O bip-bip que mudou o mundo
O lançamento do Sputnik trouxe a era espacial; e com ela uma corrida desenfreada entre americanos e soviéticos para a conquista do Cosmos.
Ninguém pensou que algo tão simples pudesse ser tão avassalador. Era apenas uma bolinha cheia de antenas que girava ao redor da Terra, cerca de 200 quilômetros acima da cabeça de todo mundo, ecoando um simples sinal de rádio: bip… bip… talvez fosse o som de um despertador. O fato é que o mundo nunca mais seria o mesmo depois disso.
A tal esfera era o Sputnik, o primeiro satélite artificial da história. O nome, traduzido do russo, era meigo: algo como “companheiro”. Mas não foi com esse espírito de amizade que o Ocidente recebeu a notícia do lançamento. Afinal, para colocar aquela bolinha que fazia bip-bip lá em cima, a temida União Soviética precisou desenvolver um enorme foguete – máquina que, na prática, seria tão eficiente para fazer voar um satélite artificial quanto para lançar uma bomba nuclear na cabeça dos seus inimigos.
A coisa toda aconteceu em 4 de outubro de 1957, e teve reações distintas nos EUA e na União Soviética. Enquanto os comunistas receberam a notícia de forma até meio blasé, numa nota de pé de página na capa do jornal Pravda, os americanos tomaram o baque com um quê de terror. A primeira página do New York Times trouxe na manchete, em letras garrafais:
“VIÉTICOS DISPARAM SATÉLITE TERRESTRE PARA O ESPAÇO; ESFERA É RASTREADA EM 4 PASSAGENS BRE OS EUA”.
Era tudo menos uma recepção entusiástica a um dos momentos mais importantes da história. Curiosamente, o governo soviético também não via o lançamento como um grande passo para a humanidade. Na verdade, os comunistas só toparam fazer a tentativa de colocar um satélite em órbita graças à obstinação de um único homem.
O cara
Sergei Pavlovich Korolev (pronuncia-se “Karaliov”) foi um engenheiro brilhante, chefe de um dos principais escritórios ligados ao desenvolvimento de mísseis na União Soviética. Para seus superiores, seu trabalho era vendido como um meio de superar os americanos durante a Guerra Fria – ele só obteve aprovação para lançar o Sputnik ao apontar que os ianques estavam almejando feito similar -, mas em seu íntimo a busca era a de iniciar a realização do sonho de Konstantin Tsiolkovsky, o primeiro teórico da ciência dos foguetes. Foi esse sujeito o primeiro a calcular a velocidade de escape da Terra e conceber em sua mente diversas tecnologias hoje corriqueiras no espaço – tudo no início do século 20, antes mesmo de os irmãos Wright e de Santos Dumont construírem os primeiros aviões.
O romantismo espacial de Tsiolkovsky era partilhado por Korolev. “Ele era um sonhador – a conquista do espaço era a meta de sua vida”, afirma sua filha Natalia Sergeevna Koroleva. “Ele estava convencido da implementação do sonho de Tsiolkovsky de que a humanidade não iria permanecer eternamente na Terra.”
Nos EUA, é fato, ninguém estava nem aí para sonhos românticos. Aquela movimentação soviética era vista apenas como uma ameaça, e foi suficiente para ajudar a sedimentar o resultado das eleições presidenciais de 1960. Alegando uma inadmissível defasagem tecnológica, John F. Kennedy se elegeu presidente e colocou a nação numa cruzada para bater a União Soviética em assuntos espaciais.
Korolev, é claro, saiu ganhando. Capitalizando em cima da comoção (leia-se pavor) que o lançamento do Sputnik causou, ele preparou para o novembro de 1957 um novo voo: desta vez, a bordo do Sputnik 2, voaria a cadela Laika – o primeiro animal a deixar a Terra. Estava claro que a União Soviética pretendia mandar humanos ao espaço o quanto antes.
Com gente dentro
Os americanos iniciaram sua reação criando a Nasa. Oficializada em 1958, ela teve a missão de preparar o programa tripulado dos EUA. Mas de fato havia um desnível tecnológico entre os foguetes russos e americanos. Com capacidade de carga maior, em 12 de abril de 1961, um foguete soviético lançado de Baikonur (hoje Cazaquistão) carregava em seu interior a nave Vostok (“Leste”, em russo). A bordo, o piloto militar Yuri Gagarin – o primeiro cosmonauta da história.
Gagarin fez a missão mais simples possível. Deu uma volta na Terra e retornou ao solo. Durante o voo, não precisou fazer nada a não ser observar o planeta.
Com o sucesso da missão de Gagarin, estava sedimentado o primeiro passo para a conquista humana do espaço. Um mês depois, a Nasa lançaria seu primeiro astronauta (terminologia usada pelos americanos, em contraposição ao uso da palavra “cosmonauta”, pelos russos), Alan Shepard, apenas num voo suborbital – a nave vai ao espaço e desce logo em seguida, sem dar voltas na Terra. A primeira missão orbital americana viria no ano seguinte, com John Glenn. Mas, antes mesmo disso, o presidente Kennedy lançaria o desafio: levar um homem à Lua e trazê-lo de volta são e salvo até o final da década de 1960. A grande corrida espacial estava prestes a começar.
Por dentro do Sputnik
Veja como estavam dispostos os circuitos simples que faziam o satélite funcionar
TRANSMISRES DE RÁDIO
Eram dois, transmitindo nas frequências de 20,005 e 40,002 megahertz.
VENTILADOR
Mantinha as baterias e os transmissores numa temperatura aceitável para operação.
FONTE DE FORÇA
Três baterias de prata-zinco alimentaram os transmissores por 22 dias.
ESCUDO TÉRMICO EXTERNO
Protegia o Sputnik de variações de temperatura que ameaçassem seu funcionamento.
BOLINHA PRESSURIZADA
Um experimento adicional visava detectar micrometeoritos na órbita da Terra. Ele era internamente pressurizado; caso houvesse alguma colisão que perfurasse o invólucro de alumínio, a pressão cairia, denunciando o impacto
INVÓLUCRO DE ALUMÍNIO
Camada interna ao escudo térmico, tinha por objetivo manter a integridade física do satélite.
Lenda Espacial
Gagarin teve antecessores?
Com um programa ultrassecreto, os soviéticos tiveram de aturar muitos rumores de que pilotos haviam sido mortos em lançamentos malogrados, antes que Gagarin fizesse seu voo. O boato mais famoso envolve Vladimir Ilyushin. Diz a lenda que esse cara teria sido o primeiro a orbitar a Terra. No retorno, ele teria feito um pouso forçado, em 7 de abril de 1961. Sobreviveu, mas teria sido relegado ao esquecimento. Há quem diga que, velhinho, Ilyushin confirmou a história toda. Mas, depois que a União Soviética foi à lona e os arquivos secretos do programa espacial foram abertos, não foi encontrado nem sinal de que essa missão tivesse ocorrido. Em compensação, muitas das histórias dos supostos cosmonautas mortos secretamente acabaram se revelando verdadeiras – ou melhor, não totalmente falsas. Todas aquelas vítimas existiam. Eram cobaias animais.
Crédito da imagem: Wikimedia Commons