Registros fósseis em cavernas de Minas mostram que o estado já teve mar
Pesquisadores da UFU e da Unifesp encontraram construções calcárias que indicam a existência de vida microbiana na região há 1 bilhão de anos.
A história geológica do planeta Terra pode facilmente ser comparada à novela adolescente Malhação, da Globo. Nunca acaba, é dividida em diferentes fases, que são divididas em temporadas, as quais têm muitos episódios em que, uma hora ou outra, são apresentados alguns novos personagens.
O assunto é complexo, então, vale fechar um pouco a perspectiva: a novela deste texto se chama Pré-Cambriano – nome que se dá a tudo que aconteceu na história da Terra entre a origem do planeta, há 4,5 bilhões de anos, e o momento em que os animais se diversificaram e tomaram conta do planeta, a partir de 542 milhões de anos atrás. Ou seja: é um enredo de 4 bilhões de anos.
A novela pré-cambriana tem três temporadas, o Hadeano, o Arqueano e o Proterozoico. Vamos focar nesta última e considerar apenas a reta final – o Neoproterozoico –, que possui três episódios, chamados Toniano, Criogeniano e Ediacarano.
O Ediacarano, período compreendido entre 630 e 542 milhões de anos atrás, marca o início do surgimento de vida complexa na Terra. Se fosse uma Malhação, seria a de 2004, com a Vagabanda – não é onde tudo começou, mas foi quando as coisas começaram a ficar interessantes. Interessantes para seres multicelulares, é claro: não tiremos o mérito do que veio antes e permanece firme e forte até hoje, como as bactérias redutoras de sulfato, cianobactérias e arqueas, por exemplo.
Estudar as formas de vida dessa época é uma tarefa complicada. Nas rochas, as bactérias e outras criaturinhas unicelulares deixam como rastros apenas bolinhas e tracinhos minúsculos.
Tudo isso torna difícil distinguir o que é fóssil e o que não é. Para a alegria dos pesquisadores, há os estromatólitos. Os estromatólitos são rochas de origem biológica. Sabe as bactérias, cianobactérias e arqueas citadas anteriormente? Elas podem formar tapetes microbianos, que lembram um pouco musgo e se formam em áreas úmidas. Dependendo das condições da água em que vivem, os microrganismos destes tapetes podem induzir a precipitação e o acúmulo de carbonato de cálcio – levando à formação, com o passar do tempo, de um sólido pedregulho.
Os estromatólitos são como pequenos morrinhos e podem lembrar corais. Mas não confunda: o coral é o esqueleto de um ser vivo – já os estromatólitos são rochas que ficam para trás muito tempo após a morte dos seres que as formaram. Eles podem ser encontrados hoje, por exemplo, nas praias de Shark Bay (“baía do tubarão”), na Austrália, e também na Lagoa Salgada e na Lagoa Vermelha, no Rio de Janeiro.
Agora, a notícia: vestígios de estromatólitos foram encontrados em cavernas no município de Coromandel, em Minas Gerais. Quem encontrou essas rochas fossilizadas foram pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que fazem parte do Grupo Alto Paranaíba de Espeleologia (GAPE). Os cientistas estimam a idade dos fósseis por volta de um bilhão de anos (uma janela de tempo que aponta para o início do Neoproterozoico).
E o que isso significa? Os tapetes microbianos que originam os estromatólitos são como uma gelatina repleta de matéria orgânica. Sabe-se também que muitos daqueles seres multicelulares mais complexos que surgiram no Ediacarano, nosso último capítulo, se alimentavam dessa gororoba nutritiva de bactérias. Agora basta juntar as peças.
Ao mesmo tempo, os estromatólitos não se formavam em qualquer lugar. Eles são encontrados em ambientes com condições extremas para outros seres vivos sobreviverem, como lagoas hipersalinas. Os estromatólitos não só indicam que havia mar na região do Alto Paranaíba, como também podem dar informações sobre como essa massa de água presente no local se comportava durante o Pré-Cambriano.
Fernanda Quaglio, vice-coordenadora do projeto, traz alguns questionamentos que acompanham a descoberta: “Sabemos de ocorrências dessas rochas mais para o norte. Mas, nessa região, esses fósseis podem acrescentar informações sobre o mar que existia ali. Os estromatólitos indicam água rasa, porque o tapete microbiano precisa ter proximidade com a luz para poder fazer fotossíntese. Mas como era essa água? Havia ondas? Ocorreram ciclos climáticos importantes, por exemplo, com uma queda brusca ou subida do nível do mar?”.
O projeto conta com apoio da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). Além disso, a prefeitura de Coromandel também investiu na exploração. Grupos locais de apoio ao turismo, como o Cachoeiras e o Adjuntos de Coromandel, também têm apoiado o projeto.
De acordo com Fernanda, “o reconhecimento das instituições locais é muito importante para que possamos estudar e também dar um retorno para a população. Assim, eles poderão entender e valorizar o que tem ali: um patrimônio geológico, paleontológico e também com potencial turístico – desde que feito de forma sustentável”.
Infelizmente, a pesquisadora explica que é comum encontrar cavernas riscadas e depredadas pela ação humana. Ah, se todos os mineiros soubessem a história que aquelas paredes contam: o estado famoso por não ter praia, em um passado distante, já foi banhado pelo mar.