A Super está sob nova direção. Mas nada mudou.
Nossa missão continua a mesma: despir a ciência de sua aura de mistério inacessível, porque ela é o oposto disso.
Carta ao leitor da edição 462, de abril de 2024.
Nos últimos duzentos anos, descobrimos que terremotos são continentes inteiros deslizando alguns metros aqui e acolá, que humanos e as bactérias na esponja da pia compartilham um mesmo avô ancestral e que partículas subatômicas podem atravessar paredes por tunelamento quântico.
Descobrimos que a gravidade faz o tempo passar mais devagar e permite, em tese, viajar para o futuro. Descobrimos que, na órbita dos trilhões de trilhões de estrelas do Universo observável, há planetas como o nosso, que podem até abrigar seres vivos como nós.
Dá para passar páginas listando conclusões contraintuitivas desse tipo. Mesmo assim, o naturalista Thomas Huxley, amigo de Darwin, escreveu certa vez que “a ciência é só o senso comum organizado e treinado, e difere dele apenas no sentido em que um veterano difere de um recruta”. O que ele quis dizer? O que há de tão comum em tudo isso?
Huxley não se referia à ciência como uma lista de fatos curiosos sobre a natureza, e sim como o que ela realmente é: um método. Um passo a passo para seguir quando precisamos entender alguma coisa. O método científico, de maneira muito resumida, consiste em fazer uma pergunta, levantar uma hipótese para respondê-la e então fazer um experimento ou observação para testar essa hipótese. Se você estiver certo, ótimo. Se não estiver, você levanta uma nova hipótese e começa de novo.
Nada poderia ser mais senso comum do que isso. Toda criança age como cientista: ela vê um vaso com terra, prevê que a terra tem gosto de chocolate porque é marrom, come a terra e então… Ops, hora de bolar uma nova hipótese. Os bebês são os recrutas de Huxley. Eles têm curiosidade e põem a mão na massa para obter as respostas – só lhes falta experiência para formular perguntas e sistematizar a coleta de dados.
O objetivo da Super é despir a ciência de sua aura de mistério inacessível, porque ela é o oposto disso. Cientistas são pessoas que testam, observam e cutucam a natureza, de novo e de novo. Esse processo nos deu vacinas, remédios, GPS, touchscreen, viagens à Lua…
Assumo a direção da revista após trabalhar sete anos sob a batuta do camarada-mestre Alexandre Versignassi. Ele é o redator mais hábil que já conheci na tarefa de fazer a ciência parecer senso comum. Seus textos tornam a Relatividade uma sequência de conclusões tão óbvia quanto o gosto da terra para o bebê; fazem o leitor sentir que ele mesmo seria capaz de pensar o que Einstein pensou.
O Versi deixou a casa arrumada: legou uma equipe de ases do ofício. Temos o mestre Jedi Bruno Garattoni, com mais anos de Super do que eu tenho de carreira, a capitã do navio do design Juliana Krauss, o trio de repórteres (e parceiros da vida) Bruno Carbinatto, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia, as talentosíssimas designers Caroline Aranha, Cristielle Luise e Luana Pillmann e três estagiários que entregam que nem gente grande: Camila Leite na arte e Caio Cesar Pereira e Leonardo Caparroz no texto.
Trabalhar nessa revista é uma das raras realidades que são melhores que o sonho: encontrei aqui um grupo de pessoas com quem é um privilégio e uma alegria conviver. Obrigado, leitor, por confiar em nós desde 1987. Nosso fascínio pelo senso comum continua.
Bruno Almeida Vaiano
Editor-chefe
bruno.vaiano@abril.com.br