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Matemáticos querem criar dois novos numerais. E você teria que reaprender a contar.

Em vez de contar até dez, eles acreditam que deveríamos ir até doze. Isso implicaria uma mudança radical na aritmética do dia a dia – mas também poderia aliviar o trauma das aulas de matemática.

Por Maria Clara Rossini
16 out 2024, 12h00

Humanos não são muito bons com quantidades exatas. Uma experiência clássica de cognição numérica consiste em mostrar pontos em uma tela para uma pessoa e perguntar quantos ela vê, sem contá-los. Se houver um, dois ou três pontos, o participante responde de bate-pronto. A partir de quatro, a resposta já demora um pouco. E com números muito altos, como 40 ou 50 pontos, tudo que se pode fazer é estimar. Mesmo assim, os humanos desenvolveram uma matemática extremamente sofisticada. Tudo graças à nossa capacidade de usar símbolos para representar quantidades: 1, 2, 3…

Um problema dessa tática é que nossa memória não dá conta de lembrar de um símbolo diferente para cada quantidade (se decorar a tabuada já é difícil, imagine lembrar de um símbolo que represente especificamente a quantidade 278144). A solução é subdividir as quantidades grandes em quantidades menores. 

Geralmente agrupamos quantidades de dez em dez. É uma imposição do nosso sistema numérico, que tem dez algarismos: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Para representar quantidades maiores que nove, começamos a repeti-los: 10, 11, 12… Assim, retratamos qualquer valor como pacotinhos de dez. O número 40, por exemplo, consiste em quatro dezenas. Já o 560 são cinco dezenas de dezenas (uma centena) mais seis dezenas. Por isso, esse sistema é chamado de decimal, ou de base 10.

Poderíamos agrupar os números em pacotes de seis ou de oito. Mas escolhemos o dez por um acaso biológico: com exceção dos 0,01% polidáctilos que existem no mundo, nascemos com dez dedos nas mãos. Isso facilita a visualização de quantidades, principalmente quando estamos aprendendo a contar. Não é à toa que as palavras “dígito” e “digital” são tão parecidas: ambas derivam do latim digitus, que significa “dedo”.

Se fôssemos personagens de desenho animado, com apenas quatro dedos em cada mão, provavelmente contaríamos de oito em oito. Aprenderíamos na escola os algarismos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Como não haveria um símbolo específico para o número oito, ele seria representado por 10. A quantidade nove seria representada pelo símbolo 11 – e a quantidade dez, pelo símbolo 12. 

Ficariam “faltando” números na matemática? Não. As quantidades são algo que não muda, não importa em qual canto do Universo você esteja. Os numerais são só a maneira que escolhemos para falar e escrever sobre as quantidades – e isso, sim, pode mudar. Não importa se eu chamo os números “um”, “dois” e “três” de “Huguinho, Zezinho e Luisinho. O símbolo muda, a quantidade não.

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Ao longo da História, civilizações diferentes usaram outras bases numéricas. Os maias e astecas contavam de 20 em 20, provavelmente usando os dedos das mãos e dos pés. Já os babilônios e sumérios utilizavam um sistema de base 60, ou sexagesimal. Herdamos deles a contagem do tempo (60 minutos e 60 segundos) e a trigonometria (há 360 graus em um círculo, que é seis vezes 60).

Matematicamente, não há nada de especial no sistema de base 10 que justifique seu estrelato. Alguns matemáticos, de fato, argumentam que estamos vivendo uma “tirania do dez”. A Dozenal Society of America (ou Sociedade Dozenal da América) reúne pessoas que defendem uma mudança no nosso sistema numérico. Para eles, o mais lógico seria utilizar a base 12, também chamada de duodecimal, no dia a dia.

O fato de termos só cinco dedos em cada mão não seria um problema. Em vez de representar cada dedo como uma unidade, poderíamos usar o dedão para contar os gominhos – vulgo falanges – que existem nos quatro outros dedos. Isso totaliza 12 unidades em apenas uma mão, e é provavelmente um dos motivos pelos quais os babilônios usavam base 60, que é um múltiplo de 12. 

A Sociedade Dozenal argumenta que a base duodecimal facilitaria o aprendizado de matemática nas escolas, tornaria as tabuadas mais fáceis de decorar e eliminaria boa parte das dízimas periódicas (o terror dos vestibulandos). Mas, para isso, precisaríamos reeducar nossas mentes e aprender a contar de 12 em 12. 

Infográfico demonstrativo de do sistema duodecimal utilizando as mãos.
(Tiago Araújo/Superinteressante)

Contando ovos

Imagine que você trabalha em um supermercado e precisa conferir o estoque de ovos. Como você sabe, eles são vendidos às dúzias. Seu fornecedor entrega engradados de madeira que contêm 12 caixas de ovos cada. No porão do supermercado, esses engradados ficam organizados em pilhas de 12 antes de irem para as prateleiras. Caso o cliente encontre algum ovo quebrado dentro da caixa à venda, ele pode trocá-lo por outro ovo. Por isso, o mercado mantém uma caixa aberta com ovos avulsos para a reposição.

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Dada a maneira como o estoque está organizado, você acha que não faz sentido contar o total de ovos individualmente no porão. Então, você repassa ao seu supervisor a seguinte informação: “Temos 5 pilhas, 3 engradados, 7 caixas e 8 ovos avulsos no estoque”. Para agilizar a comunicação, você passa a escrever só as iniciais de cada conjunto: 5p 3e 7c 8o. 

Quando o chefe já se acostumou com a notação, ele nem precisa mais das letras: você escreve apenas 5378. Ele deduz o que cada número significa de acordo com sua posição. Caso um dos conjuntos tenha 10 ou 11 itens (por exemplo, um engradado com 11 caixas), você escreve as letras D, de “dez” e O, de “onze” no lugar.

Um funcionário desavisado tomaria um susto quando lesse o papel. No caso acima, ele diria que não há 5.378 ovos no porão, e sim 9.164. Nenhum dos dois está errado: enquanto ele está pensando em grupos de dez, você optou por representar o número de ovos em grupos de doze. Um está em base decimal, e o outro em base duodecimal.

Apesar de parecerem números diferentes, a quantidade de ovos no porão continua a mesma, independentemente da base numérica escolhida para representá-la. Para evitar inconsistências na planilha do mercado, os funcionários precisam, é claro, combinar qual base eles irão usar para a contagem de ovos.

Infográfico demonstrativo doo sistema duodecimal em fundo verde.
(Arte/Superinteressante)

Na vida real, não precisamos combinar algo assim, porque o sistema decimal é o único socialmente aceito. Imagine perguntar as horas para um estranho na rua e ele responder “14h”. “Em qual base?” “Base cinco!” O numeral 14, então, se refere a uma quina mais quatro unidades. Você concluiria que são 9h da manhã.

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Mas há casos em que é preciso combinar. O computador, por exemplo, só entende base binária, em que existem apenas os numerais 0 e 1. Esse sistema numérico representa o funcionamento dos circuitos eletrônicos básicos, que só podem estar de duas formas distintas: ligado ou desligado. Zero ou um. 

Nesse sistema, que tem apenas dois símbolos possíveis, a representação dos números cresce muito rápido. O número um é 1, o dois é 10, o três é 11, e o quatro já é 100. Para dizer que estamos no ano 2024, escreveríamos 11111101000. Fácil para um computador. Mas é quase impossível para um humano identificar rapidamente qual quantidade essa sequência representa.

É por isso que os computadores também usam o sistema hexadecimal (ou seja, de base 16) para expressar os numerais binários de forma compacta. O número 111 1110 1000, por exemplo, pode ser dividido em três grupos de quatro dígitos. A parte 1000 é oito. O 1110 é 14, que no sistema hexadecimal é representado pela letra E. Já o 0111 significa 7. Assim, transformamos o monstrão de onze dígitos em 7E8. Parece estranho – mas, para os programadores, esse é um jeito conveniente de conversar com o computador. 

“A questão é a mentalidade humana, nós temos uma limitação. Se olhamos para uma série de apenas dois dígitos, todos eles parecem iguais. Eu não sei o que eles querem dizer”, diz Michael de Vlieger, ex-presidente e atual secretário da Dozenal Society of America (DSA). “Um sistema de base 2 é muito baixo para o dia a dia. E a base 16 é muito alta, pois eu teria que ensinar 16 numerais diferentes para criancinhas.” 

Michael é uma espécie de subcelebridade entre os nerds de matemática. Ele criou símbolos e nomes para mais de 450 números, que podem ser usados em bases numéricas enormes. Na prática, esses numerais servem mais para estudo e diversão. No seu dia a dia como arquiteto, Mike escolhe usar a base duodecimal.

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Há um motivo claro para isso: enquanto o número 10 só é divisível por 2 e 5, o 12 pode ser dividido por 2, 3, 4 e 6. Um bolo de 12 fatias pode ser comido igualmente em grupos de 2, 3, 4 e 6 pessoas. Já o bolo de 10 fatias só funciona em festas de 2 ou 5 pessoas. Senão, dá briga.

A base 12 tem o dobro de possibilidades de divisão que a base 10. Isso é tão útil que os mercados já funcionam vendendo itens em dúzias (bananas, pães, ovos…). No sistema imperial de medidas, usado nos Estados Unidos, um pé equivale a 12 polegadas. E nenhuma pizzaria do mundo corta o disco de massa em dez pedaços: são sempre 8 ou 12.

Esse é o tipo de conscientização que a DSA quer promover. A sociedade foi criada na década de 1940 pelo escritor F. Emerson Andrews com o intuito de divulgar as vantagens da base 12 – e, talvez, até mudar de vez a maneira como o mundo conta. Em 1934, ele publicou um artigo em que aponta o uso da base decimal como uma “miopia indesculpável”.

A DSA publica regularmente o Boletim Duodecimal, uma espécie de revista que traz debates sobre o uso de bases numéricas alternativas. Lá, todos os números são expressos em base decimal e duodecimal. O ano 2024, por exemplo, é 1208. Para não confundir os leitores, os autores colocam letrinhas ao lado dos números que indicam sua base numérica. O número 2024D (decimal) é o mesmo que 1208Z (“dozenal”).

Em vez de utilizar os símbolos D e O, como ficou combinado entre os funcionários do supermercado hipotético, a DSA propõe que os números 10 e 11 sejam representados pelos símbolos Numeral dek e Numeral el. Eles contam da seguinte forma: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, Numeral dek,Numeral el, 10. Esses numerais se chamam “dek” e “el”.

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Essa representação numérica foi criada no século 19 por um dos primeiros defensores da base duodecimal: o educador e inventor Isaac Pitman. Ele queria otimizar tudo que havia ao seu redor.  Além de defender uma simplificação da língua inglesa, Pitman ficou famoso por criar um método de taquigrafia – basicamente um sistema de escrita abreviado, que permite condensar mais informações em menos espaço. Seu lema era “tempo salvo é vida ganha”. Ele daria um ótimo programador.

O sistema numérico de base 12 fez parte da sua agenda pela otimização do mundo. Graças a seu alto número de divisores, ela tornaria contas de divisão e multiplicação mais intuitivas – e, possivelmente, as aulas de matemática menos traumáticas. 

Uma nova aritmética

Suponha que João está resolvendo um exercício de física e quer encontrar o local exato em que um carro atinge um terço da travessia de uma rua. 1/3 é igual a 0,333… do desenho da rua. Determinar essa distância com uma régua escolar é impossível. 

Só que João usa o sistema duodecimal. O dez dele equivale ao nosso doze. Nessa representação, 10Z dividido por três é igual a quatro. Logo, um terço equivale a 0,4 do comprimento total do desenho. 40%, em um mundo em que o total é 120%.

A dízima periódica 0,333… e a fração 0,4 representam o mesmo ponto no papel. São o mesmo número, só que em bases numéricas diferentes. Mas a primeira representação é mais assustadora que a segunda.

Infográfico demonstrativo de divisão no sistema duodecimal.
(Tiago Araújo/Superinteressante)

Em um mundo que utiliza base duodecimal, a metade de 10Z é 6. Lembre que estamos apenas mudando os numerais, e não os números. A quantidade de ovos dentro de uma caixa continua a mesma, a diferença é que agora chamamos o 10 de Numeral dek, o 11 de Numeral el, e o 12 de 10. Dividindo os ovos em duas cestas iguais, ficamos com seis deles em cada uma.

Só parece complicado porque fomos “alfabetizados” em base decimal. Mas para quem está aprendendo números pela primeira vez, a base 12 seria uma mão na roda. Um quarto vira 0,3 em vez de 0,25. E um sexto é 0,2 em vez do monstrinho 0,166…

A tabuada também teria algumas comodidades. Os múltiplos de três sempre terminariam em 3, 6, 9 e 0, nesta sequência. Os de quatro, em 4, 8 e 0. Os múltiplos de cinco, por outro lado, não teriam padrão algum. Os “dozenalistas” argumentam que raramente iríamos querer multiplicar ou dividir por esse valor se utilizássemos a base 12 diariamente. 

Infográfico demonstrativo de multiplicação no sistema duodecimal.
(Arte/Superinteressante)

Michael de Vlieger garante que é como aprender uma nova língua: você começa convertendo os números de base 10 para base 12, e depois de algum tempo já está pensando em base duodecimal. Por outro lado, ele sabe que mudar todo o nosso sistema numérico hoje seria impossível. E, a curto prazo, traria mais confusão do que facilidades.

Hoje, a DSA não tem ambições reais de converter o mundo para a base 12: seu objetivo é apresentar outras maneiras de pensar a matemática do dia a dia. “Estamos tentando abrir a mente das pessoas para esse nível de liberdade de pensamento”, diz Mike. “Algumas pessoas podem se interessar em pensar diferente, e estaríamos felizes em recebê-las.” 

Entender o mundo em base 12, afinal, é como vê-lo através de outras lentes. E, se elas forem mais nítidas que as lentes que conhecemos, tanto melhor – não há nada como o alívio de pôr um óculos com o grau certo. 

Fontes: livro History of binary and other nondecimal numeration; livro Alex no país dos números; artigos da Dozenal Society of America.

Agradecimentos: Zaqueu Vieira Oliveira, pesquisador em História da Matemática na Unesp; John Volan, editor do Boletim Duodecimal.

Alex no país dos números

Alex no país dos números

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