Tornar Marte habitável
Um bombardeio de água, uma pintura nova, algumas bactérias e pronto: Marte pode começar a se tornar habitável
Texto Salvador Nogueira
Nem Maluf seria capaz de conceber uma obra de engenharia tão mirabolante: a adequação de um planeta inteiro às necessidades humanas, tornando-o habitável. É isso que define o conceito de terraformação, o qual, provavelmente, é o único caminho para que a nossa espécie consiga colonizar outras áreas do sistema solar além do nosso planetinha natal – sem falar, claro, nos outros astros que nos esperam em regiões mais distantes da Via Láctea.
O problema é conseguir apoio político e recursos econômicos para esse tipo de projeto. Se a exploração espacial de hoje parece cara, os projetos de terraformação chegam a um patamar bem mais alto e precisariam de um esforço conjunto mundial sem precedentes. Por isso, seu horizonte mais provável é de várias décadas ou até de séculos no futuro.
Quem se habilita?
Isso posto, quem são os candidatos no sistema solar? Uma rápida passada de olhos pela nossa vizinhança cósmica mostra que a coisa está meio feia. Marte é mesmo o menos ruim dos candidatos, pelo visto.
Menor que a Terra, mas não muito, frio pra burro, mas não muito mais que os piores lugares da Antártida, Marte precisaria de 3 coisas: engrossar sua atmosfera, modificar a composição dela e ficar mais quente. Dotar o planeta com ar menos rarefeito ajudaria a evitar a perda de água para o espaço e protegeria o astro de formas nocivas de radiação solar.
Para começar o processo, existem dois grandes caminhos. O primeiro seria “rebocar” água e metano de outros locais do sistema solar (como o cinturão de Kuiper, cheio de pequenos astros feitos de gelo, e as luas de Saturno, que possuem metano a rodo) e bombardear Marte com essas substâncias. Tanto a água quanto o metano, quando vaporizados, são potentes gases-estufa, ou seja, ajudam a reter o calor gerado pela luz do Sol nas proximidades da superfície, igualzinho ao dióxido de carbono emitido pelos escapamentos dos carros, que tanto preocupa a humanidade hoje. Uma estratégia menos braçal, e talvez mais esperta, envolve minerar o solo marciano e usar seus componentes para produzir perfluorocarbonos (PFCs), substâncias que também são gases-estufa poderosíssimos. Essa é a proposta de Chris McKay, cientista do Centro de Pesquisas Ames, da Nasa. McKay estima que a fase inicial de terraformação marciana dure uns 100 anos. Conforme os PFCs começarem a esquentar a atmosfera de Marte, quantidades consideráveis de gás carbônico presas nas calotas polares, na forma de gelo seco, vão voltar para o ar e potencializar o processo. Tudo isso levaria a outro efeito muito desejado: a presença de água na forma líquida.
Nesse ponto, talvez já fosse possível a introdução de micro-organismos de origem terrestre – basicamente cianobactérias e algas microscópicas, com capacidade para transformar o gás carbônico em oxigênio. A grande incógnita, porém, envolve a importação de nitrogênio para a atmosfera marciana. Esse gás, que é o mais abundante no nosso planeta (equivale a mais de 70% da nossa atmosfera), ajuda a estabilizar reações químicas e evitar que o oxigênio saia do controle por aqui. Talvez seja possível trazê-lo do sistema solar exterior. O processo todo levaria dezenas de milhares de anos, mas produziria algo inestimável: um novo lar para a vida terrestre.
Por um Marte mais humano
Aquecimento global controlado e bactérias são peças-chave para tornar o planeta habitável
1. A prioridade número 1 é dar um jeito de esquentar Marte, que hoje é muito frio. Há várias maneiras de fazer isso, mas um primeiro passo poderia ser o uso de uma frota de satélites com espelhos, que amplificariam a luz do Sol e a lançariam com maior intensidade na direção do planeta vermelho.
2. Com o aumento do calor, é bem possível que o gás carbônico que está presente nas calotas polares de Marte na forma de gelo seco comece a derreter e vá parar na atmosfera. Como sabemos por experiência aqui na Terra, o gás carbônico é um gás-estufa, ou seja, ajuda a reter o calor do Sol perto da superfície.
3. Além de contribuir para o aumento da temperatura, o gás carbônico também ajuda a aumentar a pressão da atmosfera, o que favorece a presença de água na forma líquida. Além da água que já existe no planeta, os terraformadores poderiam rebocar cometas, que são formados por gelo, e jogá-los em Marte, levando ao surgimento de lagos e rios.
4. Com a presença de água líquida, calor e gás carbônico, é hora de introduzir em Marte micro-organismos como as cianobactérias, cujo papel aqui na Terra é usar o gás carbônico para produzir oxigênio por meio da fotossíntese. Ao se multiplicarem, elas devem tornar o ar marciano cada vez mais respirável.
5. Vai ser preciso muita paciência e um trabalho de gerações, talvez ao longo de milhares de anos, mas o resultado final vai valer a pena: um novo planeta habitável no sistema solar.