Enigma de outro mundo
Se eles existem, onde estão? É essa a pergunta que norteia e angustia a exobiologia, ciência empenhada em encontrar outras civilizações perdidas no Universo. Saiba o que os exobiólogos já descobriram sobre a existência de vida fora da Terra.
Celso Miranda , Eduardo Dorneles Barcelos
“Através do golfo do espaço, mentes que estão para as nossas como as nossas estão para as feras da floresta, intelectos poderosos, frios e sem simpatia observavam esta Terra com olhos invejosos e lenta e inexoravelmente traçavam seus planos contra nós.” Assim H.G. Wells, o escritor britânico que forjou boa parte da ficção científica contemporânea, descreveu marcianos, em 1898, na abertura do clássico A Guerra dos Mundos. Pois a possibilidade de que não estejamos solitários no Universo enfim conquistou a ciência, que atualmente mobiliza um tremendo aparato de investigação na busca de formas de vida extraterrestre, inteligentes ou não, localizadas no sistema solar ou entre as estrelas. Essa pesquisa ganhou, com o passar dos anos, consistência e um nome próprio: exobiologia. E, embora ainda não tenha tido êxito em encontrar vida fora do nosso planeta, vem envolvendo um número cada vez maior de cientistas e instituições de pesquisa.
Considerando que nossa galáxia existe há muito tempo e que as civilizações tecnológicas podem estar por aí, Enrico Fermi, um dos mais importantes físicos do século passado, formulou a pergunta que angustia todos esses cientistas: “Se eles existem, onde estão?” Para responder a isso, muitos pesquisadores apostam na Busca por Inteligência Extraterrestre, conhecida por SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence). Os programas SETI rastreiam o Universo em busca da emissão de sinais de rádio de origem artificial.
Para Thomas McDonough, professor do California Institute of Technology, não recebemos nenhum sinal do espaço porque o tempo de pesquisa radiotelescópica ainda é ínfimo em proporção à magnitude do trabalho. “Nós procuramos por uma freqüência desconhecida, por um sinal de direção desconhecida e potência desconhecida”, diz. Ou seja: mesmo que os extraterrestres estivessem situados nas nossas vizinhanças, ainda assim o primeiro contato poderia demorar centenas de anos para ocorrer, devido à dificuldade de localizá-los.
A primeira dificuldade da exobiologia é definir o que estamos procurando. Quem aposta na SETI, por exemplo, procura por nossos duplos espaciais, culturas que desenvolveram tecnologias de comunicação interestelar. Então a resposta seria: buscamos vida inteligente. Pois é, a dificuldade já começa aí: precisamos saber o que é vida. Embora essa possa parecer uma questão banal, os cientistas ainda não conseguiram elaborar uma definição do fenômeno biológico de aceitação universal. Apesar da falta de consenso, alguns fenômenos caracterizam um ser vivo: a realização de metabolismo, a capacidade de se reproduzir e a existência de um limite que separa o organismo do meio circundante.
Além disso, a possibilidade de sofrer mutação e evoluir são definidoras da atividade biológica. Mesmo que a definição fosse suficiente, ainda restaria um grande problema. Conhecemos apenas um tipo de arranjo biológico, o nosso. Não sabemos se somos a manifestação local de um fenômeno universal ou apenas o produto casual de algo que assume as mais variadas naturezas em outros ambientes cósmicos.
Em nosso planeta, a vida desenvolveu-se a partir de água no estado líquido e de compostos químicos baseados no carbono. Seria isso um acaso ou a base de um fenômeno universal? Será mera casualidade que a biota (conjunto de sistemas vivos) esteja fundamentada em um meio aquoso e as moléculas, no carbono? Talvez não. A astronomia e a química já determinaram que a água é uma molécula largamente distribuída no Universo e que o carbono tem uma grande capacidade de ligação com outros átomos, permitindo a formação de extensas e complexas cadeias moleculares. Por isso, a maioria dos exobiólogos acredita que o padrão biológico daqui é universal e será encontrado em outros mundos.
No entanto, é bom que se diga, a possível identidade química com outra forma de vida não implica uma aparência nem remotamente semelhante. Como as mutações não seguem um plano, as formas de vida extraterrestre podem ser bem diferentes da nossa. Mas não é impossível que, em outros planetas, a vida tenha surgido e evoluído de maneira completamente distinta, o que abriria um extenso leque de possibilidades. Condições ambientais hoje consideradas proibitivas para a vida terrestre podem representar um lar perfeitamente confortável para alienígenas. Nesse caso, a busca dos extraterrestres seria extremamente facilitada, pois não mais precisaríamos nos ater a “clones” da Terra.
Extra, extra: fizemos contato!
Como acontece muitas vezes na ciência, as idéias geradas pelos teóricos são o material a partir do qual os pesquisadores experimentais vão a campo, em busca da sua comprovação ou rejeição. Na história da exobiologia, o conceito da SETI também precedeu a prática, embora por pouco tempo. Em 1959, os físicos Giuseppe Cocconi e Philip Morrison publicaram um artigo na prestigiosa revista Nature em que propunham a busca de comunicação interestelar. Com base na possibilidade de que existam sociedades tecnológicas em outros mundos, imaginaram que estas, um dia, acabariam por desenvolver equipamentos de rádio e tentariam a comunicação com seus “primos” da galáxia.
Um ano depois, o jovem astrônomo Frank Drake coordenou a primeira busca de sinais de rádio de origem inteligente. Drake observou duas estrelas próximas parecidas com o Sol, Tau Ceti e Epsilon Eridani, por 400 horas. Recebeu alguns pulsos regulares, mas logo ficou claro que se tratava de um avião. Foi o primeiro dos chamados “falsos alarmes”. Cinco anos depois, cientistas soviéticos sugeriram que uma singular fonte de rádio seria produto da atividade de uma supercivilização alienígena, em virtude de variações regulares de suas emissões. Descobriu-se que eram quasares, galáxias produtoras de quantidades prodigiosas de energia. Outro episódio de confusão ocorreu em 1967, quando foram descobertos os pulsares, estrelas cuja regularidade na emissão de energia é assombrosa e aparentemente artificial. Na ocasião, o astrônomo Anthony Hewish disse que “alguma mensagem de seres extraterrestres seria a mais simples explicação”.
Em 1974, o princípio da SETI começou a ser utilizado em sentido contrário. Naquele ano, o radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, enviou pela primeira vez um pulso intencional de rádio para contato com uma inteligência extraterrestre. Devido à distância até o aglomerado globular visado, o de M13, localizado na constelação de Hércules, só teremos resposta (se tivermos, é claro) em 2024. O sinal de rádio, composto de 1 679 caracteres, demorou apenas três minutos para ser remetido ao espaço. Se devidamente decifrado, uma inteligência extraterrestre encontraria informações como a população da Terra, um esquema do sistema solar e a composição do DNA. A mensagem de Arecibo não foi, no entanto, a primeira evidência eletromagnética da nossa existência, pois constantemente escapam para o espaço ondas de rádio, televisão e sinais de radar que permitiriam a uma tecnologia assemelhada perceber nossa presença.
Sondando planetas
Mas a exobiologia não está 100% atrelada à SETI. As sondas Pioneer 10 e 11 e as Voyager 1 e 2 exploraram o sistema solar e agora estão a caminho do desconhecido (veja infográfico na página à esquerda). As quatro carregam em suas fuselagens mensagens que, se capturadas por alienígenas inteligentes, vão revelar detalhes da humanidade (veja acima). Outro campo de pesquisas que vem dando uma mãozinha para a exobiologia é a astronomia, que vive à cata de planetas orbitando outras estrelas, os chamados planetas extra-solares ou exoplanetas. Da década de 1990 até março de 2003, já foram revelados 91 sistemas planetários extra-solares, com 105 planetas. Até agora, a maior parte dos corpos descobertos é constituída por planetas gigantes, com massas superiores à de Júpiter, o maior do nosso sistema. Mas isso talvez se deva à limitação de nossas técnicas de detecção. Em pouco tempo, deve-se iniciar a diligência mais importante para a exobiologia: a detecção de planetas de dimensões comparáveis à da Terra.
O futuro, nessa área, já tem data para ocorrer. A Nasa está desenvolvendo o telescópio espacial James Webb, o sucessor do Hubble, que deverá ser inserido em uma órbita situada a mais de 1 milhão de quilômetros da Terra em 2011. Programada para 2009, a Space Interferometry Mission será um observatório orbital destinado à obtenção de dados extremamente precisos sobre posições e movimentos estelares. Com esse equipamento será possível analisar 100 estrelas próximas e descobrir planetas em suas órbitas.
A maior parte dos exoplanetas registrados situa-se fora da zona de habitabilidade da sua estrela, onde a água líquida pode subsistir na superfície e, assim, propiciar condições para o surgimento e a evolução da vida. Em alguns casos, como o de 51 Pegasi b, o planeta apresenta um reduzido período de translação, o que significa que está muito próximo da estrela. Tão perto – ao redor de 7 milhões de quilômetros – que sua localização causou um choque nos astrônomos, surpreendidos ao encontrar planetas imensos quase colados em suas estrelas. Uma promissora exceção ocorre em 55 Cancri, que apresenta algumas características similares à do sistema solar, sendo, assim, um bom candidato para estudos exobiológicos.
Se as recente descobertas trazem novos e promissores candidatos a abrigarem vida, outro forte postulante já é nosso conhecido há séculos. Imagens da finada sonda Galileo (que mergulhou para a destruição em Júpiter há três meses) revelaram que Europa, lua de Júpiter, poderia ter um oceano escondido pela camada de gelo que a envolve. Influenciado pelos efeitos de maré do planeta e dos outros satélites, o oceano poderia conter áreas suficientemente quentes para o desenvolvimento de formas primitivas de vida, sendo um dos mais promissores sítios para futuras pesquisas.
Segundo maior satélite do sistema solar, Titã é outro objeto fascinante investigado pelos cientistas planetários. Permanentemente encoberto por uma atmosfera alaranjada rica em compostos orgânicos, essa lua saturniana talvez mimetize as condições que existiam na Terra primitiva. Apesar de inadequado para a vida, pois em sua superfície a temperatura é de 180 °C negativos, Titã pode abrigar surpreendentes oceanos de etano e chuvas de metano. Seu estudo in loco pela sonda Huygens, em 2005, poderá fornecer pistas importantes sobre a formação de complexas cadeias moleculares e a evolução pré-biótica. Lançada em 1997, ela está, agora, em pleno vôo na direção do planeta dos anéis, tendo a chegada prevista para o ano que vem.
Na rota de marte
Enquanto isso, vamos explorando nas vizinhanças. E não é que os vizinhos têm reservado supresas para os exobiologistas? Depois da conquista da Lua, nos anos 60, Marte tornou-se o local predileto para a busca de vida. Em 1976, sondas da missão Viking desceram no planeta vermelho. Os experimentos biológicos eram os mais aguardados. Amostras do solo foram testadas e os resultados só revelaram reações químicas abióticas. Ou seja, nem sinal de vida. Máquinas soviéticas visitaram a superfície do planeta em 1971 e 1988. Os resultados de suas pesquisas ficariam por muito tempo obscuros e só agora começam a ser conhecidos. Em 1997, após 21 anos de interrupção da exploração direta de Marte, os americanos pousaram a Mars Pathfinder no planeta. Reuniram algumas pedras e fizeram uma baita publicidade, mas não encontraram nada de novo.
Quando todos pensavam em desistir, Marte aprontou uma surpresa. Em 1996, o presidente americano Bill Clinton anunciou que haviam sido encontrados sinais de vida em um meteorito de origem marciana, o ALH84001. As três letras da sigla referem-se ao local onde ele foi encontrado, na região de Alan Hills, Antártida, e o número significa ter sido o primeiro encontrado no ano de 1984. Para os exobiólogos americanos, as estruturas encontradas no interior do meteorito “poderiam ser remanescentes fósseis de uma antiga biota marciana”. Teria havido vida em Marte há cerca de 3,6 bilhões de anos!
As evidências bióticas do meteorito seriam a presença de carbonatos, de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, magnetita e de nanofósseis (menores que qualquer fóssil terrestre). Mesmo que cada uma delas admita, separadamente, uma explicação inorgânica, sua reunião no interior do ALH84001 é considerada, por alguns pesquisadores, um forte indicador de origem biológica. Mas a comunidade científica encontra-se, até hoje, dividida sobre o pedregulho. Em seguida ao anúncio, laboratórios independentes chegaram a resultados diferentes: uns acham que os indícios se referem a vestígios inorgânicos, outros que a contaminação por bactéria se deu já em solo terráqueo. E o caso continua inconcluso.
A última de Marte chegou até nós pela sonda americana Mars Odissey, lançada em 2001, que comprovou a existência de vastas quantidades de água ao redor do pólo sul do planeta, 1 metro abaixo da superfície. Misturados ao solo, os depósitos marcianos reforçam as suspeitas de que ali houve um passado molhado, com água fluindo na superfície. Enfim, uma boa notícia para os exobiólogos. Atualmente, a Odissey e a Mars Global Surveyor estão em órbita, funcionando plenamente e transmitindo imagens e dados. Essas informações têm sido fundamentais para melhor compreendermos a evolução climática e a possibilidade de o planeta ter abrigado vida.
A próxima missão a ser lançada tem o objetivo de colocar em Marte mais dois robôs móveis. Com chegada prevista para janeiro de 2004, os Mars Exploration Rovers 1 e 2 poderão se deslocar até 100 metros a cada dia marciano, o que equivale a 24 horas e 37 minutos terráqueos. Independentes do módulo de aterrissagem, eles estabelecerão contato direto com a Terra. Seus cinco instrumentos serão utilizados, entre outras funções, para a detecção de sinais da água líquida que deve ter percorrido a superfície do planeta, escavando longos canais. Para 2009, a Nasa estuda o lançamento de um laboratório científico móvel, um poderoso veículo capaz de atingir áreas de difícil acesso. Ele será o predecessor da primeira missão de retorno de amostras de Marte, esta sim decisiva para a realização de um estudo detalhado e extenso do solo e de resquícios de formas de vida presentes ou já extintas.
A proximidade de vida em Marte esquenta uma outra teoria dos exobiólogos. Carl Sagan, muito antes do ALH84001, sugeriu que, “se descobríssemos vida em Marte e verificássemos que é semelhante à da Terra, a proposição de que a vida foi transferida há muito tempo pelo espaço interplanetário teria de ser levada a sério”. Esse cenário poderia nos levar a uma conclusão chocante: a de que nós somos os marcianos. A evolução na Terra poderia ter sido desencadeada pelo desembarque de rochas marcianas contendo os germes da vida. Depois de tanto tempo e tantas discussões, talvez baste uma simples olhada no espelho para descobrir um extraterrestre.
Sondas nas estrelas
Esses aparelhos investigaram o sistema solar e agora rumam ao desconhecido
Pioneer 11
Lançada em 5/4/1973, fotografou novas luas e anéis de Saturno
Distância atual: 9 bilhões de km do Sol
Velocidade: 11,8 km/s
Destino: estrela Lambda Aquilae, na constelação de Águia
Tempo estimado: 4 milhões de anos
Voyager 2
Lançada em 20/8/1977, descobriu dez luas em Urano e duas em Netuno
Distância atual: 10,7 bilhões de km do Sol
Velocidade: 15,7 km/s
Destino: estrela Sirius, na constelação de Cão Maior
Tempo estimado: 296 mil anos
Voyager 1
Lançada em 5/9/1977, descobriu duas luas em Júpiter e três em Saturno
Distância atual: 13,4 bilhões de km do Sol
Velocidade: 17,2 km/s
Destino: estrela AC+ 79 3888, na constelação da Girafa
Tempo estimado: 40 mil anos
Pioneer 10
Lançada em 2/3/1972, passou pelo cinturão de asteróides e fez as primeiras fotos próximas de Júpiter
Distância atual: 12,6 bilhões de km do Sol
Velocidade: 12,2 km/s
Destino: estrela Aldebaran, na constelação de Touro
Tempo estimado: 2 milhões de anos
Mensagem na garrafa
As quatro sondas enviadas ao infinito estão levando nossos cartões de visita
Ainda estamos muito distantes das façanhas de qualquer cruzador imperial de Guerra nas Estrelas, mas quatro aparelhos terrestres deverão desbravar o território misterioso que se estende além da heliopausa, a região limítrofe do sistema solar. Nossos primeiros engenhos interestelares são as Pioneer 10 e 11 e as Voyager 1 e 2 (veja infográfico à esquerda). Lançadas em 1972 e 1973, as sondas Pioneer 10 e 11 realizaram pela primeira vez o exame direto dos gigantes gasosos Júpiter e Saturno. As Voyager, de 1977, estudaram ainda Urano e Netuno. As Pioneer portam um cartão de visita para inteligências extraterrestres. É uma placa metálica com informações como a distância ao sistema solar de 14 estrelas, um desenho esquemático dos planetas e do Sol e uma representação do hidrogênio. As Voyager carregam um dispositivo muito mais bacana: um LP e uma agulha para tocar o disco (veja à direita). Para que os ETs conheçam as mensagens, as sondas devem ser capturadas no espaço: elas não resistiriam à entrada num planeta.
Manual de instruções
Cada Voyager leva um LP de cobre para os ETs. Na capa, reproduzida abaixo, o segredo para tocá-lo
O LP e a agulha vistos de cima e de lado mostram que o disco deve ser tocado de fora para dentro. Os tracinhos em volta são um código binário indicando o tempo de uma rotação (3,6 segundos). São 27 músicas (tem Johnny B. Goode, de Chuck Berry), a saudação “Paz e felicidade a todos” em 55 línguas (sim, em português também) e 21 sons da Terra (como chuva, tratores e um beijo)
Os três primeiros desenhos indicam como as fotografias devem ser “construídas” a partir dos sinais gravados no LP
Se a mensagem for decifrada corretamente, a primeira imagem que o disco vai revelar é esta: um círculo. Em seguida, aparecerão 115 fotos que mostram como somos e vivemos. Uma das cenas que os ETs verão, chamada “Lambendo, comendo e bebendo”, é esta aqui embaixo:
Representação do átomo de hidrogênio em dois estados. A transição de um estado para o outro fornece a unidade de tempo certa para se tocar o LP