Relâmpago: Revista em casa a partir de 9,90
Imagem Blog

Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.

Como entrar em um buraco negro. E o que você vai encontrar lá dentro.

Vi o Interestelar ontem. Queria falar sobre, mas vou acabar dando spoiler. Melhor ficar na minha. Se você já viu e quiser conversar, me liga. Mas não dá pra não falar do protagonista do filme: a maleabilidade do tempo. Seja no filme, seja na vida real, é a mesma coisa. Quando você está em algum […]

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 dez 2016, 09h50 - Publicado em 8 dez 2014, 18h59

interstellar-black-hole

Vi o Interestelar ontem. Queria falar sobre, mas vou acabar dando spoiler. Melhor ficar na minha. Se você já viu e quiser conversar, me liga.


Mas não dá pra não falar do protagonista do filme: a maleabilidade do tempo. Seja no filme, seja na vida real, é a mesma coisa. Quando você está em algum lugar com campo gravitacional bem forte o ritmo da passagem do tempo muda. Se você pudesse ficar tão perto de um buraco negro quando o Matthew McConaughey e começasse uma conversa pelo Skype com a sua filha na Terra, então, teria uma experiência quase tão ruim quanto usar o Skype pela TIM: a menina veria você em câmera lenta. Devagar. Quase parando. Cada sílaba demoraria mais tempo para sair do que uma palavra inteira. Um saco.


Do seu ponto de vista não seria muito melhor. Ela ia falar em câmera lenta também? Não: o contrário. Você veria a menina falar acelerado. Com voz de bozolina. É que o tempo está passando mais devagar para você, por culpa da gravidade mastodôntica do buraco. Você está envelhecendo mais lentamente. Então o resto envelhece mais rápido. E envelhecer mais rápido significa viver em fast forward. Claro que quem está na Terra não tem “consciência” de que o mundo está em câmera acelerada. É só do seu ponto de vista, aí perto do buraco negro, que o mundo passou a existir em FF. Para a gente, aqui embaixo, não tem nada disso: o problema é você. Você que passou a viver em câmera lenta.


No filme não tem isso (ceci nes’t pas une spoiler…). 
É que, pela mitologia do Interestelar, a transmissão de sinais por dentro de um buraco de minhoca seria pior que sinal de celular no elevador – insuficiente para um facetime espacial. Mas não. Se passa gente pelo buraco na boa, passaria sinal de rádio também. Só que não importa. As licenças poéticas do filme mais ajudam a trama do que atrapalham.

Continua após a publicidade

Então agora libere seu Christopher Nolan interior e imagine que você chegou bem perto do buraco negro, num ponto onde a gravidade já é tão forte que nem as letras do sobrenome do Matthew McConaughey conseguiriam se manter juntas. Na vida real, é o seguinte: a gravidade que puxa o seu pé seria bilhões de vezes mais forte que a gravidade que puxa a sua cabeça. É o bastante para transformar o seu corpo num fio de macarrão. Mais um pouco e os seus átomos acabam picados. A coisa é feia.

Mas vale deixar esse incoveniente de lado para imaginar como seria atravessar o horizonte de eventos de um buraco negro. O horizonte, aí, é a própria bola preta que aparenta ser a superfície do buraco. Mas não tem superfície nenhuma ali. Você vê uma bola preta porque os arredores imediatos do centro do buraco negro não refletem luz nenhuma. A luz que chega lá fica por lá mesmo, presa pela gravidade insasiável do negócio. E o que você vê do lado de fora é uma bola preta, eventualmente circundada pelos restos mortais de alguma estrela que esteja sendo digerida.

Agora você vai lá, desvia da poeira estelar toda, e entra na bola preta. Atravessa esse triturador de átomos que é o horizonte de eventos e continua vivo. Beleza. Estamos usando a imaginação aqui, não educando crianças para que elas não caiam em buracos negros no caminho para a escola… Bom, o que acontece, então, quando você entra na bola preta? Fácil. É só lembrar da história da câmera acelerada. Quanto mais perto do centro do buraco negro você chega, mais a câmera acelera aqui na Terra, e no resto do Universo todo. Chega um momento em que um segundo para você vale um século aqui na Terra. E quem pudesse te ver daqui, veria o seu corpo como uma estátua. Congelado. Você precisa de quase um século para completar uma piscada de olho, afinal.

Continua após a publicidade

Depois piora. Cada metro a mais que você cai em direção ao centro do buraco significa um déficit exponencialmente maior. Um segundo seu vai durar um milhão de anos na Terra. Depois um bilhão. Uma hora não vai mais ter Terra, nem Sol, nem Via Láctea. Em alguns trilhões de anos talvez não haja mais nenhuma estrela acesa no Universo conhecido. Mais um pouco, os prótons decaem. Deixam de existir. Não sobra mais nada além de radiação pura. E escuridão. E frio. Enquanto isso, passou um minuto no seu relógio. E você não é só o último humano vivo do Universo. É a última coisa que existe no Cosmos.

E aí você olha para o centro do buraco. O que tem ali? Do ponto de vista da física ortodoxa, a que não leva em conta teorias exóticas, não dá para saber. O nome do centro do buraco é “singularidade”. Um ponto. Algo com dimensão zero e gravidade infinita. Dimensão zero porque não é só o tempo que termina dentro do buraco. O conceito de espaço termina também. É como se a gravidade infinita sugasse o próprio lugar onde o buraco negro está. Não sobra mais nada. É o fim de tudo.

Mas essa não é a única resposta que existe. Para imaginar o que você veria no centro de um buraco negro (caso houvesse luz ali) vale mais perguntar para os físicos menos ortodoxos também. É o caso dos partidários da teoria das cordas. Eles têm uma visão mais redonda sobre o que existiria no centro de um buraco negro: uma bolinha com diâmentro de 0,000000000000000000000000000000001 cm. 10ˆ-33 cm. Nessa bolinha, estariam espremidas as três dimensões de espaço que formam o nosso mundo 3D. Todas já devidamente sugadas, junto com a quarta dimensão do Universo – a do tempo. Mas essas quatro dimensões não estariam sozinhas ali. Teriam a companhia de mais sete – é o que chamam de “dimensões enroladas”, que só existem no mundo infinitesimal, em oposição às “dimensões extendidas”, caso das três onde nós e o resto do Cosmos vivemos dentro.

Continua após a publicidade

Essa bolinha multidimensional, segundo os cordistas, seria a unidade básica de espaço – não haveria nada menor do que isso no Universo – nada de “singularidade”, portanto. Um adendo: em cada um desses micromundos, vibraria uma cordinha. Um fiapo unidimensional, também de 10ˆ-33 cm. Da vibração desses fiapos nasceriam as partículas fundamentais. Se a corda vibra de um jeito, nasce um elétron. Se vibra de outro, o que surge é um fóton. E assim por diante, até completar a fauna de 17 partículas fundamentais que a gente conhece. É por isso que a coisa chama “teoria das cordas”.

Mas vamos voltar para dentro do buraco que é mais legal. E agora? Para onde está indo tudo o que o buraco suga? Não sei. Ninguém sabe. Mas o chute que eu mais gosto é o de um físico canadense, o Lee Smolin. Ele imagina que, no centro de cada buraco negro, existe um gameta de Universo. Um buraco negro representa o fim do espaço e do tempo, ceto? Smolin acha que o espaço e o tempo recomeçam “do outro lado” do buraco. Ou seja: cada um deles guardaria um Big Bang, o início de um outro Universo, completamente desconectado do nosso. Lembre-se: esse outro Universo, graças à física dos buracos negros, só começa quando o nosso acaba. Só que, da perspectiva do próprio buraco negro, o nosso Universo já acabou.

Bom, esse universo-bebê que nasce do outro lado teria suas próprias dimensões de espaço e de tempo. Do ponto de vista da teoria das cordas, pode surgir um universo com quatro dimensões extendidas de espaço. Com cinco. Com seis. Com duas de tempo, talvez – o que deixaria um universo assim particularmente difícil de imaginar. E por isso mesmo encantador. Sem falar que o Cosmos teria tantos universos dentro quanto uma praia tem de grãos de areia. Seria um Multiverso, já que o espaço está coalhado de buracos negros, cada um contendo seu próprio gameta de universo lá dentro. Este nosso universo aqui, aliás, não tem razão nenhuma para ocupar um lugar especial nessa teia. Então o nosso próprio Big Bang teria começado a partir de um buraco negro de outro universo.

Continua após a publicidade

Bom, aí a coisa toda já começa a deixar de ser ciência. Vira arte. E isso é ótimo: tomara que a arte do Smolin e dos caras das cordas sejam spoilers, até. Grandes, monumentais spoilers da história real do Cosmos.

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.