E se os mongóis tivessem conquistado a Europa?
Na vida real, o império fundado por Gengis Khan chegou às portas de Viena. Se eles tivessem atravessado, teriam precipitado o fim do feudalismo na Europa.
Primeiro, vamos tirar da cabeça o que você provavelmente está pensando: gente falando mongol em Lisboa ou Londres. Não era assim que os mongóis trabalhavam. Massacrar os povos que resistiam era uma estratégia para incentivar a rendição pacífica de outros povos. Terror psicológico.
Porém, uma vez no controle de um território, Gengis Khan valorizava o comércio e não impunha sua cultura ou religião. Pelo contrário: era tolerante com budistas, islâmicos e cristãos, e oferecia descontos nos impostos para os clérigos das províncias recém-anexadas – em troca de que eles acalmassem o povo na entrega do poder político.
Às vezes, os próprios mongóis se adaptavam às tradições locais. Na China, formaram a Dinastia Yuan (1271 – 1368), que foi rejeitada por outros mongóis por ter se tornado chinesa demais. No Oriente Próximo – região que corresponde aos atuais Irã, Iraque e Levante –, a conversão dos mongóis locais ao islamismo levou à fundação do Ilcanato (1256 – 1353). Esses exemplos ilustram que as transformações impostas pelos mongóis eram muito mais de ordem política que cultural.
Na vida real, os mongóis desistiram da Europa em grande parte por dificuldades táticas e logísticas. Cercos a cidades muradas e castelos – que eram o cerne das defesas europeias medievais – são uma forma duradoura e custosa de invasão, e é difícil manter a linha de frente abastecida quando a capital do seu império fica em outro continente. Além disso, tamanho investimento não traria tanto retorno econômico – havia terras com mais potencial bem mais próximas da terra natal dos mongóis.
Mas suponhamos que Khan e cia. fossem pacientes. Ou que uma série de massacres convencesse os nobres da porção oeste da Europa a capitular. Não seria impossível. Afinal, as hordas asiáticas da vida real avançaram razoavelmente fundo no leste do continente. Em 1240, os mongóis bateram na porta de Kiev, atual capital da Ucrânia, e mataram 48 mil de 50 mil habitantes, erguendo uma pirâmide de caveiras. Parece motivo suficiente para se render. Em 1241, chegaram às portas de Viena. Mas foram rechaçados.
Se os mongóis tivessem insistido, a conquista total da Europa precisaria se concretizar idealmente antes de 1259, quando o Império Mongol começou a se fragmentar. Seriam 19 anos entre o cerco de Kiev e a dominação total. Tempo suficiente.
Caso avançassem, diga-se, os mongóis resolveriam alguns problemas europeus.
Por exemplo: em 1240, o Sacro Império Romano-Germânico – maior entidade política do continente, localizada num território que corresponde hoje a Alemanha, Itália e seus vizinhos – era governado pelo anticristo. Ou pelo menos foi assim que o papa Gregório 9º chamou o imperador Frederico 2º. Invocado com o Vaticano, esse arremedo de Júlio Cesar chegou a sitiar Roma em 1243 para tentar conquistar a única faixinha de terra da Itália que estava sob domínio do Vaticano, e não dele. O rolo compressor mongol daria um jeito indelicado na briga.
Enquanto isso, Portugal e os reinos espanhóis de Leão, Castela e Aragão teriam reforços em sua luta contra os mouros. O Império Bizantino, dominado por invasores italianos da Quarta Cruzada, possivelmente retornaria às mãos dos gregos (que ganhariam o território de volta sob a condição de serem vassalos dos mongóis, naturalmente).
Saciados e sem ter mais para onde avançar, os mongóis mandariam por um tempo, criando uma Pax Mongolica na Europa. Em 1259, o Império Mongol se quebraria em impérios-filhos, como ocorreu na vida real. A sucursal europeia acabaria não só preservando o cristianismo como reunificando-o, escolhendo entre Roma ou Constantinopla, ortodoxia ou catolicismo.
Na parte tecnológica, a Europa ganharia acesso ao correio mongol, que alternava mensageiros e cavalos 24 horas por dia para transportar cartas por toda a Eurásia. Era a fibra ótica das telecomunicações medievais. Ela daria à Europa – até então isolada pelo feudalismo – acesso à ciência oriental, que estava em um momento próspero.
Governos mongóis, de qualquer forma, não duravam muito. Os dois Estados mais organizados deles, a Dinastia Yuan na China e o Ilcanato, persistiram por menos de um século. Seria improvável que a Europa ainda estivesse dominada na chegada da Peste Negra, em 1348 – que desembarcou no Mediterrâneo justamente por conta das rotas comerciais mongóis.
Caso a invasão mongol tivesse sido violenta e dizimado a população masculina, o baque demográfico da epidemia seria ainda maior do que foi. Porém, na hipótese de uma ocupação mais pacífica, uma Europa mongol encararia a Peste mais ou menos nas mesmas condições em que a Europa real encarou.
Com vantagem: um continente unificado sob os invasores não voltaria mais à colcha de retalhos do feudalismo, em que o poder era disputado por nobres esparsos, interligados por uma rede de suserania e vassalagem. Os povos europeus adotariam mais rapidamente o conceito de Estado-nação – na vida real, só Portugal era um país unificado e centralizado no século 14.
Mais de um século antes disso, teríamos o cenário armado para a concentração do poder por absolutistas, que se deu só no Renascimento – numa cadeia de eventos que, em última instância, levaria à Revolução Industrial.
Para as Grandes Navegações começarem um século adiantadas, faltaria só um estímulo: a queda de Constantinopla para os otomanos – que impediu o acesso dos cristãos ao comércio de especiarias com o Oriente e precipitou a busca de uma rota alternativa pelo mar. Assim, haveria alguma chance de a América ser encontrada antes, bem como as rotas que dão a volta na África. Tudo com europeus miscigenados a bordo.
A conquista mongol da Europa, enfim, faria a história inteira avançar um século, com tudo de bom e ruim que teria vindo a galope com os herdeiros de Gengis Khan.