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Diabete, a armadilha do açúcar

Trezentos milhões de pessoas, no mundo inteiro, devem evitar os alimentos doces, capazes de lhes provocar amargos problemas de saúde. Sem um rígido e permanente controle, eles podem provocar até a morte.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h30 - Publicado em 28 fev 1994, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Seis em cada 100 pessoas, na face da Terra, são diabéticas — e metade delas nem sabe disso. Suas células morrem de fome em meio de fartura — ou seja, são banhadas por um sangue riquíssimo em glicose, sua principal fonte de energia. Mas, por ironia, não conseguem absorver o nutriente, porque os portões de suas membranas permanecem fechados. A chave capaz de abri-los foi perdida para sempre ou não se encaixa mais direito. Trata-se do hormônio insulina, que parou de ser produzido pelo pâncreas, no caso de quem sofre do chamado diabete tipo 1 ou juvenil. Ou, então, a insulina continua sendo secretada por essa imensa glândula, situada transversalmente no abdome superior, mas suas moléculas tornaram-se defeituosas e não conseguem mais cumprir perfeitamente sua tarefa. Isto ocorre no diabete tipo 2 ou senil . Na realidade, as duas formas do distúrbio, quando mal controladas, podem ter conseqüências fatais.Por Lúcia Helena de Oliveira

A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o diabete como a terceira principal causa de morte em todo o mundo. A primeira são os problemas cardiovasculares e a segunda, o câncer. No entanto, a OMS poderá rever, ainda este ano, essa colocação. Pois a maioria dos diabéticos descuidados ou que não sabem estar doentes morrem por causa de infartos e derrames cerebrais, engrossando as estatísticas dessas moléstias. “Portanto, é provável que muitas das vítimas de doenças cardíacas, que são as primeiras colocadas, tenham na realidade morrido de diabete. O infarto seria apenas um mal decorrente do controle inadequado”, exemplifica o endocrinologista Fadlo Fraige Filho, médico do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Atual presidente da Associação Nacional de Assistência ao Diabético (ANAD), Fraige Filho revela que, no Brasil, 8% da população é diabética: “É muita, muita gente”, diz ele, em tom preocupado. De fato, são em torno de 11 750 000 pessoas. Dessas, cerca de dois terços — ou seja, um exército de quase 7 834 000 brasileiros — desconhecem a ameaça. Não desconfiam que estão doentes.

“O diabete é mesmo silencioso”, explica Fraige Filho. “Não dói, não provoca reações estranhas. Estudos recém-publicados mostram que, quando a pessoa nota algo de errado, o problema já tem, em média, sete anos de evolução.” Durante esse período, as células beta do pâncreas, produtoras da insulina, foram paulatinamente arrasadas pelo sistema imunológico e o embrião de algumas complicações decorrentes desse ataque também já surgiu. Aliás, complicação é uma palavra que vira-e-mexe se pronuncia, ao se falar em diabete. Este é o que os médicos chamam de síndrome: em vez de uma doença única, trata-se de um conjunto de encrencas, pipocando em todo canto do organismo. Alto, forte, de bigodes, o presidente da ANAD, há mais de dez anos, não mede esforços para alertar as pessoas. Seu alvo são, principalmente, filhos, irmãos e netos de diabéticos, que deveriam fazer até dois exames de sangue anuais, para confirmar se herdaram ou não a doença. Fraige Filho caminha até a sala vizinha ao consultório — um ambiente meio local de exames, meio biblioteca, em que a cama para pacientes se encontra cercada de prateleiras de livros. Ali, seleciona alguns volumes. Experiente, abre nas páginas certas e inicia uma longa aula sobre como a glicose acumulada no sangue vai provocando graves problemas. Isso, bem entendido, apenas no caso dos diabéticos que não controlam a sua saúde. “O diabete é peculiar, à medida que a vítima pode definir o seu destino”, diz o médico. E aponta:

•O coração do diabético desleixado padece porque a pessoa apresenta uma tendência muito maior para formar os temidos ateromas, placas endurecidas, nas paredes dos grandes vasos sangüíneos, aumentando a chance de infartos.

•Os nervos acabam danificados. Parte da glicose retida no sangue se transforma em sorbitol, uma espécie de álcool tremendamente irritante para as terminações nervosas. Daí, a pessoa pode ter reações que vão desde a impotência sexual a paralisias faciais e dificuldades motoras.

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•As paredes dos pequenos vasos, por sua vez, vão ficando mais e mais espessas, diminuindo o espaço interno para o sangue fluir. Isso somado aos danos nos nervos torna os pés um ponto frágil. Eles costumam formigar e perder a sensibilidade — deixam de perceber dor ou calor. Por isso, machucam-se ou sofrem queimaduras com facilidade. E, quando isso acontece, a parca irrigação sangüínea não transporta matéria-prima o bastante para cicatrizar os tecidos. As feridas ficam muito tempo abertas. Resultado: 90% dos casos de amputação, devido a gangrenas, são de diabéticos.

•Os rins dos diabéticos são outro caso sério. As membranas dos glomérulos, que funcionam como minúsculos filtros de sangue, também vão engrossando. Pouco a pouco, então, os rins perdem sua capacidade de trabalho. O líquido e substâncias que seriam eliminados na forma de urina começam a se acumular na corrente sangüínea, causando hipertensão arterial.

• O diabete é a principal causa de cegueira no mundo. Os microvasos que atravessam a retina, no fundo dos olhos, ficam enfraquecidos e, se a pressão sangüínea se eleva, acabam se rompendo. Forma-se um pontinho de sangue no local do derrame, que depois é coberto por um tecido de cicatriz. Ali, naquele ponto, não se enxerga. Com o passar do tempo, de pontinho em pontinho, aproximando-se entre si, a visão se torna turva. Até a pessoa ficar completamente cega.

Segundo Fraige Filho, essas complicações, que são as mais comuns, ocorrem em sete de cada dez diabéticos que não tomam os devidos cuidados para manter a glicemia normal, isto é, a quantidade de glicose adequada no sangue. Aqueles que se descuidam por desconhecer o seu problema são parentes de diabéticos, salvo raríssimas exceções. “Não é diabético quem quer, mas quem pode”, ensina o médico Leão Zagury, professor da Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro. “O diabete é herdado pelos genes”, explica. Mas filho de diabético nem sempre diabético é. “A pessoa nasce com a tendência, que pode ser disparada ou não por fatores ambientais.

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” Os gatilhos para o diabete têm, em comum, a péssima mania de sobrecarregar o pâncreas. Um delesé o estresse contínuo, estado em que as glândulas supra-renais, situadas sobre os rins, liberam superdoses de adrenalina. Este hormônio, que faz acelerar o coração, tem a capacidade de liberar no sangue a glicose estocada no fígado e nos músculos. Para compensar essa liberação, o pâncreas se esforça a fim de produzir quantidades extras de insulina. Algo semelhante ocorre na obesidade: quanto mais gordura no organismo, mais insulina ele necessita, levando o pâncreas à fadiga. Certas infecções também disparam o diabete. Outro exemplo, ainda, é o de mulheres que passaram por multiplas gestações: o aumento da massa corporal, em cada gravidez, foi acompanhado pelo pâncreas, que aumentou suas secreções de insulina, na mesma proporção. “Existem mulheres que desenvolvem o que chamamos de diabete gestacional”, explica Zagury. “Seu organismo fica diabético, enquanto espera o filho. Depois do parto, porém, a produção de insulina volta ao normal.”

Durante os nove meses de gravidez, essa diabética temporária deve tomar os mesmos cuidados de uma pessoa com diabete tipo 1 ou 2. “A saúde dessa gente é apoiada em um tripé: dieta, exercícios e medicamentos”, diz Zagury. “Com isso, é possível evitar todas aquelas doenças provocadas pela taxa de glicose elevada.” O cardápio de um diabético só não dá direito à sacarose — em outras palavras, mel, açúcar branco e açúcar mascavo. “A sacarose se transforma rapidamente em glicose no organismo”, justifica o especialista. Apesar da avalanche de produtos dietéticos nas gôndolas dos supermercados, o diabético ainda não é um consumidor bem atendido. Alguns desses produtos, ditos diets, contêm menos gorduras, mas não estão isentos de açúcar. Servem apenas para regimes de emagrecimento. Afora situações em que o diabético fica sem opção — as gentis aeromoças, por exemplo, sempre oferecem um cafézinho já adoçado, após a refeição a bordo.

Estudos recentes apontam que uma colherzinha ou outra de açúcar, de vez em quando, não faz mal ao organismo do diabético bem comportado, que vive controlando a sua glicemia. “Acho, porém, que dar uma pequena mordida em um doce, e ter de parar por ali, provoca mais frustração do que prazer. Por isso, não compensa”, opina Zagury. Não quer dizer que o diabético viva sem açúcares: ele pode usar e abusar da frutose, que adocica as frutas. Especialmente, antes das sessões de ginástica, recomendadas pelos médicos: “Os exercícios são a insulina dos pobres”, brinca Zagury. “A atividade física tem o mesmíssimo efeito desse hormônio. Isto é, por causa de uma série de substâncias liberadas durante a ginástica, os receptores das células se abrem para a entrada da glicose que estava no sangue.”

O terceiro e último mecanismo de controle são os comprimidos que incrementam a atividade do pâncreas — usados no diabete tipo 2 — e as injeções de insulina. Zagury se recorda da avó, dona Sarah, que era diabética. Menino, ele aprendeu o jeito certo de aplicar as injeções do hormônio, só de observar a matriarca da família, que vivia em Macapá, capital do Amapá. “Vim para o Rio de Janeiro para estudar Medicina, que era a vontade do meu pai”, conta. “Desde que me formei, há 25 anos, me dedico aos diabéticos, talvez por influência dessa avó querida.” Endocrinologista, ele defende, com unhas e dentes, que o tratamento do diabete merece se tornar especialidade médica: “Na Argentina e nos Estados Unidos, por exemplo, já existe o diabetólogo. Nada mais adequado, porque o médico que atende um diabético deve entender de cardiologia, dermatologia e uma série de outras áreas, para analisar as possíveis complicações. Enfim, não basta ser um expert em glândulas e hormônios.”

Junto com a mulher, a pedagoga Tania, de quem é fã incondicional, Zagury escreveu, há dez anos, um livro para orientar seus pacientes: “Eles precisam conhecer tudo o que se passa com o seu organismo, para entender a importância da disciplina”, postula. O cotidiano de um diabético não é simples. Ele toma, no mínimo, quatro picadas por dia: duas para medir a glicose no sangue e duas para injetar insulina. “Felizmente, nos últimos cinco anos, vêm surgindo agulhas de espessuras cada vez mais finas, praticamente indolores”, comenta Zagury.

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Mas o melhor motivo para se comemorar é a divulgação, em novembro do ano passado, de uma colossal pesquisa sobre o controle da doença, patrocinado pelo Instituto Nacional do Diabete, nos Estados Unidos. O chamado DCCT (sigla em inglês para “estudo de complicações clínicas do diabete”), acompanhou mais de 1 500 diabéticos durante nove anos. Os voluntários adotaram uma disciplina rigorosíssima. Tinham de medir a glicose do sangue, seis vezes por dia. O resultado, animador, é que esse controle praticamente elimina o aparecimento de complicações. A incidência de cegueira diminuiu 76%.

“De certo ponto de vista, as injeções de insulina nunca substituíram a função do pâncreas normal”, explica o infectologista mineiro Marco Antonio Vitória, assessor médico da Biobrás, empresa produtora do hormônio. “A glândula, afinal, está sempre dosando a glicose no sangue, graças a receptores especiais. E assim regula uma quantidade adequada de insulina para cada instante. Já a injeção contém sempre aquela mesma dose prescrita pelo médico, não importando o momento.” Até a publicação do DCCT, os especialistas costumavam receitar somente duas injeções diárias — uma pela manhã e outra à tardinha ou à noite. Agora, eles podem mudar de opinião. Em geral, o diabético utiliza um coquetel, misturando insulina regular e de ação prolongada. A primeira, de ação rápida, começa a fazer efeito cerca de meia hora depois da aplicação, sendo indicada antes das refeições. Já a insulina de ação prolongada serve para manter uma boa média de glicemia, no decorrer do dia. “Essa é a questão: antes a gente acreditava que bastava o diabético ter uma taxa de glicose próxima da normal”, diz Vitória. “Agora, sabemos que o melhor mesmo é manter a taxa normal. Para isso, é preciso analisar o sangue várias vezes por dia. E, de acordo com esses resultados, ir aplicando doses pequenas de insulina, adequadas para aquele instante. ”

Os cientistas ainda buscam formulações de insulina que dispensem a seringa — por enquanto, não tiveram muito sucesso. O hormônio não pode ser ingerido, por exemplo, porque seria aniquilado no estômago, órgão especializado em picotar moléculas de proteína. A mucosa do intestino, por sua vez, é capaz de variar a absorção dessa substância, conforme as circunstâncias — e como a insulina precisa ser administrada numa quantidade exata, a idéia dos supositórios terminou descartada. O projeto mais promissor é o da insulina nasal. “As primeiras experiências não foram boas, porque os cílios, encarregados de varrer impurezas que entram pelo nariz, terminavam expulsando as moléculas de insulina, com seus movimentos”, explica Vitória. “Mas, agora, os pesquisadores querem dar um jeito de combinar o hormônio com alguma substância que possa paralisar esses cílios por alguns instantes.”

Outra linha de pesquisa procura desenvolver pâncreas artificiais. Alguns diabéticos nos Estados Unidos e na Europa experimentam um equipamento, do tamanho de um rádio de pilhas, preso na barriga, na altura da cintura. Uma agulha retira amostras de sangue para verificar a glicemia; outra, então, injeta a insulina, em dose sob medida. “O problema é que essas agulhas, às vezes, entopem”, aponta Vitória. Uma cirurgia de transplante de pâncreas, de seu lado, não resolveria o problema do diabético — seu sistema imunológico continuaria atacando o órgão novo e a doença voltaria depois de certo tempo.

Mas cientistas americanos tentam uma alternativa: o chamado pâncreas bio-híbrido. Eles rechearam um tubo com células beta. Só que o revestimento, uma membrana semipermeável, permite a passagem da glicose e impede a entrada das vorazes células imunológicas. Assim, as células beta ficam protegidas e conseguem liberar insulina. Os especialistas, porém, consideram a criação de exames preventivos tão importante quanto o surgimento de um pâncreas artificial. Nesse sentido, o diabete tirou proveita da pesquisa da Aids. A melhor compreensão do sistema imunológico tem conduzido à identificação de marcadores — substâncias que, uma vez encontradas no sangue, denunciam o início sorrateiro da doença.

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Para saber mais:

Sob o regime dos hormônios

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(SUPER número 2, ano 3)

Ai, que sede!

(SUPER número 9, ano 6)

A fórmula do corpo

(SUPER número 7, ano 10)

Sinais de alerta

Se o pâncreas não produz insulina em quantidade suficiente ou se, por algum motivo, esse hormônio deixa de atuar direito, surgem os sintomas do diabete:

Vontade freqüente de urinar: quando há mais de 170 miligramas de glicose por decilitro de sangue — o que é um grande acúmulo —,os rins passam a trabalhar dobrado. Tentam retirar esse excesso pela urina.

Sede exagerada: para produzir mais e mais urina, os rins começam a extrair água de todos os tecidos do corpo. O líquido precisa ser reposto nesse organismo ameaçado de desidratação. Por isso, o cérebro aciona a sensação de sede.

Aumento de apetite: o cérebro também dispara a fome, estimulando a pessoa a comer. Nota que falta energia para as células, como se a pessoa estivesse em inanição. Na verdade, fonte de energia é que não falta, ou seja, glicose. Mas a substância está retida no sangue e isso o sistema nervoso não percebe.

Cansaço constante: se, no final das contas, apesar de fazer todas as refeições a que tem direito, o organismo não consegue usufruir adequadamente a energia dos alimentos, é natural que a pessoa mostre sinais de fadiga, como sonolência e dificuldade de prestar atenção.

Infecções de pele: as células do sistema imunológico ressentem-se da diminuição de energia e perdem sua eficiência. A pele, como está exposta a todo tipo de germe, é uma das primeiras a sofrer com a queda das defesas, apresentando micoses e furúnculos. Eventuais feridas também demoram mais para fechar, porque o sangue transporta menos substâncias cicatrizantes.

Distúrbios de pressão: a pressão sangüínea pode se comportar como uma gangorra. Ora se eleva, pelo excesso de glicose diluída no sangue. Ora despenca, porque o volume maior de urina seqüestra, carregando para fora do corpo, uma série de sais minerais, importantes para manter a pressão em níveis mínimos aceitáveis.

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