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Nelly e Erick: mutações no corona ganham apelidos para facilitar identificação

Chamar as variantes de “britânica” ou “brasileira” estigmatiza os países e é impreciso, já que cepas diferentes podem carregar a mesma mutação. Por isso, a nova tendência é batizar as mutações em si.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 22 jan 2021, 19h50 - Publicado em 22 jan 2021, 19h37

Novas cepas do coronavírus vêm ganhando atenção desde o final de 2020, quando o governo britânico estimou que uma nova variante identificada no país seria até 70% mais contagiosa que as outras. Hoje, ela já é encontrada em mais de 46 países, incluindo o Brasil.

Oficialmente, essa variante se chama B.1.1.7, mas ela se consagrou como a “mutação britânica”. No Brasil, pesquisadores anunciaram o primeiro caso de reinfecção pela “variante sul-africana” esta semana. E uma cepa sequenciada no Japão em visitantes que voltavam do Amazonas se tornou a “variante de Manaus”. (Fora do Brasil, ela é a “variante brasileira”.) 

Em depoimento no dia 13 de janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para a estigmatização dos países e regiões em que se detectaram essas variantes pela primeira vez. Um editorial do periódico Nature chamou atenção para o mesmo problema.

A identificação de novas cepas não deve ser vista de forma negativa – na verdade, ela é essencial para monitorar a circulação e evolução do vírus. A questão é outra: como batizá-las sem que os nomes atribuam culpa a um outro país? 

Alguns pesquisadores propõem que, em vezes de chamar a atenção para as cepas, a comunidade científica dê apelidos para as mutações mais importantes sofridas pelo vírus.

Para entender essa proposta, o primeiro passo é diferenciar cepa de mutação. Embora esses dois termos estejam sendo usados de maneira intercambiável pela mídia, na verdade há uma diferença sutil entre eles.

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Do mesmo jeito que três serralheiros podem usar a mesma serra, ou que três guitarristas podem comprar a mesma guitarra, três cepas diferentes do coronavírus podem ser mais letais que a média por causa da mesma mutação. Sim, são cepas diferentes, que vieram de lugares diferentes. Mas a mutação tem o mesmo efeito e ocorre na mesma região do genoma.

As mutações mais perigosas são as que acontecem no trecho de RNA que codifica a proteína spike, usada pelo coronavírus para se ligar às células humanas e infectá-las. 

As variantes detectadas na África do Sul, Brasil e Reino Unido, por exemplo, contém uma mesma mutação na proteína spike: a N501Y, capaz de aumentar a transmissão do vírus. Os cientistas britânicos vêm chamando essa mutação de Nelly.

A mutação E484K também afeta a proteína spike e possivelmente a capacidade do vírus de driblar os anticorpos. Ela está presente nas variantes identificadas em Manaus e África do Sul, e ganhou o apelido de Erick entre os cientistas.

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Ou seja: podemos falar que um coronavírus carrega a mutação Erick e a mutação Nelly. Isso chama a atenção para o mais importante: as capacidades extraordinárias dessas variedades. E tira os holofotes do local de origem.

Desde 2015, a OMS estabelece diretrizes para não nomear doenças com referência ao local onde ocorreu o primeiro surto. O coronavírus Mers-cov, parente do atual Sars-cov-2, havia sido nomeado em 2012 com a sigla em inglês para “síndrome respiratória do Oriente Médio”. Já o nome do zika vírus faz referência a uma floresta de Uganda, onde o patógeno foi descoberto.

Falta de padronização

As variantes do Sars-cov-2 possuem diferentes nomes científicos, o que dificulta a interpretação e divulgação de informações tanto pela mídia quanto pelo público leigo.

Por exemplo: a variante identificada no sul do Reino Unido, que possui a mutação Nelly, pode ser chamada de VoC 202012/01 (sigla para “variante de preocupação”), de N501.V1 (em referência à mutação preocupante) e de B.1.1.7 (que indica a posição da cepa na árvore genealógica do vírus).

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Já a variante identificada inicialmente na África do Sul é chamada de N501Y.V2 (por ter sido identificada após a N501.V1) ou B.1.351. A encontrada no Brasil é N501Y.V3 (por ser a terceira com a mutação) ou B.1.1.28. Não é à toa que as pessoas preferem identificá-las pelo país de origem.

Uma estratégia para “desnacionalizar” o vírus seria criar nomes mais acessíveis às variantes, como é feito com os furacões (Katrina, Sandy, Irma…), e como aconteceu com as mutações Nelly e Erick.

Sequenciamento genômico

Os países que realizam um alto número de sequenciamentos genéticos do vírus tendem a identificar mais cepas – algo que é estimulado pela OMS. Sequenciar significa recolher amostras de um paciente que testou positivo para a covid-19, isolar o vírus, e olhar o material genético dele letra por letra. 

A sequência de letras não é igual em todos os Sars-cov-2. É normal que o vírus sofra mutações ao longo do tempo. Quanto mais ele se reproduz, mais mutações ele sofre. A maioria delas é inofensiva, mas às vezes calha de uma mutação acontecer no local certo, e ela acaba alterando a estrutura e características do vírus – por exemplo, tornando-o mais contagioso.

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A mutação N501Y (ou Nelly) representa uma alteração no aminoácido asparagina (N) pela tirosina (Y) na posição 501 do genoma. Já a mutação E484K (Erick) troca o glutamato (E) por lisina (K) na letra de número 484.

O Reino Unido realiza o sequenciamento de 5% a 10% dos casos confirmados de covid-19. A Islândia sequenciou todos os quase 6 mil casos do país, e encontrou 464 variantes do vírus. Já foram realizados mais de 400 mil sequenciamentos pelo mundo, todos disponíveis no banco de dados internacional Gisaid.

O Brasil sequenciou apenas 0,024% dos casos confirmados no país, sendo a maioria deles na região sudeste. A desigualdade na vigilância genômica torna difícil, por exemplo, estimar quando a variante B.1.1.28 começou a circular em Manaus e prever novos surtos.

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