Cientista cria retina artificial à base d’água
Desenvolvido em Oxford, o "olho biônico" pode ser aceito sem rejeição pelo organismo, e traz esperança a pessoas com deficiência visual
O século 21 está aí, e os carros voadores dos Jetsons ainda não saíram do papel. Outras previsões típicas da ficção científica porém, estão entrando aos poucos na rotina da ciência de verdade. Por exemplo: usar uma prótese eletrônica no lugar dos olhos, apesar de muito complicado, já é possível – você pode ler detalhes aqui.
A ideia básica desse tipo de implante é usar uma câmera para gerar sinais elétricos que o cérebro é capaz de interpretar da mesma maneira que lê o mundo a partir da sua retina. Ou seja: fazer pessoas com doenças genéticas degenerativas como a retinite pigmentosa voltarem a enxergar com olhos literalmente biônicos.
O problema é que instalar uma pequena máquina fotográfica dentro de alguém ainda é, por razões óbvias, um procedimento muito invasivo, com grandes chances de rejeição por parte do paciente. É por isso que a química Vanessa Restrepo-Schild, da Universidade de Oxford, criou uma retina sintética feita com um material maleável e muito similar ao real – um avanço inédito nas pesquisas com implantes eletrônicos.
“O olho humano é incrivelmente sensível, por isso, corpos estranhos como implantes metálicos na retina podem ser muito danosos, causando inflamações e ferimentos”, explicou Restrepo-Schild à assessoria de Oxford. “Um implante biológico sintético, por outro lado, é macio e solúvel em água, então é muito mais amigável no ambiente do interior do olho.”
Segundo a cientista, é preciso acabar com o imaginário popular que está por trás de seres humanos biônicos: pessoas de aparência metálica, robótica. “Eu quero pegar os princípios que estão por trás de funções vitais do nosso corpo, como a audição, o tato e a habilidade de detectar luz, e replicá-los no laboratório usando componentes naturais. Eu espero que minha pesquisa seja o primeiro passo em uma jornada para produzir tecnologia que seja macia e biodegradável em vez de rígida e descartável.”
Em princípio, parece contraditório falar em algo que é ao mesmo tempo biológico – ou seja, vivo – e sintético – portanto, artificial. Mas o truque de Restrepo-Schild é usar versões de laboratório das proteínas detectoras de luz que estão presentes nas células da retina, tirando as células em si da equação. Essas proteínas ficam mergulhadas em gotículas de água, que se tornam pequenos detectores de luz. Quem gosta muito de bioquímica pode dar uma olhada no artigo científico e entender o truque do ponto de vista técnico.
Como funciona
A evolução biológica deu aos animais a visão. E essa é uma façanha da engenharia. A luz emitida ou refletida por todas as coisas alcança seus olhos, passa pela córnea e forma uma imagem na superfície sensível que fica no fundo do globo ocular, chamada retina.
Depois, cada célula da retina detecta a quantidade de luz que incide sobre uma área equivalente a um pixel. Essas células são chamadas de bastonetes e cones. São cerca de 120 milhões de bastonetes, responsáveis pela visão em preto e branco, e só 6 milhões de cones, que adicionam cor à mistura. As informações geradas por elas são transformadas em sinais elétricos, que são enviados ao cérebro e decodificados. Voilà! Você enxergou.
Uma câmera fotográfica funciona de forma parecida. A luz da cena que será registrada, depois de passar pelas lentes, alcança uma superfície quadriculada fotossensível. Cada um desses quadrados registra informações sobre a luz de um pixel.
O que a cientista de Oxford fez é construir uma câmera fotográfica usando as proteínas presentes nos cones e bastonetes – ou seja, chegar a um meio termo entre tecnologia e natureza que possa ser feito em laboratório, mas que seja aceito pelo corpo como uma simples extensão do olho. Por enquanto, seu implante só enxerga em preto e branco. Mas logo virão cones, e depois, testes em seres vivos. Agora, é só esperar.