A típica garoa paulistana ajudou na extinção de mamíferos da Era do Gelo
Aumento da umidade média do planeta e garoa constante ao final da última era glacial transformaram os pastos de animais como os mamutes em mata fechada
São Paulo já foi a terra da garoa um dia – hoje, a industrialização, o trânsito, a destruição da área verde e a canalização de rios tornaram o clima da cidade instável e um pouco menos artístico.
Sorte de mamíferos como os mamutes lanudos e preguiças-gigantes, que curtem invernos secos. Os protagonistas do filme A Era do Gelo, revela uma pesquisa publicada ontem na Nature, foram extintos há cerca de 15 mil anos justamente porque o clima, na época, ficou úmido demais – e uma chuvinha fina e constante, velha conhecida de São Paulo e Londres, transformou a vegetação rasteira de lugares como Sibéria, Europa e as regiões mais frias das Américas do Sul e do Norte.
O pleistoceno – nome técnico da época geológica que começou há 2,58 milhões de anos e durou até um pouco antes da ascenção das primeiras civilizações, há 11,7 mil anos atrás – é fascinante para biólogos e paleontólogos. Andavam por aí versões grandes e peludas dos mamíferos atuais, como os rinocerontes lanudos e os auroques, antepassados selvagens das vacas contemporâneas.
O clima frio e inóspito de lugares como o norte da Rússia e do Canadá permitiu a preservação de centenas de fósseis e esqueletos desses animais, que hoje estão expostos em museus de história natural mundo afora (em Copenhagen, na Dinamarca, você pode ver um auroque, mas se sua praia for o mamute, vale uma visita à região de Abruzzo, na Itália).
Não há consenso sobre o que levou à extinção esse grupo de animais, que ficou conhecido de forma genérica pelo termo “megafauna”. A ação humana tem alguma culpa no cartório, mas cientistas também suspeitam do fim do último período de glaciação (que durou entre 110 mil e 13 mil anos atrás), quando as temperaturas médias do planeta e o nível dos oceanos aumentaram.
O novo artigo, liderado por Timothy Rabanus-Wallace, da Universidade de Adelaide, na Austrália, reforça a segunda hipótese. Na época, afirmam os pesquisadores, ecossistemas de vegetação rasteira, similares aos pampas gaúchos ou ao cerrado, cobriam mais de um terço da superfície terrestre.
Gramíneas, em geral, não ligam para o tempo seco, e vivem em harmonia com herbívoros comilões – que distribuem nutrientes pelas longas planícies. Vegetais típicos de regiões de mata fechada, por outro lado, costumam ter mecanismos de defesa eficientes, e não acham nada engraçado quando viram almoço de elefante. Assim, o desenvolvimento de uma vegetação mais rica em ambientes úmidos dificultou a vida de animais muito grandes, e o mais provável é que chuvas constantes e de pouca intensidade tenham sido responsáveis por essa transição.
Outro argumento forte a favor da hipótese é que ela ajuda a explicar porque muitos desses animais deixaram descendentes (como rinocerontes e hipopótamos contemporâneos) apenas na África. O continente está localizado bem em cima da linha do Equador – o que significa que, mesmo após o aumento da umidade e do calor, o cinturão de florestas da região central continuou cercado por savanas muito extensas, adequadas a mamíferos peso-pesado.
Essa proposta combina com a teoria mais aceita hoje, que afirma que animais africanos pré-históricos ainda estão vivos porque tiveram a oportunidade de assistir ao desenvolvimento do ser humano em seu berço. Com a convivência, veio o medo de caçadores e uma tendência maior a buscar proteção na presença humana – um instinto que os mamíferos das Américas, que conheceram nossa espécie já desenvolvida, não tiveram oportunidade de criar.