A foto recentemente registrada pelo fotógrafo carioca Humberto Baddini, mostrando uma baleia-jubarte saltando espetacularmente sobre a superfície do mar com o Pão de Açúcar ao fundo, rodou o mundo e tornou-se símbolo de um fenômeno que vem atraindo a atenção de cariocas, turistas e, sobretudo, pesquisadores da vida marinha.
A baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) é conhecidamente uma espécie cosmopolita. Ou seja: ela viaja o mundo. Para isso, a baleia famosa pelos cantos e pelos espetaculares rituais de acasalamento realiza longas migrações anuais, deslocando-se entre locais de reprodução nas regiões tropicais e subtropicais dos oceanos e áreas de alimentação, que podem ser tanto no oceano Antártico quanto no Ártico.
Populações reprodutivas distintas nos hemisférios Norte e Sul parecem se separar – tanto espacialmente quanto geneticamente – devido à fidelidade herdada de seus ancestrais às áreas de reprodução natais. Os chamados corredores migratórios das jubartes são como “autoestradas”, que permitem que elas desloquem-se periodicamente entre as áreas de reprodução e alimentação. E esse movimento é considerado essencial para sua sobrevivência.
Em 1998, sete segmentos populacionais de baleias-jubarte foram reconhecidos pela Comissão Internacional Baleeira (CIB) em áreas reprodutivas tropicais e subtropicais. E seis outros segmentos foram determinados em áreas de alimentação no oceano Antártico, baseados nos seguintes parâmetros: dados de capturas comerciais, Discovery Tags (cilindros de aço que eram disparados contra baleias vivas e recuperados de carcaças para estudar o movimento das baleias durante a era baleeira), estudos genéticos e de foto-identificação.
No Atlântico Sul ocidental, a área reprodutiva das jubartes é frequentada pelo chamado “estoque A” (termo que denomina a população de baleias que migra para o Brasil), formado por espécies que se alimentam nas proximidades das ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, na região Antártica. No Brasil, as espécies do “estoque A” reconhecidamente reproduzem-se nas proximidades do arquipélago de Abrolhos, em frente ao litoral sul da Bahia e norte do Espírito Santo. Ou seja, todos os anos transitam das águas frias do Sul, onde se alimentam entre os meses de dezembro e maio, para o litoral nordeste brasileiro, onde fazem seus rituais de acasalamento entre junho e novembro. Mas as recentes e cada vez mais frequentes visitas ao litoral carioca mostram que isso pode estar mudando.
História: a resiliência de uma espécie
No Hemisfério Sul, a caça comercial reduziu drasticamente as populações de baleias-jubarte nos séculos XIX e XX. Em 1963, a Comissão Internacional Baleeira (CIB) estabeleceu a proibição da caça nesse hemisfério. E, ainda que algumas nações ainda a pratiquem ilegalmente, várias populações vêm aparentemente se recuperando, incluindo a do Brasil.
A capacidade das baleias-jubarte de realizar extensos movimentos migratórios pode também ter contribuído para a aparente recuperação de algumas populações em comparação com outras espécies de baleias historicamente exploradas.
Assim, em 2014 a baleia-jubarte foi retirada da Lista Oficial Brasileira das Espécies Ameaçadas de Extinção, e atualmente seu estado de conservação é considerado “Pouco Preocupante”. Ou seja, a espécie não é mais considerada em risco global de extinção, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Jubartes no Rio de Janeiro e a flexibilidade para colonizar habitats
Em 2017, foi descoberta a existência de um corredor migratório de jubartes localizado nas imediações das Ilhas Cagarras, em frente às praias da Zona Sul do Rio de Janeiro. Em 2021, o local foi cientificamente considerado “crítico para a saúde do oceano” pela Mission Blue (Aliança Mundial para a Conservação Marinha), e nomeado como “Ponto de Esperança” para a preservação da espécie. A existência desse corredor a poucos quilômetros de uma grande metrópole foi um critério importante para a nomeação.
Desde 2011, o Projeto Ilhas do Rio realiza o monitoramento das espécies de cetáceos que frequentam as águas em frente à cidade. As linhas de pesquisa incluem a distribuição espaço-temporal, uso do habitat, comportamento, foto-identificação (tanto de movimentos quanto da frequência de uso de área) e a criação de subsídios para a criação de Áreas Marinhas Protegidas no Rio de Janeiro.
Foi em julho de 2014 que o projeto avistou pela primeira vez grupos de baleias-jubarte no litoral do Rio de Janeiro. Desde então o número de registros vem aumentando significativamente. Entre 2015 e 2024 foram contabilizados 245 avistamentos, compostos desde animais solitários até nove indivíduos. Ano após ano, os registros têm aumentado. E já se determinou que a distância da linha da costa influencia significativamente o tamanho dos grupos. Grupos menores tendem a ser encontrados mais próximos da costa quando comparados aos grupos maiores.
Apesar do Corredor Migratório compreender uma trecho de deslocamento entre as áreas de alimentação e de reprodução, duas agradáveis surpresas registradas nos últimos três anos podem estar contribuindo para a conservação da espécie. Desde 2022, grupos competitivos/reprodutivos estão sendo registrados no Rio de Janeiro, indicando que a região pode não estar sendo utilizada apenas como passagem.
Estes grupos geralmente são formados por um animal nuclear, a fêmea receptiva, o acompanhante principal – que mantém uma posição privilegiada ao lado da fêmea – e os acompanhantes secundários, que desafiam o acompanhante principal. Grupos competitivos/reprodutivos compostos por quatro a nove indivíduos foram observados em nove diferentes ocasiões entre 2022 e 2024 no litoral do Rio. Em agosto de 2022 e de 2023 foram avistados três filhotes recém-nascidos, identificados pela coloração mais clara que o adulto e nadadeira dorsal ainda dobrada.
A ocorrência de grupos competitivos e de neonatos no Rio de Janeiro são indícios auspiciosos para uma espécie que não muito tempo atrás esteve à beira da extinção.
Em um futuro próximo o Rio de Janeiro poderá vir a se tornar um habitat adequado para a reprodução e cria da espécie? Ainda não se sabe. Existem lacunas de conhecimento sobre as regiões que conectam as áreas de reprodução e de alimentação. Só a continuidade dos estudos ajudará no entendimento destes padrões de migração, bem como de possíveis ameaças causadas pela proximidade dessa espécie com uma metrópole como o Rio de Janeiro.
O potencial e a responsabilidade do turismo de observação
Fato é que a presença das baleias-jubarte no litoral da capital fluminense vem provocando um novo movimento turístico, que empolga mas requer cuidados. Passeios de barco para avistamento de baleias precisam de procedimentos que assegurem a sustentabilidade a longo prazo da observação comercial da atividade. Tanto ambientalmente como socialmente e economicamente.
Essas práticas precisam assegurar que as observações sejam conduzidam de forma que:
1) minimizem impactos negativos aos cetáceos e ao ambiente;
2) satisfaçam os clientes;
3) beneficiem as comunidades locais;
4) eduquem e inspirem o público em geral e a indústria do turismo sobre a importância capital da preservação ambiental.
O turismo embarcado de observação de animais marinhos no Brasil tem um potencial imenso e pouco explorado, e a presença de baleias numa cidade como o Rio de Janeiro pode e deve ser estimulada comercialmente. Desde que considerando os procedimentos necessários para esse tipo de operação. Por isso, selecionar uma operadora que respeite as diretrizes e a educação necessárias é fundamental, assim como a fiscalização rigorosa dos órgãos competentes.
Impacto pessoal
A observação de animais tão grandiosos quanto as baleias-jubarte, em seu habitat natural mas a poucos quilômetros de onde nós mesmos moramos, pode ser uma experiência transformadora. E respeitadas as boas práticas necessárias, mesmo tão perto da cidade é possível observar seu comportamento natural, sem influências externas.
O que seria, inclusive, ilegal. Isso porque todos os cetáceos no Brasil são protegidos por atos e instrumentos legais que visam prevenir e coibir o molestamento intencional desses animais em nosso litoral.
Enfim, o turismo de observação de baleias é uma atividade comercial permitida e extremamente enriquecedora para quem vive a experiência. Desde que seja praticada com respeito conservacionista tanto por parte das operadoras quanto dos participantes.
Se as baleias-jubarte de alguma forma sentirem-se ameaçadas por uma pressão desordenada de visitantes – especialmente as fêmeas com seus pequenos filhotes – podem buscar outras paragens para visitar em seus períodos migratórios.
E fotos como a de Humberto Baddini jamais se repetiriam…
Este artigo é uma republicação do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.