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Beleza pura

A ciência está provando que a beleza é um conceito bem menos flexível do que imaginamos. Pesquisas revelam que já nascemos com idéias bem definidas sobre o que é bonito e o que é feio

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 dez 2000, 22h00

Rodrigo Cavalcante

Às terças e quintas, Namie Wihby, um descendente de libaneses que gosta de se vestir com roupas básicas, recebe cerca de 15 adolescentes para uma entrevista na sede da agência de modelos Elite, em um elegante bairro dos Jardins, em São Paulo. Namie é o scout da agência. Ou seja: o profissional encarregado de caçar novos talentos. Ele sabe, mesmo antes de vê-las, que todas as meninas são dotadas de traços físicos muito semelhantes entre si, uma espécie de pacote genético básico que compõe uma potencial top model: 1,75 metro de altura, 90 centímetros de quadril (o equivalente ao manequim 38), pernas longas e esguias equilibrando 50 quilos bem distribuídos. Agora, pasme: essas medidas tão invejadas não bastam. Wihby está procurando o que ele chama de “algo a mais”, um elemento considerado por muitos como impalpável: a beleza. “É difícil definir o que faz uma pessoa ser bonita”, diz o scout da Elite. “Mas eu aposto que você também reconhece esse clique mágico quando ele acontece na sua frente.”

Wihby está certo. Na escada que leva à sua sala no segundo andar da agência, algumas pretendentes a modelo sobem ansiosas para a entrevista. É difícil desviar os olhos de algumas delas durante os dez segundos que levam para chegar ao último degrau. E não é apenas a segurança do andar ou o corpo bem torneado que impressionam. Também não é só o desenho de um nariz ou a cor dos olhos que atingem o observador com o impacto de um murro. De alguma forma, o cérebro faz a leitura daquelas belas faces e formas e identifica a presença (ou a ausência) de alguns aspectos essenciais. Harmonia? Proporção? Delicadeza? Seja como for, em poucos segundos você se sente atraído pelo belo. Ou constrangido pela fealdade.

“Ser bonito faz diferença”, diz Wihby. De fato, nas bancas de revistas, nos programas de televisão, em cartazes de cinema, belos rostos e corpos disputam a sua atenção – a beleza vende. No rádio do carro, uma velha canção consagra as formas femininas – a beleza inspira. No trabalho, aquela colega escultural conseguiu agendar com o chefe o almoço que você vem pleiteando há semanas – beleza é poder. Se você estiver lendo esse artigo na praia, é bem possível que alguém já tenha conseguido desviar a sua atenção da leitura várias vezes… (Talvez você tenha até mesmo parado para ler essa reportagem fisgado não pelo tema ou pela chamada, mas pela foto da modelo na abertura.)

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Muita gente acredita que a beleza é mera questão de opinião. (É politicamente correto pensar assim. É como dizer: “Não existe gente feia no mundo. Você é que, montado nos seus preconceitos estéticos, os vê dessa forma”.) Trata-se de um ponto de vista que pode ser resumido no ditado: “A beleza está nos olhos de quem a vê”. Feministas chegaram a dizer que a beleza não passava de uma ficção usada pelos homens para excluir as mulheres da estrutura de poder. Ou que a beleza era um padrão volúvel imposto por indústrias como a da moda e dos cosméticos.

“Os intelectuais que afirmam que a beleza é relativa não ajudam a explicá-la”, diz Nancy Etcoff, psicóloga da Universidade de Harvard e autora do livro A Lei do Mais Belo, lançado no Brasil em 1999. “Dá para dizer que há uma realidade central no belo. Afinal, em todas as culturas elementos semelhantes têm constituído uma força estética poderosa.” As pesquisas confirmam que somos atraídos por certos padrões estéticos desde o nascimento. Uma delas, conduzida pela professora de psicologia Judith Langlois, da Universidade do Texas, em Austin, revelou que os bebês provavelmente já nascem com esse julgamento. Depois de separar uma série de rostos considerados belos e outros considerados feios, a pesquisadora se surpreendeu ao descobrir que os bebês gastavam mais tempo olhando aqueles considerados mais belos. Acredita-se que esse julgamento leva em conta um ponto primordial: a simetria da face. Eis a chave da questão. A distância entre os olhos e as sobrancelhas, de um lado, e a harmonia do nariz com a boca, de outro, seriam os principais definidores daqueles rostos considerados belos que os bebês gastaram mais tempo olhando.

E não são apenas os seres humanos que têm uma atração nata pela simetria. O zoólogo inglês John Swaldel, da Universidade de Bristol, provou que as fêmeas de alguns pássaros preferem acasalar com os machos que possuem padrões acentuadamente simétricos. Ele colocou anéis nas pernas de pássaros tentilhões machos e os dividiu em dois grupos: no primeiro, as cores eram iguais em ambas as pernas; no segundo, diferentes. Os machos com padrões simétricos (que tinham anéis da mesma cor nas duas patas) foram os preferidos das fêmeas. Estudos semelhantes a esse com outras 40 espécies animais provaram que, em 78% dos casos, a simetria tinha influência direta no sucesso do acasalamento ou da atração sexual entre os animais. “De alguma forma, ela é um sinal de saúde biológica, uma espécie de anúncio: ‘Sou saudável e posso ajudar a transmitir os seus genes com segurança’”, diz Nancy Etcoff.

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Simetria, proporção, ordem, clareza. Desde os antigos gregos, os cânones da beleza têm uma íntima relação com a elegância dos números. É isso mesmo: quanto mais próxima uma face ou uma forma estiver da ordenação matemática, mais bela ela será aos olhos de um observador. De um lado, é como se a nossa percepção da beleza estivesse ligada à nossa necessidade de ordenar o mundo. Nosso próprio mecanismo de compreensão do universo dependeria da busca desses padrões. De outro lado, a idéia de que o belo reside em determinados padrões geométricos influenciou muito os artistas da Renascença. Ao retratar faces humanas, eles tinham o cuidado de fazer com que o comprimento das orelhas e o do nariz fossem iguais. Os ideais helênicos, seguidos pelos renascentistas e gerados na Grécia Antiga, traziam o conceito de número áureo, uma fórmula matemática criada para definir a harmonia na proporção das figuras. Essa fórmula deveria ser usada tanto em esculturas de figuras humanas quanto em projetos arquitetônicos. Os gregos chegaram a essa “medida perfeita” cortando uma linha de tal modo que a proporção entre o pedaço menor e o pedaço maior fosse igual à que existe entre o pedaço maior e o todo .É provável que a proporção áurea tenha sido inspirada nas medidas do corpo humano e de outras formas da natureza – em uma linha traçada paralela ao corpo a distância entre o umbigo e os pés e entre o umbigo e a cabeça segue essas medidas. Nas obras dos artistas renascentistas Albert Dürer, Leonardo da Vinci e Michelangelo, entre outros, a beleza é retratada dentro dessas proporções.

Mas a simetria não explica integralmente o belo. A noção de beleza entre os seres humanos também é orientada por sinais físicos como pele macia, cabelo espesso e brilhante e cintura marcada. Isso por uma questão de adaptação evolutiva. Durante a evolução, as pessoas que exibiam esses traços tiveram mais êxito reprodutivo. E tiveram mais êxito reprodutivo exatamente porque exibiam esses traços. Explicando: desde os primórdios, os indivíduos escolhem parceiros mais “bonitos” (mais altos, mais fortes, com melhores dentes etc.) para procriar. Ao longo dos anos, a evolução tratou de “automatizar” essa escolha, transformando aquelas características em objetos de desejo de qualquer indivíduo, independente do seu gosto pessoal.

O pai da etologia (estudo do comportamento animal), o austríaco e Prêmio Nobel Konrad Lorenz, sugeriu que até as feições graciosas de uma criança pequena também seriam um artifício biológico para provocar sentimentos ternos com um objetivo claro: desviar a agressão. Pele e cabelo macio, olhos enormes, pupilas grandes, bochechas roliças e rosadas e nariz pequeno fariam parte do kit de sedução dos bebês. Na verdade, pura estratégia de sobrevivência. Como eles morreriam sem o cuidado dos pais, a natureza os equipou com traços que os adultos consideram irresistíveis. Isso explicaria porque a maioria das pessoas se enternecem com bebês e filhotes. Eles dificilmente são feios – quase todos parecem “engraçadinhos”. Ainda assim, uma pesquisa revelou que as mães de recém-nascidos mais atraentes gastavam mais tempo segurando o bebê bem pertinho (portanto, com mais ternura), enquanto as mães dos bebês menos atraentes passavam mais tempo limpando as fraldas e atendendo outras necessidades. A beleza – ou a falta dela – tem seu lado perverso.

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“É natural que a aparência física seja decisiva entre os seres humanos e outros primatas evoluídos”, diz o etólogo Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo. “A visão apurada do homem é um luxo evolutivo quando comparada com a de outros animais.” É possível que nossa visão privilegiada seja uma compensação pelo olfato humano, que é bem limitado se comparado ao de outros animais. Entre os cachorros, por exemplo, o olfato é o sentido mais importante na escolha dos parceiros e na identificação dos filhotes. “Já entre os humanos, se você trocar um recém-nascido por outro com os mesmos traços físicos, a mãe não irá reconhecer a diferença e muito menos rejeitar o bebê que não é seu pela diferença de cheiro”, diz Ottoni.

Talvez seja por isso que a beleza tenha sido sempre uma obsessão humana. Nossos cérebros esquecem facilmente o nome de pessoas, mas dificilmente esquecem o rosto delas. A aparência física é a nossa parte mais pública, a ponto de as pessoas cometerem extremos para transformá-la. Em 1999, foram realizadas, no Brasil, cerca de 60 000 cirurgias plásticas. “Elas estão mais simples e acessíveis”, diz Luiz Carlos Garcia, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgiões Plásticos. Em poucos anos, o implante de silicone nos seios deixou de ser um artifício exclusivo das atrizes de filmes pornô e passou a ser encarado com normalidade por qualquer dona-de-casa. A indústria de cosméticos também não tem do que reclamar. No ano passado, ela movimentou, no Brasil, 6,5 bilhões de reais. Deste valor, 426 milhões foram gastos somente em tinturas de cabelo. Detalhe: 70% de tonalidades claras, multiplicando o número de louras que se acotovelam dentro das fronteiras brasileiras – os psicólogos acreditam que o desejo de clarear o cabelo está, no fundo, ligado à busca de jovialidade, já que a maioria dos bebês nascem com cabelos claros, que vão escurecendo com o tempo.

Ninguém tem dúvida de que a economia, a religião e o ambiente também influenciam nossos padrões estéticos. Em regiões (e em épocas) em que a comida é escassa, o acúmulo de gordura no corpo pode ser encarado como uma boa reserva de nutrientes, sinal de saúde e atratividade física. As voluptuosas musas renascentistas certamente não ficariam muito elegantes se usassem as blusas frente-única e as calças Saint-Tropez que estão nas vitrines das butiques neste verão. Os atores que interpretavam o Batmam e o Super-homem na TV nos anos 50 provavelmente seriam convidados hoje a passar mais tempo na academia modelando seus abdomes e papadas antes de filmar.

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Apesar dessas mudanças nos padrões de beleza, as pesquisas revelam a existência de alguns elementos constantes em nosso julgamento do que é belo e do que não é. E boa parte deles não varia ou varia muito pouco: são quesitos ligados diretamente ao nosso instinto básico de luta para que os melhores genes da espécie sejam transmitidos para as gerações futuras.

Rcavalcante@abril.com.br

A beleza é um anúncio: “Tenho excelentes genes para transmitir”

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A beleza graciosa dos bebês seria uma defesa natural contra agressões

Para saber mais

Na livraria: A Lei do Mais Belo

Nancy Etcoff, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1999

The Broken Mirror

Katharine Phillips, Paper Back, 1998

Corpo de ouro

Os gregos acreditavam que determinadas proporções na natureza eram mais belas do que outras. Cortando uma linha de tal modo que a proporção entre o pedaço menor (x) e o pedaço maior (Y) seja igual à que existe entre o pedaço maior (y) e o todo (z), eles chegaram à chamada proporção áurea. Essa medida pode ter sido inspirada no corpo humano, já que a distância entre o umbigo e os pés e entre o umbigo e a cabeça segue essa mesma proporção

Vaidade patológica

Preocupação obsessiva com a própria imagem pode esconder um grave distúrbio psiquiátrico

Preocupar-se com a aparência é uma atitude natural do ser humano. Quem nunca reclamou daquele pneuzinho na barriga ou consegue resistir à tentação de checar o visual quando passa na frente de um espelho? Para algumas pessoas, no entanto, essa insatisfação atinge limites extremos. Elas não apenas reclamam, mas sofrem, se angustiam e tentam, a todo custo, disfarçar ou corrigir o terrível defeito que acreditam ter. São escravas de exercícios, dietas ou cirurgias plásticas. Nada as convence de que não são, digamos, uma aberração da natureza – por mais normais que pareçam aos olhos dos outros. Esses são alguns dos sintomas de um distúrbio psiquiátrico que vem chamando a atenção dos especialistas: a desordem dismórfica do corpo (DDC), ou feiúra imaginária, que atinge hoje cerca de 2% da população mundial. Causada por um desequilíbrio químico no cérebro, a DDC pode levar à depressão, a transtornos alimentares, à fobia social e até ao suicídio. “A doença tem vários graus de intensidade e começa normalmente na adolescência”, afirma a psiquiatra americana Katharine Phillips, autora do livro The Broken Mirror (O Espelho Quebrado), ainda inédito no Brasil. “O problema é que muitas vezes a DDC passa despercebida como uma aflição natural da idade e só vai ser descoberta mais tarde.”

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