logo se cansam e despencam no chão — e a comédia vira tragédia. Os aprendizes de vôo, ainda sem brevê, são presas boas e fáceis para gambás, cobras e coiotes. Com isso, a maioria não passa nem do primeiro ano de vida. Os sobreviventes, porém, só vão morrer 10 anos depois.

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Há mesmo algumas espécies que alcançam os 30 anos — uma longevidade impressionante para um animal tão pequeno. Em algumas espécies, incluída a maioria das que se alimentam de insetos, os morcegos mais jovens possuem apenas 20% da capacidade das asas dos adultos. Segundo os pesquisadores americanos Rick Adams e Scott Pedersen —— que escrevem sobre o assunto na revista americana Natural History —, esse é um dado intrigante. Na idade de quatro semanas o corpo do pequeno morcego já alcança 60% do tamanho de um adulto. É essa desproporção (apenas 20% de asas para 60% de corpo) que deixa os mais novos numa situação precária.

“Não é incomum observar pequenos morcegos com um jeito de fracassados, voltando a pé para seu poleiro, depois de uma tentativa frustrada de voar”, contam os dois cientistas. Suas asas só alcançam o tamanho máximo depois de um mês e meio de vida. Elas são formadas por finas e flexíveis membranas, irrigadas de sangue por capilares; são extremamente elásticas e têm uma grande capacidade de cicatrização. Sem isso, um simples ferimento deixaria os animais incapacitados para caçar.

Bons caçadores, eles têm olhos bem abertos. Ao contrário da crença popular, os morcegos não são cegos. Todas as espécies enxergam muito bem. A maior parte delas ainda conta com a ajuda de um sonar, ou ecolocalização. Sons emitidos pelo morcego se refletem em obstáculos: o eco é captado pelo animal que, assim, identifica com mais rapidez o que está a sua volta.

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As asas demoram para se formar, mas começam a ser fabricadas antes do nascimento. Ao se concentrarem no crescimento desses mamíferos voadores, Adams e Pedersen encontraram novas informações em uma área que não tinha sido ainda bem estudada: “Nós estamos interessados em descobrir o que transforma um embrião comum de mamífero em um acrobata voador”.

Para observar as várias fases e as diferenças na estrutura anatômica dos embriões, eles usaram certos produtos químicos coloridos, que migram para determinados tecidos do organismo e “tingem” as partes internas do corpo. Com isso, obtiveram uma espécie de radiografia do embrião. O azul, por exemplo, combina-se com o açúcar presente nas cartilagens, enquanto o vermelho adere ao cálcio dos ossos. Depois de colorir um embrião morto, limpam o que não foi tingido, usando uma enzima que digere a maior parte do que sobrou de pele, músculos e tecidos.

Nos mamíferos, a maioria dos elementos do esqueleto surgem como modelos em cartilagem, ou precursores da estrutura óssea adulta. À medida que o animal se desenvolve, a cartilagem vai absorvendo sais de cálcio e se transformando lentamente em ossos cada vez maiores, até um ponto em que pára de crescer.

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Na maioria dos morcegos, a gestação dura de 50 a 60 dias. Mas já dá para ver desenvolvimentos significativos no esqueleto apenas 35 dias depois da fertilização. Nesse estágio, o modelo cartilaginoso do esqueleto está formado. Por isso mesmo, é possível ver claramente as mãos cartilaginosas com o modelo de cada dedo. A mão tem um terço do tamanho da cabeça, proporção normal na maioria dos mamíferos com a mesma idade. Até aí, nada indica que o embrião vai se transformar em um animal voador.

Somente quando se aproxima dos quarenta dias de gestação é que o feto começa a virar morcego. A partir de então, os dedos crescem a uma velocidade que ultrapassa a do resto do corpo, indicando pela primeira vez a futura formação das asas. Ao fim do segundo mês, os pés já estão quase totalmente desenvolvidos, inclusive com pequenas garras; elas servirão para que o recém-nascido se prenda no pêlo da mãe.

Ainda antes de desmamar, os pequenos morcegos já têm dentes e asas com tamanho suficiente para começar a caçar insetos, voando. Uma semana depois do primeiro vôo, a dieta muda completamente para moscas, besouros e mariposas. Seus dentes já podem mastigar.

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O problema é mesmo aprender a voar. As asas crescem em tamanho e conformação toda vez que o animalzinho tenta voar, modificando constantemente sua performance. É como se alguém alterasse toda hora a potência e tamanho de um carro enquanto você estivesse aprendendo a dirigir. Sem dúvida, seria difícil evitar um desastre.

A coisa é ainda mais grave quando se sabe que os jovens morcegos precisam de uma grande quantidade de insetos para alimentar um coração que ultrapassa os 1100 batimentos por minuto, durante um vôo.

Apesar de toda a precariedade para desenvolver a habilidade de voar, mais de 900 espécies de morcegos se reproduzem em todo o planeta, o equiva-lente a cerca de 25% de todas as espécies de mamíferos existentes. Batman pode ser um só, mas os bichos de quem ele copiou o visual são incontáveis. E se o herói aprendeu a se esgueirar pela noite na ponta dos edifícios, eles ganharam os céus noturnos na ponta dos dedos.

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Para saber mais:

Vida noturna (SUPER número 3, ano 3)

Precioso líquido (SUPER número 11, ano 3)

Urubu. O novo patinho feio (SUPER número 6, ano 10)

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