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O deserto do Saara pode ser obra humana

Há 10 mil anos, o norte da África era um local úmido. O clima mais seco, não por coincidência, veio apenas com os primeiros fazendeiros Homo sapiens

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 mar 2017, 14h47 - Publicado em 15 mar 2017, 14h43

Foi muita areia para o caminhãozinho da natureza. Há mais de 10 mil anos, com o fim da última era glacial, o deserto do Saara, no norte da África, se tornou um lugar úmido o suficiente para abrigar vegetação similar à de uma savana. Animais acostumados a um pouco de sol na cabeça, como as girafas, se mudaram para a região, e a espécie humana que nessa altura já havia percebido que domesticar os bichos podia ser uma ideia melhor que caçá-los — levou rebanhos de ovelhas para pastar onde hoje há apenas dunas de areia.

5 mil anos depois, segundo a versão mais aceita, mudanças climáticas fecharam a torneira dos céus, o Saara secou e todo mundo voltou correndo para as margens úmidas do Nilo atrás de água. Agora, o arqueólogo David Wright afirma que a culpa dessa virada brusca foi do próprio ser humano — e de seu hábito de criar mamíferos que dão lã.

O pesquisador da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, não põe muita fé em propostas que atribuem a criação do deserto a fenômenos que estão fora do nosso alcance — como uma leve alteração na órbita do planeta. “No leste da Ásia, há teorias confiáveis sobre como povos do período Neolítico mudaram a paisagem a ponto das chuvas da estação úmida pararem de penetrar no continente”, explicou ele em uma declaração à imprensa. No artigo científico, o autor afirma que os primeiros fazendeiros e pastores da América do Norte e a Nova Zelândia também secaram seus próprios ecossistemas.  

O que Wright fez foi buscar, na literatura científica disponível sobre a época úmida da região, associações claras entre mudanças na paisagem e a ação humana. Ele encontrou evidências de que o avanço da criação de animais na África, há cerca de 10 mil anos, foi acompanhado da substituição da rica mata nativa por pasto. Sem cobertura vegetal, a área do solo exposta à luz solar aumentou, e começou a refletir o calor de volta para a atmosfera em vez de absorvê-lo.

Essa dose reforçada de calor no céu mudou a dinâmica do clima na região, e as chuvas pararam de vir com tanta frequência. A flora original acabou dando lugar a arbustos sem graça, secos e típicos de ambientes com o solo pobre em nutrientes. A versão de Wright faz sentido, agora só falta provar.

O próximo passo é cavar a areia do Saara em busca dos locais onde, antigamente, ficavam os lagos da região. A ideia é detalhar o avanço da relação entre vegetação e a atividade humana na época. “Os corpos d’água registram as mudanças na vegetação, que são muito difíceis de simular”, explicou Wright. “O trabalho de arqueólogos e ecologistas é ir lá coletar informações para criar simulações mais sofisticadas.”

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