Isolamento social da covid-19 amadureceu mais cérebros de meninas do que de meninos
Estudo revela envelhecimento cerebral acelerado em adolescentes durante a pandemia: meninas avançaram 4,2 anos, enquanto meninos apenas 1,4
A pandemia trouxe mudanças profundas para a vida de adolescentes em todo o mundo, afetando não apenas suas rotinas, mas também o desenvolvimento de seus cérebros.
É o que aponta um estudo publicado na última segunda (9) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Segundo ele, as meninas experimentaram um envelhecimento cerebral significativamente mais acelerado que os meninos durante o período de confinamento.
De acordo com os dados, enquanto o cérebro das meninas parecia 4,2 anos mais velho do que o esperado após a quarentena, o dos meninos apresentavam um avanço de apenas 1,4 anos (vale lembrar que o lockdown, entre fases mais e menos restritivas, durou não mais do que dois anos).
A equipe, liderada por cientistas da Universidade de Washington, buscou entender como o córtex cerebral normalmente fica mais fino ao longo da adolescência. Essa ligeira diminuição é um processo natural, ligado à maturação e à especialização do cérebro. Os pesquisadores acompanharam o desenvolvimento cerebral de 160 jovens, com idades entre 9 e 17 anos. Para isso, pegaram ressonâncias magnéticas (RM) que haviam sido feitas antes da covid e compararam com exames mais recentes.
A análise revelou um afinamento cortical acelerado nas áreas ligadas à cognição social e emocional, sendo mais pronunciado nas meninas. Vale lembrar que o afinamento do córtex não é obrigatoriamente ruim: para alguns especialistas, essa ocorrência é resultado do processo de amadurecimento, quando o cérebro otimiza suas ligações e aumenta sua eficiência.
Mas por que isso acontece mais nas meninas?
Existem algumas possíveis causas. Primeiro, é preciso considerar que garotas costumam amadurecer prematuramente em relação aos garotos (mais sobre isso adiante). Além disso, situações de estresse crônico também estão associadas a um amadurecimento cerebral acelerado. No entanto, os resultados sugerem que as interrupções causadas pela pandemia, como a falta de interação social, tiveram um impacto biológico significativo no cérebro feminino.
A pesquisa também destacou que ambos os sexos mostraram sinais de envelhecimento cerebral precoce em áreas relacionadas à visão, potencialmente afetando o processamento e identificação de rostos (foram dois anos olhando todo mundo com máscaras ou pela tela de um computador). Contudo, nas meninas, as alterações foram mais abrangentes, afetando regiões associadas à cognição social, como a interpretação de emoções e expressões faciais, habilidades-chave para a comunicação.
Ainda não está claro se essas mudanças terão impactos de longo prazo, mas o estudo levanta preocupações sobre possíveis efeitos na saúde mental e na capacidade de aprendizado dos adolescentes. Estudos anteriores já haviam associado o afinamento cortical precoce a adversidades na infância e ao aumento do risco de distúrbios neuropsiquiátricos. Além disso, pode levar à perda de flexibilidade cognitiva.
Os especialistas concordam que mais pesquisas são necessárias para entender as consequências dessas alterações e como elas podem influenciar o desempenho cognitivo no futuro. No entanto, o consenso é que o estresse e a solidão, intensificados pelo isolamento, deixaram uma marca duradoura nos adolescentes.
Por que as meninas amadurecem mais rápido?
Já se sabe que, em geral, as meninas amadurecem mais cedo que os meninos, tanto física quanto cognitivamente. Isso pode estar relacionado ao processo de reorganização das conexões cerebrais, que ocorre mais cedo nelas, especialmente durante a adolescência.
Uma teoria levantada pelo estudo para entender esse fenômeno é a “hipótese da aceleração do estresse”. De acordo com essa hipótese, altos níveis de estresse, como os vivenciados durante o confinamento, podem ter sido responsáveis pelo rápido amadurecimento.
Outro fator que pode explicar por que as meninas foram mais afetadas pela pandemia está relacionado ao papel crucial que os relacionamentos sociais desempenham na formação da identidade feminina.
A pesquisa indica também que as meninas costumam depender mais das interações com seus pares, o que é essencial para o seu desenvolvimento durante a adolescência. Elas criam uma certa “rede de apoio” estável, em que recebem e oferecem ajuda de suas iguais. Já para os meninos, “as relações com amigos são mais baseadas em atividades e companheirismo, enquanto as meninas tendem a buscar apoio emocional nessas conexões”, explicaram os autores.
Essa diferença pode ter tornado as meninas mais vulneráveis aos efeitos do isolamento, uma vez que as interações sociais foram severamente limitadas.