Desconto de até 39% OFF na assinatura digital
Continua após publicidade

Em Pernambuco, tecnologia nacional está recuperando corais em extinção

Dispositivo desenvolvido por pesquisadores da UFPE permite cultivar espécies ameaçadas a partir de pequenos fragmentos que já estão 50% mortos – e então reinseri-los recuperados em seu habitat natural.

Por Carolina Fioratti
Atualizado em 5 fev 2021, 22h05 - Publicado em 5 fev 2021, 19h09

A praia de Porto de Galinhas, em Pernambuco, é um dos destinos mais cobiçados pelos brasileiros. Afinal, todo mundo quer dar uma olhadinha nas piscinas naturais e, claro, seus peixes e corais. O problema é que, no ritmo de degradação atual dessas paisagens submarinas, os turistas do futuro não terão nada para ver. Diversas espécies de corais da região se encontram ameaçadas de extinção. É o caso da Millepora alcicornis, conhecida popularmente como coral-de-fogo, cuja área de ocupação regrediu 80% em 2020. 

Pensando nisso, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveram uma tecnologia inédita, que permite pegar um pedacinho de coral que já está com 50% do tecido morto e cultivá-lo artificialmente para que ele se recupere.

A estrutura que você vê na foto é montada fora d’água, mas depois devolvida ao meio submarino para que os corais possam se desenvolver. É como se cada muda de coral crescesse em um vasinho. Assim, mesmo que a colônia inteira morra eventualmente, uam amostra de seu material genético será preservada, o que é essencial para manter a diversidade dentro da espécie – e permitir que ela reocupe seu habitat no futuro.

O dispositivo criado pelos cientistas é bem simples e barato. Trata-se de um pedaço de material biodegradável fabricado por impressora 3D com o formato exato para abrigar um pedaço de coral. O nome dessa peça, por abrigar uma mudinha, é berço. Depois, os berços são inseridos em uma estrutura maior, que fornece as condições ideais para esses cnidários prosperarem. 

Passados 90 dias, os cientistas avaliam se o cnidário já pode ser considerado adulto ou não. Em caso positivo, ele é devolvido para o meio ambiente. A fabricação de cada berço custa menos de R$ 1. A plataforma em que as mudinhas são encaixadas e cultivadas sai por cerca de R$ 35. 

Nenhum coral saudável é ferido para a coleta das amostras, claro: os biólogos pegam pedaços de coral que já estavam soltos das rochas em que se apoiam por uma série de motivos – como o impacto do casco de uma jangada ou dos pés de mergulhadores e turistas. Corais que estão esbranquiçados – uma consequência do aumento da temperatura do mar –, também podem ser recuperados com a tecnologia. 

Continua após a publicidade

Entre as vantagens da técnica, está o fato dos cientistas poderem controlar o desempenho do animal cultivado (sim, corais são animais) com métricas exatas – o que não era possível até então, quando muitos dos valores eram tirados no “olhômetro”. Além disso, há travas que permitem tirar os berços com os corais, transportá-los para outro lugar e reiniciar o cultivo. Como se fossem vasos de planta. Isso seria vantajoso em ilhas caribenhas, por exemplo, que são frequentemente atingidas por furacões.

A tecnologia é empregada pelo projeto Biofábrica de Corais, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Até agora, eles estão trabalhando duas espécies de corais, a Millepora alcicornis e Mussismilia harttii. A primeira foi escolhida porque, embora seja essencial para muitas espécies de peixes, teve sua preservação negligenciada e se degradou muito rápido: conforme mencionado no início do texto, 80% da população que estava sendo acompanhada pelos pesquisadores sofreu branqueamento ao longo do ano passado.

Já a M. harttii foi escolhida por ser a espécie em maior risco de extinção. Ela tem o formato de um buquê de flores. Conforme ocorre o branqueamento, se enfraquece e acaba tombando. O tal branqueamento acontece quando as algas unicelulares que fornecem alimento aos corais morrem graças ao aumenta da temperatura da água. Os corais, famintos, também padecem, e resta o esqueleto calcário esbranquiçado que lhes dá sustentação. 

Para completar a destruição, os pedaços caídos acabam sendo soterrados no leito do mar por causa de sedimentos que vêm da terra firme e se depositam no habitat marinho. Esses sedimentos não seriam um problema tão grande caso houvesse mata no litoral para evitar a erosão do solo, mas a mata, muitas vezes, também foi retirada. Em resumo: todos os elos do ecossistema foram afetados pela ação humana.

Continua após a publicidade

Felizmente, os resultados com a M. harttii são bem promissores. Em cerca de quatro meses, os pesquisadores conseguiram fazer os fragmentos crescerem 200% no sistema de cultivo. Rudã Fernandes, engenheiro de pesca e coordenador científico do projeto, explica: “Não adianta mais só deixar os corais caídos ou fechar áreas esperando que eles se recuperem. Por isso, de acordo com o que a equipe observa em campo, vamos desenvolvendo inúmeras ferramentas para tentar recuperar os corais ativamente. Essa é uma delas.”

Não basta manter o conhecimento apenas entre os pesquisadores, é claro. De acordo com Fernandes, todos os turistas e jangadeiros que frequentam a praia devem estar cientes dos esforços de preservaçao – e colaborar. “O litoral do Brasil é muito grande e o branqueamento vai ser cada vez mais recorrente com o aumento da temperatura da água. Não dá para nós, que somos pesquisadores, continuarmos dentro da caixa pensando que cinco ou dez alunos de biologia vão conseguir reverter um quadro global”.

O engenheiro explica que cerca de dois milhões de pessoas passam por Porto de Galinhas todos os anos. Caso a comunidade local seja instruída por pesquisadores, será possível oferecer passeios turísticos em que os visitantes poderão ajudar na recuperação dos corais – seja de forma passiva, aprendendo a não pisar nesses cnidários, seja de forma ativa, colocando as mudas nos berços. 

É o único jeito de frear a destruição desses ecossistemas fragéis, que está ocorrendo em um ritmo incontrolável. “Eu não sei como em um ano perdemos 80% da população de uma espécie”, diz Rudã. “Se isso acontecer de novo em 2021, a espécie será extinta. Chegou um momento em que temos que arregaçar as mangas e trabalhar efetivamente para tentar restaurar esses ecossistemas.” 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 6,00/mês

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 14,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.