Brasileiros descobrem fóssil mais antigo de formiga, de 113 milhões de anos
Ela faz parte das "formigas do inferno", um grupo ancestral com grandes mandíbulas e corpo robusto. Entenda o achado.

“Que dó da formiguinha” foi um meme famoso há mais de 10 anos. No vídeo, uma criancinha chora pela morte de uma formiga pequenina e indefesa. Essa é uma cena que jamais aconteceria há 113 milhões de anos — não apenas pela ausência de humanos na época, mas também porque as formiguinhas do período Cretáceo não tinham nada de inofensivas.
Uma nova pesquisa descobriu, no Brasil, o fóssil mais antigo de uma formiga que se tem registro. O animal é um ancestral das que conhecemos hoje – com a diferença de que era uma predadora bem mais agressiva que as suas primas dos dias atuais.
A formiga fazia parte de uma subfamília chamada Haidomyrmecina, as “formigas do inferno”. Esses animais eram famosos por suas técnicas únicas de caça: o inseto possuía chifres e mandíbulas em forma de foice. Essas estruturas permitiam que elas empalassem suas presas. Além das cabeças ornamentadas, os bichinhos ainda tinham mandíbulas que se moviam verticalmente (como a boca humana), ao contrário das formigas modernas, cujas mandíbulas se movem lateralmente.
As primeiras formigas surgiram nos Períodos Jurássico Superior e Cretáceo Inferior, entre 168 milhões e 120 milhões de anos atrás. Esses insetos se desprenderam evolutivamente das moscas e abelhas e, do chão, começaram a se espalhar e diversificar. Assim, novas espécies de formiguinhas foram surgindo: hoje, estima-se que existam 22 mil espécies do animal.
Mas vamos à espécie anciã. Ela vem de Crato, uma formação geológica no Araripe, divisa dos estados do Piauí, Pernambuco e Ceará. Seu fóssil estava entre os mais de cinco mil fósseis de insetos que pertenciam à entomologista Maria Aparecida Vulcano (1921-2018). Como homenagem, a formiga recebeu o nome Vulcanidris cratensis.
Antes da Vulcanidris, o fóssil mais antigo de uma formiga era um exemplar de 100 milhões de anos de idade. A descoberta brasileira foi também a primeira encontrada em um pedaço de calcário e surpreendeu os cientistas não apenas pelo tamanho, ou pelo CEP (até então, esse tipo de formiga só tinha sido encontrado no Hemisfério Norte), mas também pela aparência imponente: com mandíbulas enormes e um corpo robusto, a formiga lembrava mais um predador do que os insetos organizados em colônias que conhecemos hoje.
O achado foi resultado de uma pesquisa liderada pelo biólogo Anderson Lepeco, que contou para a Super que a descoberta do fóssil foi uma surpresa: aconteceu quando o pesquisador teve contato com a coleção de Vulcano, que foi doada ao Museu de Zoologia da USP. “Eu procurava por algum grupo de vespas daquela época que poderia existir ali e acabei topando com esse bicho. Eu pensei na hora: ‘isso aí deve ser uma formiga do inferno'”.
Para confirmar a hipótese, Lepeco e uma equipe de pesquisadores usaram uma técnica chamada microtomografia computadorizada para observar o interior do fóssil de calcário. Esse tipo de raio-X permite a criação de uma imagem 3D detalhada do inseto.
“Depois que a gente fez a reconstrução digital, ficou mais evidente ainda que era uma formiga do inferno. Foi quando conseguimos ver a parte de dentro da rocha e vimos aquelas mandíbulas muito doidas. Que é uma coisa característica só desse grupo”, disse Lepeco.
Além disso, ter encontrado um exemplar desse animal na América Latina reescreve o que se sabia do bichinho até então. O pesquisador considera que esse fato diz respeito a um sucesso evolutivo dessas formigas e que elas estavam bem mais distribuídas no globo do que se imaginava antes.
Os próximos passos
Lepeco diz que gostaria de estudar o fóssil em um síncrotron, um acelerador de partículas gigante que funciona como um microscópio super potente – o Brasil possui um desses em Campinas, no CNPEM.
“Assim, daria para recuperar ainda mais detalhes da morfologia da formiga. E com isso a gente consegue criar uma análise filogenética mais complexa, para entender, por exemplo, quando que elas divergiram das outras espécies”.
Por fim, Lepeco ressalta que falta incentivo nas pesquisas sobre insetos e por isso existem muitas lacunas a serem preenchidas.
“Se eu tivesse achado qualquer dinossauro, talvez eu tivesse tido o mesmo impacto dessa formiga, né? Mas, se essa não fosse a formiga mais antiga, provavelmente não atrairia tanta atenção.”
O pesquisador espera que seu estudo inspire novos trabalhos de examinação de coleções já existentes. “Isso traz uma luz, chama atenção para essa área de pesquisa no Brasil”, afirma. “Dinossauro realmente é muito legal. Mas esses insetos também podem ser bem legais, às vezes.”