Regeneração de membros
Salamandras reconstroem suas patinhas quantas vezes for necessário. Quem disse que a gente também não pode?
Texto Reinaldo José Lopes
Próteses para pessoas que tiveram braços ou pernas amputados estão cada vez mais avançadas e eficientes – não é incomum que as mais modernas permitam até que o usuário pratique esportes olímpicos -, mas é claro que elas não se comparam ao original. Alguém que tivesse a chance de ver seu membro cortado crescer de novo certamente consideraria o fato um milagre. E, no entanto, criaturas cujo corpo é construído com base em princípios quase idênticos aos nossos operam esse prodígio como quem chupa um sorvete. Um exemplo: as sa-lamandras, as primas caudadas de rãs e sapos. Você pode cortar as patas delas quantas vezes quiser, porque novos membros sempre vão surgir. Esperar que essas mesmas capacidades sejam “liberadas” em seres humanos seria sonhar demais?
Não para Ken Muneoka, professor de biologia molecular e celular da Universidade Tulane (EUA). Junto com vários colegas, Muneoka tem estudado em detalhes como salamandras e outras criaturas, como girinos e até fetos de mamíferos, conseguem recriar total ou parcialmente seus membros. O trabalho ainda está num patamar teórico, mas sua principal conclusão é bastante esperançosa: todos nós parecemos ter ao menos o germe desse superpoder. Ele só precisa de uma turbinada.
Na ponta dos dedos
O maior indício disso é que, embora pouca gente saiba, os seres humanos são capazes de substituir a ponta de dedos cortados, desde que não haja ne-nhuma intervenção agressiva no machucado, como implantes de pele. É claro que isso não se compara à capacidade das salamandras, e o trabalho de Muneoka e companhia tem mostrado, em deta-lhes, como elas conseguem. Quando a pata de uma salamandra é decepada, tudo começa de um jeito mais ou menos igual ao que se vê entre pessoas. O sangue estanca e forma-se uma espécie de “casca de machucado”. A partir daí, a coisa muda de figura. O passo seguinte do anfíbio é construir, na região, o chamado blastema, uma espécie de “embrião de membro” cujo desenvolvimento espelha, em grande parte, a formação original da pata dela.
Os atores principais desse processo parecem ser os chamados fibroblastos, um tipo de célula que também participa da cura natural de ferimentos em seres humanos. A diferença entre nós e as salamandras, no entanto, é que os fibroblastos que são recrutados para o toco de membro delas parecem adquirir uma feição primitiva, ativando genes que normalmente só funcionam durante o desenvolvimento embrionário. Isso permite que eles se tornem versáteis, produzindo todo tipo de tecido, como cartilagens e ossos, o que ajuda a remontar o membro perdido. Outro ponto importante é que essas células trocam mensagens entre si, de forma que “sabem” com precisão em que parte do resto de membro estão. Não há risco de uma pata cortada na altura do cotovelo, digamos, crescer de novo como se estivesse começando a partir do ombro.
Então, qual o problema com os mamíferos? Parte da resposta parece ser lerdeza. Estudos com embriões de camundongos revelam que eles são capazes de formar blastemas, mas o fazem de forma lenta, o que impede a regeneração completa. Outro problema é que os fibroblastos de animais como nós tendem a produzir grandes quantidades de matriz extracelular (uma espécie de cimento biológico), que acaba engessando a regeneração e formando uma cicatriz. Portanto, os pesquisadores já sabem o que fazer. É preciso achar maneiras de ativar os genes “primitivos” do local da amputação assim que o ferimento acontece. Eles esperam testar a ideia daqui a uns 5 ou 10 anos.