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Contra-ataque dos clones

Keith Campbell, um dos criadores da ovelha Dolly, explica como a clonagem pode mudar a medicina sem causar problemas éticos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Cristiana Felippe

Há seis anos, o nascimento de uma ovelha chacoalhou o mundo científico. Batizada de Dolly, ela era o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta. Era como se uma nova era tivesse sido inaugurada: o público percebia o poder da biotecnologia e parecia que, a partir daquele momento, poderíamos copiar e modificar qualquer organismo. Por todo lado pipocavam discussões sobre qual é o limite entre a ética e a ciência. No meio desse turbilhão estava o embriologista Keith Campbell, que, junto com seu colega Ian Wilmut, havia criado Dolly.

De lá para cá, o alvoroço em torno da clonagem teve vários motivos para se esfriar. Dolly morreu de forma precoce no último mês de fevereiro, foi empalhada e hoje é peça de um museu em Edimburgo, Reino Unido. E, apesar de várias ameaças, não há ainda provas de que alguém ousou clonar um ser humano. Mas Campbell, hoje professor de fisiologia animal na Universidade de Nottingham, Reino Unido, um dos grandes centros mundiais de biologia reprodutiva, continua a estudar o ciclo celular e avançar nas pesquisas de clonagem. Ele esteve em Recife, Pernambuco, para participar do congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde explicou à Super do que os clones ainda são capazes.

A morte precoce de Dolly chocou as pessoas. O que houve de errado?

Dolly não teve qualquer problema relacionado à clonagem. Ela contraiu um vírus e desenvolveu um câncer pulmonar. O clone mais antigo que existe nasceu em 1995 – é uma ovelha que tem 8 anos agora. Animais dessa espécie que não são clonados vivem geralmente de 10 a 12 anos. É difícil saber quanto tempo ela ainda vai viver porque muitas ovelhas na Inglaterra não chegam a morrer de velhice. Elas são comidas antes.

Mas outros animais clonados também tiveram complicações. A técnica não tem mesmo nenhum problema?

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A clonagem ainda é muito ineficiente. Precisamos compreender melhor o processo e os mecanismos envolvidos se quisermos aperfeiçoá-la. Apenas 2% dos animais clonados sobrevivem ao nascimento e, dentre esses, a maioria morre em até seis meses. Os que ainda resistem vivem a metade do tempo dos animais normais. Sabemos que alguns camundongos que são clonados duram aproximadamente o mesmo tempo dos que não são, mas a espécie em geral tem vida curta. Dentre os animais que vivem mais, ainda não sabemos quais serão os efeitos a longo prazo.

Qual é o benefício da clonagem para a ciência e para os seres humanos?

Muitos, entre eles o uso para fins terapêuticos, para produção de drogas de valor farmacêutico e para tornar animais mais resistentes a doenças. Mas o feito mais importante da clonagem foi demonstrar que é possível alterar a identidade de uma célula. Podemos reverter um tecido da pele e fazer com que ele tenha a mesma função de um do fígado. A tecnologia de clonagem pode produzir células-tronco (que dão origem a todas as células do corpo) e criar tecidos específicos. Esse processo pode ajudar doentes com diabete, Parkinson, leucemia, danos da coluna e tudo que envolva a corrente sanguínea. No mal de Parkinson, por exemplo, ocorre a morte de certas células do cérebro. A técnica pode reproduzi-las, ativar novamente a produção das substâncias químicas que foram perdidas e evitar o dano.

A clonagem será importante para salvar animais em extinção?

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Ela pode ser um bom instrumento. Não sei como prevenir a extinção, mas talvez pudéssemos clonar alguns animais raros. Um dos problemas dessas espécies é que a população que sobra é pequena demais para a reprodução e não há variação genética. Poderíamos retirar pedaços de tecido de uma amostragem representativa de todas as espécies em risco de extinção, cultivá-las e depois conservar as culturas congeladas. No futuro, quando a clonagem estiver bem avançada e puder ser facilmente aplicada a outras espécies, células dessas culturas poderão ser incluídas em embriões e dar origem a proles tão diversas quanto as de hoje.

O que você pensa da clonagem com fins reprodutivos, para auxiliar casais que não podem ter bebês?

Sou completamente contra e espero que ela nunca aconteça. Não há razões médicas para fazer isso. Já existem muitas crianças sem pais no mundo. As pessoas poderiam adotar, em vez de fazer clones de si mesmas. Alguns defensores da clonagem argumentam que não há nada errado nisso, porque já temos gêmeos idênticos, que seriam como um clone. Não concordo com esse ponto de vista. Esse tipo de clonagem não produzirá monstros, mas não podemos dizer que os bebês serão 100% saudáveis, o que já é terrível.

A empresa Clonaid, ligada à seita dos raelianos, diz que já clonou bebês humanos. O que você acha?

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Não acredito que seja verdade. Com certeza, é uma forma de promoção pessoal. Eles não têm nenhuma prova e eu simplesmente os ignoro. A impetuosidade que alguns entusiastas demonstram é certamente irresponsável. Seria estupidez tentar clonar um ser humano e eu espero que todos os países proíbam o método para esse fim. Uma das maravilhas do mundo é sermos diferentes e termos nossa individualidade.

Como não deixar que a clonagem escape do controle ético?

A clandestinidade é sempre um risco em qualquer trabalho. No Reino Unido nós temos uma organização (o Órgão Regulador da Fertilização e Embriologia) que controla o uso de embriões humanos e a concepção artificial. Esse sistema deveria ser adotado no mundo todo. No final de 1998, eles concederam uma autorização para empregar a clonagem no cultivo de tecidos humanos que viessem mais tarde a ser usados para recuperação de partes danificadas. Ao mesmo tempo, os biólogos estão desenvolvendo lá maneiras de fazer células cultivadas crescerem dentro e em torno de moldes para formar cópias de órgãos humanos.

Você sente algumas vezes que está manipulando a vida?

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Não. Tenho confiança de que a manipulação de que faço uso será benéfica para a humanidade e não prejudicial. Vejo a clonagem como um exercício de ciência no qual descobrimos o funcionamento das células e também como uma tecnologia que possibilita a transformação genética. Ela oferece enormes oportunidades de estudo. No meu caso, não sinto que estou brincando de ser Deus. Só busco o entendimento do processo de clonagem para benefícios médicos.

Como podemos combinar os interesses científicos com os religiosos?

Temos que levar isso a debate no mundo todo. Cada sociedade tem seus princípios morais, éticos e religiosos e há muitas razões para as pessoas serem contra ou a favor da clonagem. Precisamos discutir não só as objeções, mas também os benefícios potenciais, porque as pessoas fazem muita confusão a esse respeito. Estamos entrando na era do controle biológico e deveríamos nos preparar moral e politicamente para isso. Os cientistas podem educar através da mídia. Devemos explicar quais são as vantagens de usar as células-tronco para melhorar a qualidade de vida. As pessoas precisam ser conscientizadas sobre o que é essa tecnologia, porque só assim elas poderão tomar decisões.

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Keith Campbell

• Tem 49 anos, é casado e pai de duas filhas

• É formado em microbiologia e seu primeiro emprego foi como técnico de laboratório

• Trabalha há 28 anos como cientista

• Diz ter saudade da ovelha Dolly

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