Ricos tendem a considerar políticas de igualdade como prejudiciais a eles
O "mercado" não gostou? Privilegiados costumam achar que ajuda a pobres afeta negativamente o seu grupo. Mesmo quando não perdem um centavo.
Em uma de suas muitas declarações infelizes ao longo do governo Bolsonaro, ainda em fevereiro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o dólar em alta era uma coisa boa. Reclamou que, com o dólar baixo, até empregada doméstica estava indo para a Disneylândia. “Uma festa danada. ‘Pera aí’…”, lamentou. Na época desse comentário, a moeda americana já estava a R$ 4,35. Hoje, mesmo profissionais de áreas mais bem remuneradas que a dos serviços domésticos têm dificuldade em fazer turismo internacional: o dólar já está acima de R$ 5.
Mas o que Paulo Guedes, um milionário que assumiu ter uma offshore no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, tem contra faxineiras conseguirem recursos para viajar para os Estados Unidos? A ciência já tem uma resposta para esse elitismo.
Um estudo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, revelou que pessoas de situação econômica privilegiada tendem a interpretar políticas públicas de promoção de igualdade como prejudiciais a seu grupo. Mesmo que elas mesmas se beneficiem dessas políticas.
Mais de 4 mil voluntários participaram. Os pesquisadores apresentaram a pessoas bem de grana políticas que beneficiariam um grupo menos favorecido (de alguma minoria racial, pessoas com deficiência ou que cometeram algum crime no passado…), mas não afetariam em nada o conforto da sua própria bolha. Poderiam até ajudá-la em alguns casos.
Vale ressaltar que os autores do estudo explicaram aos participantes que os recursos (poderia ser emprego ou dinheiro mesmo) eram ilimitados. Ou seja, não faltaria para ninguém caso houvesse mais para quem estivesse numa situação precária.
Um exemplo: uma política direcionaria mais verba para empréstimos a clientes latinos. Isso, veja bem, sem limitar a quantidade de empréstimos que poderiam ser feitos aos voluntários.
A equipe descobriu que, em média, as pessoas numa situação favorável de dinheiro percebiam equivocadamente essa política como prejudicial ao seu próprio acesso aos empréstimos, mesmo sabendo que os recursos eram ilimitados. Ou seja, um temor completamente irracional toma conta dos ricos quando acham que pessoas pobres vão ser beneficiadas.
“Descobrimos que os membros privilegiados interpretaram erroneamente essas políticas como um sacrifício ao seu grupo, mesmo quando esse não é o caso”, afirmou Derek Brown, autor do estudo.
O foco de Brown na Universidade da Califórnia é investigar o que impede a igualdade nas empresas e na comunidade. Sua pesquisa se concentra em como a participação no grupo, a hierarquia e o comportamento não verbal moldam a forma como respondemos à sociedade cada vez mais diversificada ao nosso redor.
Branco rico tolera melhor ajuda ao branco pobre
Outra descoberta do estudo, daquelas de perder a fé na humanidade, é que os grupos privilegiados tendiam a perceber uma política de igualdade como menos prejudicial a eles se fosse beneficiar apenas pessoas com as quais elas se identificassem. Brancos ricos toleram melhor ajuda governamental a indivíduos pobres se esses em condição precária também forem brancos. Se a política contribuir para melhorar a condição de famílias negras, por exemplo, os privilegiados a veem como um risco maior a sua própria situação. Mesmo que o dinheiro que vá para os negros não diminua o que esses brancos ganham. Racismo puro.
Como apontou o neurocientista Dan Meegan, da Universidade de Guelph, no Canadá, “esse estudo pinta um quadro bem sombrio para aqueles que querem convencer as pessoas a apoiar políticas pensadas para reduzir a desigualdade. Os autores deram aos participantes todas as oportunidades para perceber que ajudar os necessitados não precisa ser às custas de seus privilégios. Mas sem sucesso”.