Ilhas Galápagos voltam ao palco principal da ciência
Agora é a vez dos cormorões, que ajudam a explicar porque certas espécies de aves desaprendem a voar.
Há quase 200 anos – já diria seu livro de biologia do ensino médio – o naturalista britânico Charles Darwin, a bordo do brigue HMS Beagle, desembarcou nas Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico. Observando os bicos dos tentilhões, pássaros típicos do local, teve uma das sacadas mais importantes da ciência: a Teoria da Evolução, explicada na obra A Origem das Espécies, de 1859.
O pesquisador, é claro, já saiu da vida para entrar na história (veja detalhes aqui). Mas a fama eterna e garantida não deixou o arquipélago – localizado a mil quilômetros da costa do Equador – com preguiça de inspirar novas gerações de cientistas: suas espécies únicas continuam gerando boas descobertas com frequência; a última delas publicada no periódico Science nesta semana.
Pesquisadores de universidades americanas descobriram por que pássaros chamados cormorões-de-Galápagos, típicos da região, são os únicos de sua família biológica com asas pequenas demais para voar. E a resposta está em um gene que, no ser humano, é responsável por uma série de graves doenças genéticas conhecidas genericamente como ciliopatias.
Acontece o seguinte: há 2 milhões de anos, o cormorão-de-Galápagos se tornou o único dos mais de 40 membros da família Phalacrocoracidae – entre eles o biguá, 100% brasileiro – que não consegue levantar voo. Suas pequenas asas ficam ótimas em vídeos fofos, e só.
Foi mais um capítulo exótico da seleção natural no arquipélago. Lá, a habilidade de voar não colabora muito com a sobrevivência: há poucos predadores, e esses animais conseguem a maior parte da comida de que precisam mergulhando nas águas rasas da costa. Com o tempo, pássaros pé no chão deixam mais descendentes que os que têm a cabeça nas nuvens.
Curiosos para saber qual alteração genética permitiu a mudança, Alejandro Burga e sua equipe falaram com a ecologista Patricia Parker, da Universidade de Missouri, que, graças a pesquisas anteriores, tinha mais de 2 mil amostras de material genético da espécie na geladeira.
Explicação rápida: esse é um caso curioso de pesquisa que não poderia ter sido feita de outra forma. Há muitos outros pássaros selvagens incapazes de voar – o avestruz e o emu são alguns dos exemplos mais famosos. Mas estudá-los não é muito frutífero, porque todos os seus parentes voadores já foram extintos. Sem comparar o DNA desses grandões com o material genético de um animal similar, mas com asas funcionais, fica difícil saber em qual gene específico ocorreu a mudança que os impediu de voar.
Cormorões voadores, por outro lado, estão muito bem, obrigado, e são comuns no mundo todo. Isso significa que há baldes de pássaros “normais” muito parecidos com os cormorões-de-Galápagos, cujo material genético pode ser usado como base de comparação para entendê-los melhor.
O truque deu certo. Descobriu-se que principal diferença entre eles e seus parentes é o gene Cux1, responsável pelo crescimento de estruturas chamadas cílios no exterior das células. Bactérias solitárias usam seus cílios para andar por aí, mas em seres vivos complexos como aves e mamíferos, eles assumem a função de “antenas”, que captam comandos químicos do resto do corpo – entre eles o que dá a ordem para o crescimento dos ossos.
No ser humano, como já mencionado, um bug no Cux1 e outros genes associados causa as ciliopatias – que vão da doença renal policística, relativamente comum, a certas formas mais raras de degeneração das retinas. Todas elas são resultado de má-formação: sem “antenas”, o corpo é incapaz de receber instruções e crescer da maneira correta. Nós pássaros, de maneira análoga, o problema nos cílios impede o crescimento completo das asas.
Esse seria um problema para a maior parte dos seres vivos: disfunções congênitas em geral diminuem as chances de sobrevivência de um espécime. Nas Galápagos, porém, os cormorões com asinhas de frango se deram bem, e viveram para contar a história – uma história da qual Darwin sem dúvida teria gostado.