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A grande Família dos Elefantes

Durante trezes anos, duas cientistas viram de perto como vivem os maiores animais terrestres e fizeram uma descoberta: pelos laços sociais que mantêm, são parecidos com o homem.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 31 dez 1989, 22h00

Gordo, orelhas grandes, nariz alongado e dentuço. Se fosse homem seria um homem muito estranho. Como se trata do elefante, a comparação faz mais sentido do que se imagina. Afinal, o maior ser vivo terrestre parece ter muito em comum com os humanos, como descobriram as zoólogas americanas Cynthia Moss e Joyce Poole, após treze anos observando grupos desses paquidermes no Parque Nacional de Amboseli, ao pé do monte Kilimanjaro, no Quênia, África Oriental. A maior novidade, revelada no livro Elephant Memories (Memórias de Elefante, ainda não publicado no Brasil), é que esses robustos animais possuem uma rede de vínculos sociais muito mais complexa, por exemplo, que a de outros mamíferos superiores, como os chimpanzés e os gorilas.

Da mesma forma que nas sociedades humanas, a família ocupa o lugar central na vida dos elefantes. Ou ocupava — antes que o extermínio em massa provocado pelo comércio de presas, afinal proibido, desarticulasse por falta de indivíduos a organização social da espécie. Uma família de paquidermes se compõe de dez a trinta espécimes, dirigidos por uma velha e experiente elefanta, obedecida igualmente por todos — com exceção dos machos adultos —, desde os filhotes até as mães, tias e outras avós na casa dos sessenta anos, idade em que começam a perder definitivamente os dentes, para morrer em seguida. Mesmo quando uma fêmea velha perde o posto de chefe de manada, para outra mais jovem, não perde o respeito e as atenções da família, que Ihe reconhece a experiência.

Boas avós, aproveitam a aposentadoria para cuidar ativamente dos netos menores. Elas não são as únicas nesta tarefa. Na verdade, as mães em fase de amamentação e os bebês-elefante, que as seguem por toda a parte, recebem proteção e cuidados especiais dos outros membros da família, incluindo outras mães. Fora desses estreitos laços familiares, uma manada de fêmeas e filhotes marchando em fila também mantém contato com outras manadas em busca de comida. Se a vegetação for abundante após a época das chuvas, nos meses de janeiro e fevereiro, mais de cem animais podem se reunir de madrugada ou no fim da tarde para pastar em grupo — num único dia um deles é capaz de comer até 225 quilos de vegetação, ou seja, algo como 0,03 de seu peso; para um homem de 70 quilos, isso equivaleria a ingerir diariamente pouco mais de 2 quilos de comida. Outra missão coletiva é afugentar inimigos, como é o caso dos leões. Se alguma cria for atacada, as fêmeas, não importando sua relação familiar com a vítima ou sua posição hierárquica dentro da manada defenderão com toda força o filhote. Apesar dos mais de 100 quilos de um elefante recém-nascido, a preocupação com sua fragilidade não é um exagero de mães corujas.

De certa forma como o homem, que nasce despreparado para sobreviver sozinho após nove meses de gestação, os bebês-jumbo vêm ao mundo precisando ser cuidadosamente liberados do ventre da mãe pelas trombas das tias, que trabalham como excelentes parteiras, antes de se tornarem babás. Depois de 22 meses de gestação, os filhotes aprendem a colocar-se sobre as patas, ainda cambaleantes, e a deslocar-se junto com a manada logo no primeiro dia de existência. Em compensação, não sabem mamar corretamente. Inexperientes, podem confundir a mãe com uma tia que não dispõe de leite, um erro habitual que explica a elevada taxa de mortalidade entre crias menores de dois anos. Ainda que a alimentação do filhote seja completada com matéria vegetal a partir dos três ou quatro meses, o leite materno é fundamental para seu desenvolvimento. Ao nascer, um macho pesa apenas 2 por cento do seu peso de adulto, que pode chegar a 7 toneladas (a altura alcançará 4 metros, até o lombo). Já as fêmeas mais volumosas chegam a 3,6 toneladas e 3,5 metros.

Mesmo entre os elefantes um pouco mais velhos a amamentação pode representar a diferença entre a vida e a morte na época da seca, quando o alimento e a água escasseiam.

O período em que o leite materno está disponível dura normalmente três anos e termina quando a mãe dá à luz um novo bebê. Mas a falta de alimento obviamente torna o leite menos nutritivo e abundante. Cynthia e Joyce, as pesquisadoras americanas, observaram que os filhotes machos consomem mais alimentos que as fêmeas e continuam a buscar com insistência as tetas da mãe até os oito anos de idade. Assim, nos tempos de seca, embora privilegiados pelas mães, os machos sofrem mais com a falta de leite. Daí porque apenas metade deles chega à idade adulta. A expectativa de vida das fêmeas, ao contrário, é maior: só um terço morre antes dos doze anos. Não só nisso os elefantes machos manifestam um comportamento bem diferente. Na sociedade paquiderme existe uma separação estrita dos sexos: não há machos que liderem manadas mistas.

Os jovens permanecem no circuito familiar um máximo de doze anos, idade em que abandonam a manada para viver solitários quase todo o ano ou entrar para a sua versão de clube do Bolinha, onde quem manda é o elefante maior ou mais forte. Durante a juventude, os machos não contam para nada na hierarquia social e até os 25 anos não representam ameaça ao poder dos maiores. A partir dos 30 anos, quando começam a competir pelas fêmeas, tornam-se violentos, a ponto de serem temidos por outros mais velhos. Nessa idade, ocorre o fenômeno conhecido como musth, provocado pelo aumento do hormônio sexual testosterona no organismo, que excita o animal, tornando-o agressivo por um período de aproximadamente três meses.

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Essa mudança temporária de comportamento só havia sido documentada antes entre os elefantes asiáticos, uma espécie diferente, de porte menor, que habita a península indiana e o Sudeste asiático, onde são ao mesmo tempo santificados e utilizados como animais de carga. Em seu livro, Cynthia descreve uma daquelas lutas por fêmeas: “Dionysius, um magnífico exemplar de 5,5 toneladas de peso, não temia nenhum adversário até que se encontrou com Iain. Lutaram quase oito horas no extremo de um bosque de acácias, enquanto o resto da manada os observava. Finalmente, Dionysius caiu ao solo. Havia perdido, ainda que, dessa vez, conservasse a vida.” Em ambas as espécies, o macho vencedor da batalha passa a investir em seguida contra a fêmea, que é acossada, encurralada e montada sucessivamente. Em três ou quatro dias, o trombudo Dom Juan perde o interesse pela fêmea e deixa o campo livre a outros candidatos. Ao se aproximarem da manada masculina, as fêmeas são atraídas pelos perfumes afrodisíacos produzidos pelos machos nos momentos de excitação sexual.

Glândulas situadas na altura das têmporas segregam essa substância odorífera. Muito sociáveis e comunicativos, os elefantes também têm uma vida amorosa apaixonante fora do período de acasalamento. É comum vê-los se apalpando e se acariciando com a tromba. Revestida por grande número de condutos nervosos, esta se caracteriza pela forte sensibilidade. Algumas vezes eles a introduzem ousadamente na boca do outro, fazendo lembrar beijos ardorosos do cinema. Em outras ocasiões, um elefante furioso pode utilizá-la para golpear o solo ameaçadoramente numa situação de conflito. Na verdade, a tromba de um elefante é como uma ferramenta de múltiplos usos, equivalente, guardadas as devidas proporções, à mão humana. Valendo-se dela, os paquidermes podem arrancar com grande facilidade ervas e rochas e transportar ou deslocar enormes troncos de madeira. Mas o elefante não nasce sabendo do que sua tromba é capaz. O elefante jovem muitas vezes limita-se a conservá-la na boca, como um bebê chupando o dedo. Para realizar tarefas mais complicadas como animal de tração, são precisos pelo menos vinte anos de treino com domesticadores especializados.

A tromba é imprescindível para beber. O elefante, verdadeira caixa-d’água ambulante, pode sugar de uma só vez até vinte litros de água, que ficam armazenados em seu estômago como reserva para ser esguichada sobre a cabeça e assim resfriar seu cérebro sensível durante as longas caminhadas sob o sol. Graças a este recurso, esses animais conseguem suportar as longas estiagens da savana africana, embora tenham poucas glândulas sudoríparas na pele, cuja espessura não é tão grande quanto o volume do corpo que recobre. Depois da tromba, as orelhas são as partes mais comunicativas dos paquidermes. A tal ponto que se pode dizer que os elefantes falam pelas orelhas.

Na espécie africana, cada uma pode medir até dois metros quadrados de área, constituindo um dos sistemas de percepção mais sensíveis entre todos os seres vivos: distinguem e analisam as diferentes expressões sonoras de seus semelhantes como se formassem uma verdadeira linguagem. Ajustáveis em diversas posições, também servem como um perfeito sistema de sinalização, parecido com as bandeirolas utilizadas para orientar as manobras dos aviões em aeroportos. Assim, o bater de orelhas contra a cabeça pode significar ou uma saudação, quando duas famílias amigas se reencontram, ou um simples chamado da fêmea para suas crias. Quando dois machos se preparam para a luta, abrem ao máximo as orelhas a fim de se apresentarem maiores aos olhos do inimigo.

As orelhas dos elefantes são também inconfundíveis documentos de identificação. Não apenas possuem formas individuais, mas apresentam, com o decorrer das longas vidas dos bichos, marcas especiais como cavidades e riscas. Esta característica permitiu às investigadoras americanas saber quem era quem na vastidão dos 200 quilômetros quadrados do Parque Nacional de Amboseli. “Cada orelha é como uma impressão digital humana. O que fizemos foi fotografar cada uma dessas “impressões” para classificar e estudar depois os animais”, conta Cynthia Moss. Ela e sua companheira só não conseguiram encontrar os lendários cemitérios de elefantes, descritos pelos nativos da região.

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A conclusão das pesquisadoras é que tais cemitérios não existem, embora seja verdade que os elefantes se retiram para morrer solitários em um lugar onde esperam obter água e abrigo sem muito esforço. “O que esses colossos parecem ter é um pressentimento da morte”, explica Joyce Poole. Quando uma manada encontra um colega sem vida, todos param, inspecionam cuidadosamente com suas trombas o corpo imóvel — como para determinar sua identidade — e o cobrem com terra e folhagens. Os elefantes que acabam de perder um parente direto seguem a manada à distância durante alguns dias. É sua maneira peculiar de manifestar publicamente o luto pela perda de um ente querido.

 

 

 

Para saber mais:

Um santuário para os rinocerontes

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(SUPER número 5, ano 3)

O parque de Noé

(SUPER número 11, ano 10)

 

 

 

 

Presas fáceis

Dez anos atrás, 1,3 milhão de elefantes pisavam o solo da África. Hoje existem talvez 625 mil. Os números falam por si: nesse ritmo a espécie desaparecerá inteiramente no tempo recorde de dez anos. E nunca antes a sobrevivência da espécie dependeu menos da adaptação ao meio natural do que das decisões de homens engravatados instalados a vários milhares de quilômetros das savanas africanas. De fato, em outubro último, delegados de uma centena de nações reuniram-se em Lausanne, na Suíça, para tentar salvar os elefantes. Eles representavam os países que assinaram a Convenção Internacional sobre Comércio de Espécies em Extinção (CITES, na sigla em inglês), de 1986 que regula o comércio do marfim, obtido das presas de elefantes, além de outros produtos de animais em extinção.

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A vítima mais próxima, em mais de um sentido, é o rinoceronte, abatido por causa do seu chifre (SUPERINTERESSANTE, número 5, ano 3). Segundo a versão anterior do acordo, os elefantes podiam ser livremente comercializados dentro de cotas estabelecidas pelos países que possuem manadas. Agora, 76 votos declararam a espécie em extinção, não podendo mais ser caçada, na mesma condição de gorilas e pandas. A decisão ganhou o apoio mundial para acabar com o mercado do marfim, que movimenta anualmente 1 bilhão de dólares, o equivalente, por exemplo, ao valor da produção brasileira de suco de laranja.

Entretanto, países africanos como Zimbábue, Burundi e Moçambique, que sustentam suas economias com o marfim, negam-se a respeitar o acordo. Calcula-se que, apenas durante a semana dos debates na Suíça, cerca de mil elefantes foram mortos naqueles países por caçadores mercenários. A fascinação pelo marfim faz parte da história humana há mais de 5 mil anos. Pentes e utensílios dessa modalidade de osso foram encontrados em antigas tumbas egípcias. Acredita-se que o rei hebreu Salomão pode ter se sentado em um trono de marfim.

Neste século, o marfim tornou-se uma matéria-prima industrial. Na década de 20, por exemplo, milhares de elefantes foram mortos para atender à demanda dos Estados Unidos de 60 mil bolas de bilhar, além de incontáveis teclas de pianos. Hong Kong, o maior mercado do mundo, importou 3 900 toneladas de marfim na última década, o que representou a morte de mais de 400 mil elefantes. Na verdade, se a regulamentação agora pretendida perder a batalha para a beleza meramente decorativa de uma estatueta, a derradeira esperança dos elefantes poderá ser o consumidor. Afinal, depende de cada um comparar o enfeite à terrível imagem dos animais com as presas arrancadas, e tomar a decisão certa.

 

 

 

 

Que bicho é esse?

Tamanho e peso são algumas das mais evidentes características dos elefantes, que podem ser de duas espécies: Loxodonta africana, encontrada ao sul do deserto do Saara, e Elephas maximus, nativa da península indiana e do Sudeste asiático, ambas da família Elephantidae, ordem Proboscidea. O elefante africano é maior, com até 7 toneladas e 4 metros contra um máximo de 5 toneladas e 3 metros de seu distante primo asiático. Sua figura também é facilmente reconhecida pelo inconfundível nariz alongado — a tromba —, pernas em forma de coluna, cinco dedos nas patas, orelhas grandes (especialmente a variedade africana) e cabeça ainda maior. Em geral. os elefantes são cinza ou marrom, com pêlos esparsos e presas, estas ausentes apenas nas fêmeas da espécie indiana. Os mamutes, uma espécie de elefante de pêlos avermelhados e longas presas, foram uma variedade pré-histórica de 2,5 milhões de anos, semelhante à dos elefantes de hoje, apenas adaptada ao clima frio do hemisfério norte. O elefante que se conhece hoje já podia ser encontrado cerca de 20 milhões de anos atrás.

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