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Os irmãos da Terra

Já estamos descobrindo planetas parecidos com o nosso. Agora, o desafio da astronomia é analisá-los para saber se eles podem abrigar formas de vida

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 22 nov 2018, 15h51 - Publicado em 29 set 2014, 22h00

Uma descoberta esperada há pelo menos 400 anos pela humanidade foi anunciada com entusiasmo por cientistas da Nasa em abril de 2014: encontramos o primeiro planeta fora do Sistema Solar que tem praticamente o mesmo tamanho da Terra e um potencial similar para abrigar água em estado líquido – e, portanto, vida – em sua superfície. Mas essa é só a ponta de um iceberg muito maior.

Na real, contando com o mais recente achado, já conhecemos nada menos que 21 planetas girando em torno de outras estrelas que podem ser o lar de biosferas como a da Terra. E sabemos que tem muito mais de onde vieram esses. Isso confirma, ao menos superficialmente, uma expectativa que já era nutrida desde o Renascimento por gente como o filósofo Giordano Bruno, que em 1584 sugeriu que o Sol era apenas mais uma estrela, e que as outras estrelas também possuíam seus sistemas planetários. E foi mais longe: elocubrou que deveria haver vida inteligente nesses outros planetas.

Por essas, a Inquisição mandou o pensador italiano para a fogueira, mas suas ideias sobrevivem até o presente dia – e florescem cada vez mais, conforme os astrônomos confirmam, passo a passo, suas previsões mais ousadas. A ideia de que as estrelas eram similares em natureza ao Sol foi confirmada no século 18, e desde 1995 sabemos que sistemas planetários também são comuns no Universo – embora eles existam em configurações muito mais variadas do que antes imaginávamos, nem todas elas amigáveis à existência de abrigos para a vida.

Falta encontrarmos os ETs inteligentes de Bruno, mas alguns pesquisadores já estão trabalhando nisso. Antes mesmo que a descoberta do Kepler-186f – nome do planeta que causou alvoroço em abril – fosse anunciada, pesquisadores do Instituto SETI prepararam as antenas do Allen Telescope Array (ATA), um conjunto privado de radiotelescópios na Califórnia, com o propósito de procurar sinais de rádio que indicassem a existência de uma possível civilização tecnológica lá. “Por um mês, nos concentramos ali”, conta Elisa Quintana, pesquisadora da Nasa e do SETI, o instituto que se dedica a buscar inteligência extraterrestre tentando captar sinais artificiais de rádio no espaço. Até agora, os cientistas não encontraram nenhuma transmissão vinda de lá.

Incertezas
Ninguém está desistindo. Contudo, o fato é que, de todos os planetas que descobrimos até agora, o que mais temos são inferências. Fatos confirmados são bem escassos. Peguemos a última bolacha do pacote: o Kepler-186f. É o quinto planeta em torno da estrela Kepler-186 (daí o “f”, aliás: “Kepler-186a” é a própria estrela, “Kepler-186b”, o planeta mais próximo dela, e assim por diante). Bom, essa estrela tem metade do diâmetro do Sol. É uma anã-vermelha, um tipo de astro mais frio.

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E o que sabemos sobre o planeta? De concreto, que ele passa à frente de sua estrela a cada 129,9 dias terrestres, o que provoca uma redução de brilho minúscula detectável pelo satélite Kepler, da Nasa. Pelo tamanho dessa diminuição momentânea da luz vinda da estrela, os pesquisadores estimam que esse mundo tenha 110% do diâmetro terrestre, com uma margem de erro de 14% para mais ou para menos. E acabam aí as informações sólidas. O resto (todo aquele papo de água líquida, possível abrigo para a vida) é suposição.

Para começar: ninguém sabe a composição exata do Kepler-186f. Ele provavelmente é parecido nesse quesito com a Terra, pois planetas desse porte no Sistema Solar são majoritariamente compostos por rochas. Mas quem disse que os planetas solares são típicos? Ele poderia ser bem diferente, feito quase todo de gelo, por exemplo. Não sabemos. Em tese, até teríamos como estimar isso se pudéssemos medir a massa do planeta, mas a técnica usada pelo satélite Kepler – medir os trânsitos à frente da estrela – só indica o tamanho. Para calcular a massa, teríamos de usar uma outra estratégia de observação, que mede os efeitos gravitacionais causados pelo planeta em sua estrela. Só que o Kepler-186f fica a 490 anos-luz. Longe demais para os equipamentos de hoje.

Outra questão importante – talvez a mais importante – é a da presença de água. Tem mesmo água na superfície de Kepler-186f? Os astrônomos usam um critério geral para estimar isso, que consiste em ver quanta radiação o planeta recebe de sua estrela. Se estiver muito perto dela, o mundo é quente demais para a água. Se estiver longe, o mundo é frio demais. Temos, portanto, uma faixa em torno de cada estrela onde o nível de radiação é o ideal. É a chamada zona habitável.

O Kepler-186f está na zona habitável de sua estrela – recebe cerca de 32% da radiação que a Terra absorve do Sol. É um nível considerado aceitável para a presença de água em estado líquido, pelo menos nos arredores do equador do planeta (no resto, se tiver mesmo água lá, haveria basicamente calotas polares). Mas tudo isso depende da atmosfera que esse planeta tiver. Somente com uma boa dose de efeito estufa esse nível de radiação seria suficiente para fazer brotar água líquida nas áreas menos frias daquele globo. E aí vem o problema: não sabemos qual é a composição e a densidade da atmosfera do planeta em questão.

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Pior: essas incertezas não se restringem ao Kepler-186f. Todos os planetas da lista dos 21 que estão na zona habitável e têm tamanho pelo menos parecido com o da Terra sofrem do mesmo especulol. Quando sabemos a massa, não sabemos o tamanho, e vice-versa. E de nenhum deles conhecemos a atmosfera.

Podem muito bem ser todos inabitáveis. Ou talvez sejam todos ambientes paradisíacos para a vida. Provavelmente a verdade deve estar em algum ponto entre esses dois extremos. Caberá aos astrônomos desvendar esses mistérios todos ao longo dos próximos anos.

E a Nasa já se prepara para isso. Em 2017, a agência vai lançar um novo satélite caçador de planetas, chamado Tess. Seu objetivo será estudar as estrelas próximas da Terra em busca dos mil planetas mais parecidos com o nosso. (Note como ficamos superlativos nos números de planetas, agora que já temos mais de 1.700 catalogados.)

Com essa lista de alvos – mais próximos que os obtidos pelo Kepler –, entrará em cena o Telescópio Espacial James Webb. É o sucessor do Hubble, que a Nasa espera lançar em 2018. Como seu famoso predecessor, ele servirá a vários propósitos, e um deles será observar quando esses planetas passam à frente de suas estrelas. A luz estelar que passar de raspão por eles antes de chegar até nós virá carregada da “assinatura” dos gases presentes na atmosfera. Se encontrarmos, por exemplo, um mundo cujo ar contenha grandes quantidades de oxigênio, isso pode ser uma pista bem concreta de que há seres vivos lá fazendo fotossíntese – pelo menos foi assim que o nosso planeta ganhou seu oxigênio atmosférico. E detecções de vapor d¿água na atmosfera ajudarão a determinar se o tal mundo tem oceanos ou meros laguinho. Isso também ajuda na hora de procurar por vida, já que oceanos seriam mais propensos a abrigar seres complexos. Ao final da década, enfim, passaremos a conhecer melhor os irmãos da Terra.

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Uma coisa que já sabemos de antemão é que, sejam como forem, esses mundos tendem a ser bem diferentes do nosso. O que nos leva de volta ao Kepler-186f. Mesmo que seja similar à Terra em composição e tenha efeito estufa suficiente para manter água em estado líquido na superfície, ele orbita uma estrela anã, mais fria que o Sol, que emite luz muito mais intensamente nas faixas infravermelha e vermelha do espectro. Caso plantas evoluam nesse mundo para fazer fotossíntese, elas tenderiam a se desenvolver de forma a captar melhor essas frequências de luz. “Em vez de verde, provavelmente a vegetação seria de um tom laranja-amarelo”, afirma Victoria Meadows, astrobióloga da Universidade de Washington. Mas, por ora, tudo isso não passa de um sonho astronômico de uma noite de verão, sob um céu estrelado e salpicado de mistérios. As respostas ainda estão lá fora.

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