Como a vida de George Gamow pode inspirar a sua
"Então eu fico apenas sentado e esperando, ouvindo, e se algo empolgante aparece, eu simplesmente mergulho"
Estamos falando de uma pessoa que considera a liberdade de pensamento e de ação o maior e mais valioso atributo do ser humano. E calhou de essa pessoa, além de ser absolutamente brilhante, ter de lidar com a opressão de um dos regimes mais autoritários que já se viu na história moderna: a União Soviética.
As atitudes de Gamow ao longo de sua vida podem ter parecido radicais a alguns de seus colegas e amigos. Tentar fugir do país num caiaque? Se meter num problema de biologia sabendo pouco ou nada dele e correndo o risco de ser ridicularizado? Gamow era um homem de convicções, que sabia agir a despeito de quaisquer temores – fossem eles o risco bastante real de aprisionamento ou meramente ser objeto de piada de colegas.
Aliás, poucas vezes se viu um pesquisador equilibrar tão bem suas descobertas – em que estavam em jogo coisas como a própria decifração da origem e evolução do Universo como o conhecemos hoje ou a linguagem usada pelo DNA para construir toda a incrível diversidade da vida – com o bom humor, uma pista de que nem sempre a brincadeira é um ato contraproducente. Muitas vezes, é justamente o que falta para mostrar que, mesmo nos momentos mais sérios, é preciso um tempero para que a vida valha a pena ser vivida.
Gamow venceu os opressores soviéticos, os céticos do Big Bang e os físicos e biólogos que achavam que ele não tinha nada que dar palpite em uma disciplina da qual ele não era especialista – como se na natureza existisse de fato a barreira que nossas separações estanques do conhecimento produzem, apenas para fim de delimitação e facilitação do progresso científico.
O mais importante aí não é que Gamow tenha dado uma bola dentro em biologia molecular. A real mensagem é que ele teve a ousadia de dar a cara a tapa, sem o medo, que muitas vezes se vê na própria comunidade científica, de romper com a mediocridade, pelo simples risco de estar errado.
Aliás, dada a formação de Gamow como físico, não é surpreendente que ele quisesse dar pitacos em outras ciências. Trabalho há vários anos prestando assessoria de comunicação à Sociedade Brasileira de Física e sei que é uma brincadeira informal entre os profissionais da área aludir ao fato de que eles “sabem de tudo”. De certa forma, é compreensível, visto que a física consiste a base mais elementar do conhecimento, das minúcias das partículas subatômicas às mais vastas extensões do Universo observável. Mas Gamow transcendia o achismo, e provava com trabalhos, publicações e brincadeiras que não estava ali, no quintal do vizinho, a passeio. Tinha o enorme respeito da comunidade científica por conta disso.
E outro valor importante do russo-americano é o da divulgação do conhecimento. Escritor talentoso, Gamow não se contentava em produzir para o seu público natural – o acadêmico. Produziu diversos livros de divulgação, em que combinava suas melhores qualidades para levar as incríveis revelações do cosmos feitas pela ciência a todas as pessoas.
Claramente, sua vida e obra demonstram o valor inestimável do livre pensar, e nos faz refletir o quanto nos podamos por meio de uma autocensura desnecessária, muitas vezes evitando nos arriscarmos e tentarmos algo novo pelo simples medo de recriminação. Gamow não tinha esse medo, e as coisas deram muito certo para ele. Fica a dica.
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