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Astrônomo projeta telescópio que usa a Terra como uma lente gigante

"Terrascópio" se aproveita do efeito refrator da atmosfera para ampliar os objetos celestes – um telescópio de solo equivalente custaria US$ 35 bilhões.

Por A. J. Oliveira
Atualizado em 15 ago 2019, 15h19 - Publicado em 15 ago 2019, 15h18

Uma crise silenciosa ameaça o futuro da pesquisa astronômica. É que, para manter o extraordinário progresso que as últimas décadas trouxeram ao entendimento do Universo, os astrônomos precisam enxergar melhor e mais longe. E não tem jeito: isso implica na construção de telescópios cada vez maiores e mais sofisticados. Mas a complexidade e o preço estratosférico desses projetos colocam em xeque sua viabilidade.

Só uma Nasa da vida tem orçamento grande o bastante para pagar US$ 10 bilhões pela construção do magnífico telescópio espacial James Webb, que deve suceder o Hubble em 2021 com seu espelho de 6,5 metros de diâmetro (o do Hubble mede 2,4 m). Não sem muitos atrasos no cronograma, é claro. Mesmo a próxima geração de telescópios de solo (isto, localizados na superfície da Terra, e não em órbita) está enfrentando terríveis desafios para obter financiamento e tocar as obras em dia.

Tanto o Telescópio Gigante de Magalhães (GMT), que terá espelho de 30 metros, quanto o Telescópio Extremamente Grande (ELT), cujo diâmetro será de 39 metros, vão custar mais de US$ 1 bilhão. Ambos estão em construção no deserto do Atacama, no Chile. Ou seja: para a astrofísica seguir avançando, será preciso usar a criatividade e projetar instrumentos que sejam potentes sem serem tão caros. É o que promete uma pesquisa recente.

Em um artigo aceito para publicação no periódico Publications of the Astronomical Society of the Pacific e com manuscrito disponível no banco arXiv, o astrônomo David Kipping, da Universidade de Columbia, em Nova York, descreve um conceito inovador para realizar observações do Universo. O plano é usar a atmosfera terrestre como uma lente gigante capaz de ampliar corpos celestes localizados a centenas, milhares, milhões ou até bilhões de anos-luz daqui.

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Já que o custo de construir lentes e espelhos colossais é proibitivo, aproveitar estruturas e processos naturais que cumpram o mesmo papel é uma grande ideia. E ela não é nova, por sinal. Einstein já havia previsto há mais de um século que a gravidade de objetos com muita massa como o Sol ou um aglomerado de galáxias provoca desvios na luz de estrelas ainda mais distantes que cruzam com eles. São as chamadas lentes gravitacionais.

Astrônomos usam o fenômeno há décadas para observar regiões longínquas do Universo. Kipping propõe fazer algo parecido com a Terra: tirar proveito da refração que a atmosfera provoca em raios de luz que a atravessam para usá-la como a lente gigante de um instrumento com dimensões verdadeiramente planetárias. Bastaria posicionar um telescópio espacial mais ou menos na distância lunar, o ponto focal do “terrascópio”, para que ele capte a luz refratada.

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Mais especificamente, a espaçonave deveria apontar constantemente para a Terra a uma distância de 360 mil quilômetros — um pouco mais perto que a Lua. Ela não precisaria de um espelho tão grande. Bastaria um diâmetro de um metro para ampliar 45 mil vezes a luz dos astros em foco após um tempo de exposição de 20 horas. Grosso modo, colocar a atmosfera da Terra entre o telescópio e a estrela sendo observada é como colocar óculos ou uma lupa na frente dele. Tamanha potência só seria equiparada por um telescópio de solo com inimagináveis 150 metros de diâmetro.

Kipping calculou que um ainda menor, de 100 metros, custaria US$ 35 bilhões para ser construído. Essa quantia supera os orçamentos de 2018 da NASA e da Fundação Nacional da Ciência (NSF), dos EUA, combinados. Ou seja: o terrascópio é a única saída. Mas não pense que construi-lo seria moleza. Há diversos desafios no projeto, a grande maioria tem a ver com a dinâmica peculiar da lente atmosférica. Apesar de quebrar um galhão, ela está longe de ser perfeita.

A começar pelo fato de sua densidade variar conforme a altitude: quanto mais para o alto, menos espessa ela se torna. Logo, a luz que atravessa a atmosfera superior sofre menos refração que aquela que cruza a parte inferior. Como as nuvens absorvem luz, é preciso ajustar o terrascópio para que colete apenas fótons que penetram só 14 quilômetros na atmosfera — e não passam nem perto da camada de nuvens.

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Outros problemas que devem ser levados em conta envolvem a absorção específica de determinadas frequências pelas moléculas dos gases, além do fato de a atmosfera contrair ou expandir de acordo com variações na temperatura. Toda lente tem suas imperfeições. Mas Kipping estudou a fundo esses e muitos outros aspectos, e está convicto de que o terrascópio tem futuro. Agora só falta a NASA comprar a ideia.

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