Plantas do Cerrado protegem larvas de incêndios florestais
Trata-se de mais uma prova da resiliência do bioma – mas o fogo cada vez mais frequente coloca esses insetos em risco.

No Cerrado brasileiro, uma descoberta recente revela que a própria natureza pode ser uma fortaleza contra as chamas das queimadas que acontecem no país.
Pesquisadores liderados por Jean Carlos Santos, ecólogo da Universidade Federal de Sergipe, identificaram que certas estruturas produzidas por plantas, conhecidas como galhas, podem proteger larvas de insetos dos incêndios florestais, como se fossem pequenas câmaras corta-fogo.
O achado foi quase acidental. Em 2012, após um incêndio que devastou uma área de cerrado em Minas Gerais, Santos caminhava pelo terreno carbonizado quando notou que algumas galhas ainda estavam intactas. Movido pela curiosidade, ele abriu uma delas, em uma planta conhecida como lobeira ou fruta-do-lobo (Solanum lycocarpum), e ficou espantado: havia larvas vivas lá dentro.
“Eu fiquei surpreso no momento, tentando entender como aquilo era possível. Aquilo foi inesperado para mim, porque o fogo havia queimado tudo pela frente”, disse o pesquisador para a Super.
A descoberta foi o ponto de partida para um estudo mais aprofundado, cujos resultados foram recentemente publicados na revista científica Ecology.
As galhas são formadas quando certos insetos liberam substâncias que estimulam a planta a produzir tecido extra, criando uma espécie de “casa” para suas larvas. Um dos animais capazes de fazer isso é o gorgulho Boheman (Collabismus clitellae Boheman). Gorgulhos são da mesma ordem de besouros e escaravelhos.
Além de fornecer alimento e proteção contra predadores e intempéries, esse abrigo vegetal mostrou-se, agora, capaz de proteger contra o fogo.
Para comprovar se aquela larva encontrada era uma exceção ou uma regra, a equipe de Santos voltou à área afetada e coletou dezenas de galhas em plantas que haviam sido expostas ao incêndio e em outras que escaparam das chamas. No laboratório, os pesquisadores abriram as galhas e registraram se as larvas tinham sobrevivido.
Os resultados surpreenderam: cerca de 66% das larvas nas galhas queimadas continuaram vivas. Em 20 galhas, todas sobreviveram; em 23, parte delas sobreviveu; e em 9, todas haviam morrido. O fator determinante parecia ser a espessura da camada externa da galha: quanto mais grossa, maiores as chances de resistência ao calor extremo.
Com a intensificação das mudanças climáticas (e também da ação humana), os incêndios estão se tornando mais frequentes e intensos. Entre janeiro e agosto de 2024, o fogo consumiu 4 milhões de hectares de mata no cerrado brasileiro, sendo 79% de vegetação nativa. Os dados são do Monitor do Fogo, da plataforma Mapbiomas.
Santos explica que o mecanismo das galhas pode ser efetivo quando os incêndios não são recorrentes em uma mesma área. “O cerrado é muito resiliente, então após o fogo as plantas se recuperam, e isso é bom para os insetos galhadores que habitam as galhas queimadas, porque eles irão continuar parasitando a planta hospedeira.”
No entanto, o autor do estudo alerta que “em um cenário com muitos incêndios, os insetos podem não sobreviver às constantes exposição de temperaturas altas e o estresse nas plantas causado pelo fogo.”
O estudo deve continuar. A equipe de cientistas quer expandir a pesquisa e descobrir se existem outros insetos galhadores e galhas resistentes ao fogo, qual o papel dos tecidos das galhas na proteção dos incêndios e como essa relação se dá em áreas com alta recorrência de fogo.