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O mistério dos círculos nos campos ingleses

Marcas aparecem nos campos do sudoeste de Inglaterra e desafiam os cientistas. Ninguém consegue explicar a origem dessas formações redondas e de traçado perfeito. A melhor hipótese joga com o clima.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 mar 1990, 22h00

A descoberta não poderia ter sido mais estranha. Na manhã do dia 21 de julho de 1980, o agricultor John Scul estancou no meio de seu campo de trigo, em Wiltshire, sudoeste da Inglaterra, ao notar um círculo de cereais amassados com cerca de 20 metros de diâmetro. A área, de bordas bem delimitadas, parecia ter passado pelas abas de gigantescos ventiladores. O mesmo fenômeno havia ocorrido meses antes, também da noite para o dia, algumas centenas de metros mais adiante, sem que Scull tivesse a mais remota explicação para a novidade. O alarme foi dado imediatamente e logo a plantação do obscuro agricultor inglês se encheu de curiosos. Os círculos se tornaram, previsivelmente, o tema predileto dos jornais e das intermináveis conversas regadas a cerveja escura nos pubs da região. Nos anos que se seguiram, nada menos de algumas centenas de formações semelhantes começaram a aparecer, sempre no verão, nos campos de cereais daquela parte da Inglaterra. A epidemia alcançou o auge no ano passado, quando se registrou o aparecimento de 250 marcas de diversos tamanhos. Assim, aquilo que não passara, a princípio, de uma curiosidade, bem ao gosto do espírito inglês, transformou-se numa enorme controvérsia com a participação de um público diversificado de cientistas, agricultores, membros das forças armadas e, como não poderia deixar de ser, os místicos de praxe.

Como muito se falasse e nada se descobrisse, os deputados de Wiltshire e Hampshire, os dois condados mais atingidos, levaram o tema à Câmara dos Comuns, na expectativa de criar um auê que levasse o governo da primeira ministra Margaret Thatcher a patrocinar uma investigação em regra. No entanto, embora a Dama de Ferro também se dissesse curiosa sobre o assunto, não liberou uma única libra para o estudo das inexplicadas ocorrências, razão pela qual o assunto nunca pôde ser examinado com rigor científico. Daí, inevitavelmente, surgiram as teorias mais bizarras para apontar a origem do fenômeno — apostou-se em nuvens de pássaros, guerra bacteriológica, experiências com armas secretas, esquadrilhas de helicópteros ultravelozes. E inevitavelmente também, não faltou quem jurasse que as marcas seriam conseqüência das andanças de extraterrestres; quem sabe os trigais ingleses até fossem locais de pouso de discos voadores

De objetivo, pouco se sabe sobre tais círculos. Calcula-se que já existam mil deles na Inglaterra. Não se tem certeza sobre os números porque algumas marcas são isoladas e pouco visíveis. Além disso, muitos fazendeiros se recusam a comunicar sua existência para não serem importunados por visitantes curiosos, lunáticos ou mesmo hostis. Agricultores da Escócia minimizaram as ocorrências dizendo que se manifestam há centenas de anos. Mas, de fato, começaram a ser notadas apenas em 1980. Afirma-se também que círculos semelhantes foram encontrados nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão, porém em nenhum desses países o assunto foi estudado a sério. É certo que em parte alguma o fenômeno tomou proporções iguais às da Inglaterra. As fotografias aéreas mostram circunferências cujos diâmetros variam entre 10 e 40 metros, onde os cereais amassados se inclinam no sentido dos ponteiros do relógio. Existem outros tipos de desenhos menores, compostos de dois a cinco círculos em torno de um círculo maior no centro, como satélites rodeando um planeta. Nenhuma dessas formações é exatamente igual a outra, embora todas sejam perfeitamente demarcadas. A maioria aparece em trigais, mas houve casos em plantações de aveia, milho e cevada.

Curiosamente, do lado de fora das marcas, as plantas não sofrem qualquer alteração. Do lado de dentro, os caules não estão cortados, mas apenas vergados, continuando a crescer de forma inclinada. Por causa dessa aparência tão simétrica, suspeitou-se que os círculos tivessem sido traçados por mãos humanas, desejosas de publicidade. E isso em alguns casos realmente ocorreu. Há dois anos, os alvoroçados caçadores de círculos receberam a notícia de que um agricultor tinha notado traços bizarros em sua plantação. Ao observar esses traços, a bordo de um avião, eles perceberam que alguém havia escrito com trator no trigal em letras garrafais: We are not alone (Não estamos sós). Ocorreram outras brincadeiras desse tipo e alguns ingleses chegaram a dar entrevistas jurando serem os autores de todos os círculos. As fraudes, no entanto, se distinguem perfeitamente das marcas originais que, segundo os estudiosos, são impossíveis de imitar por meios mecânicos. Além disso, seria muito difícil aos falsificadores agir sem deixar um rastro de destroços na plantação ou traçar no meio da noite um círculo de vários metros de diâmetro sem serem descobertos. Mas se não são artificiais, as marcas tampouco apareceram devido a pragas de fungos ou por efeito de fertilização excessiva. A primeira providência dos agricultores foi enviar as espigas dos locais atingidos para exame em laboratório; os resultados mostraram que elas estavam perfeitamente normais.

Se valerem os argumentos de Terence Meaden, um tímido e obstinado professor de Física aposentado da pequena cidade de Bradford-on-Avon em Wiltshire, uma das regiões mais assoladas pelas ocorrências, “as explicações podem ser encontradas na Meteorologia”. Meaden fundou uma sociedade chamada Tornado and Storm Research Organization (TORO), para pesquisar os efeitos de fenômenos atmosféricos pouco conhecidos como raios bola, furacões secos e principalmente os círculos. Meaden se tornou popular ao escrever o livro The circle effectand its mysteries (O efeito círculo e seus mistérios), em que tenta explicar que vem acontecendo na Inglaterra um fenômeno perfeitamente natural resultante de nuvens ionizadas na atmosfera. Tais nuvens segundo o professor, apareceriam sobre terrenos ondulados, perto de colinas, onde o vento cria redemoinhos que se transformam em turbilhões. Esses pequenos furacões, carregados de eletricidade, se deslocam sobre os campos até baixarem bruscamente sobre o solo deixando os famosos traços circulares que identificam sua passagem. Meaden afirma que o fenômeno não é visível como os furacões e os redemoinhos de poeira e vento porque os minifuracões são muito rápidos e não carregam uma quantidade tão grande de partículas de poeira ou vapor de água. Quando as nuvens se dividem em muitas formações que giram em torno de um núcleo, deixam na vegetação marcas que parecem um pequeno sistema planetário.

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Em seu livro, o professor chama esse fenômeno vórtice de plasma e explica que seria semelhante ao raio bola, uma espécie de esfera de gás ionizado que, ao atingir um condutor, como a ponta da asa de um avião, provoca choques. Há alguns anos, quando o raio bola era desconhecido dos meteorologistas, a ocorrência foi muitas vezes confundida com o aparecimento de discos voadores. A hipótese meteorológica, no entanto, tem seus críticos na Inglaterra. Dois outros pesquisadores, os engenheiros Colin Andrews e Pat Delgado, que dedicam o tempo livre à investigação dos círculos, escreveram outro livro de sucesso sobre o tema. Em Circles phenomenon research (Pesquisa sobre o fenômeno dos círculos), argumentam que os desenhos são muito complexos para serem resultado de perturbações meteorológicas. Para os autores, “as observações oficiais do tempo provam que as condicões climáticas eram perfeitamente estáveis quando se formaram os círculos. Há, de outro lado, terrenos com as mesmas configurações em que os círculos apareceram e onde eles jamais se produziram “.

Pat Delgado começou a investigar o fenômeno em 1981. Em 1985 associou-se a Andrews, um especialista em radares. Eles já visitaram seiscentos círculos no sudoeste da Inglaterra e montaram um laboratório, com fotos e mapas das ocorrências, no jardim da casa de Andrews em Hampshire. Em julho do ano passado, os dois engenheiros convenceram cinqüenta voluntários a se postarem nos campos onde costumam aparecer os círculos para fotografar o momento das formações. Durante três semanas eles estiveram atentos até que uma noite verificaram que havia marcas ao redor sem que ninguém tivesse notado qualquer coisa de anormal. Esses e outros episódios levaram Andrews e Delgado a sustentar que “uma força desconhecida, manipulada por uma inteligência superior, é responsável pelo fenômeno”. Lembram que na região da Inglaterra onde são freqüentes as marcas se encontram as misteriosas formações de pedra de Stonehenge, onde se acredita que cerimônias de adoração do Sol eram realizadas há 4 mil anos.

O meteorologista e astrônomo Paulo Marques dos Santos, da Universidade de São Paulo, que acompanhou a polêmica sobre os círculos pela imprensa confessa não acreditar em nenhuma das explicações. “Apesar de tanto falatório, ninguém deu uma resposta satisfatória para a existência dos círculos”, comenta. Ele respeita a crença alheia em fenômenos sobrenaturais mas se mostra muito cético quanto a essas manifestações. “Nos meus 31 anos de observação do céu jamais vi nada que não tivesse uma explicação física”, garante. Marques dos Santos não descarta uma explicação climática para as ocorrências., ainda que discorde do professor Terence Meaden: “Do que se conhece de Meteorologia, nada se sabe sobre esse fenômeno chamado vórtice do plasma. É preciso analisar a pressão atmosférica, a velocidade do ar, a temperatura, para entender o que está ocorrendo”. Resta esperar o próximo verão europeu, que começa em junho, para alguém estudar também esses fatores. Isto é, se os círculos tornarem a aparecer.

Para saber mais:


Observatórios primitivos

(SUPER número 5, ano 2)

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