Cientistas criam técnica para se comunicar com pessoas em sonhos lúcidos
Na fase REM do sono, voluntários ouviram perguntas diversas, que deveriam responder com movimentos faciais. Uma parte pequena das respostas estava correta.
Fim do dia. Você já tomou banho, jantou, escovou os dentes e está pronto para ir para a cama. Hoje o expediente foi cansativo, o que te faz dormir profundamente, chegando até a sonhar. Mas algo diferente acontece: você se vê no sonho e entende que aquilo não é real. Agora, você manda na situação, podendo escolher o que os outros vão vestir, quais objetos devem aparecer e até mesmo o que você é capaz de fazer – como voar ou lançar fogo com as mãos. Uma cena digna de ser recriada por Leonardo di Caprio no filme Inception.
A situação caracteriza os sonhos lúcidos – algo que a maioria dos humanos vai experimentar alguma vez ao longo da vida. Apesar de comum, pesquisas sobre o tema só começaram a ganhar corpo na década de 1970, quando os cientistas passaram a investigar de perto a fase REM do sono (sigla em inglês para Movimento Rápido dos Olhos). Ganha esse nome a etapa do descanso onde há uma atividade cerebral acelerada e os sonhos mais vívidos acontecem.
Agora, pesquisadores buscam entender quão lúcidos são esses sonhos e se alguém de fora poderia ter influência sobre eles – do jeito que acontece na ficção. Para isso, quatro grupos independentes de pesquisadores da França, Alemanha, Holanda e Estados Unidos decidiram conduzir testes sobre o tema.
Eles queriam “conversar” com o sonhador lúcido, desvinculando a ideia de que o cérebro está totalmente desconectado do mundo exterior durante o sono. No total, o estudo recrutou 36 voluntários, sendo alguns sonhadores lúcidos experientes e outros que nunca passaram pela experiência, mas conseguiam se lembrar com certa frequência das histórias que viviam dormindo.
Antes dos testes, os participantes teriam que passar por um treinamento, onde aprenderiam a reconhecer alguns sinais durante o sono. Exposição a sons, luzes e até mesmo algumas cutucadas levariam o voluntário a entender que estava sonhando. Como resposta, o sonhador deveria usar outro sinal, aprendido previamente, que indicava que estava lúcido. Basicamente, o cientista colocaria determinado som e o voluntário apertaria os olhos ao ouvi-lo, por exemplo.
Os ensaios não se resumiam a isso. A atividade cerebral, os movimentos dos olhos e as contrações dos músculos faciais também eram monitoradas através de capacetes de eletrodos. Assim, os cientistas saberiam quando o dorminhoco finalmente alcançasse a fase REM (que acontece cerca de 90 minutos após a pessoa pegar no sono) e estivesse pronto para os testes.
Foram, no total, 57 sessões de sono. Os sonhos lúcidos apareceram em 15 delas, de apenas seis voluntários diferentes. Quando isso acontecia, os pesquisadores entravam com perguntas de sim ou não ou questões de matemática básica. Os voluntários respondiam com os sinais que aprenderam previamente, movendo os olhos de forma repetida para indicar valores ou franzindo a testa para negar ou afirmar algo.
No final, o paciente descrevia seu sonho. Um deles relatou que estava em uma festa quando ouviu um narrador perguntando se ele sabia falar em espanhol. Outro contou que as contas de matemática eram transmitidas a partir do rádio de um carro. Das 158 perguntas feitas aos sonhadores, 18,6% delas foram respondidas de forma correta. 17,7% das respostas não foram claras e 3,2% delas estavam erradas. A maior parte dos questionamentos não chegou a ser respondida, representando 60,8% do total. Os resultados do experimento foram publicados na revista científica Current Biology.
Vale lembrar que o estudo, apesar de indicar resultados interessantes, foi feito com um grupo pequeno de pessoas, e precisa ser repetido com em maior número para sustentar suas conclusões. O que os pesquisadores mostraram, porém, é que a comunicação durante o sono, apesar de difícil, é possível.
Talvez você, leitor, esteja se perguntando: qual a vantagem de ser “acordado” no meio do sono? Calma, ninguém vai ficar te lembrando sobre as obrigações domésticas enquanto você dorme. A técnica visa o futuro, quando poderá ser aplicada de forma terapêutica, influenciando o sonho de pessoas que possuem traumas ou sofrem de doenças como ansiedade e depressão.