Entre a renúncia e o impeachment: os fantasmas de Bolsonaro
Ao chamar a população às ruas para apoiá-lo, Bolsonaro faz como Jânio e Collor. E flerta com a possibilidade de ter o mesmo destino dos dois.
Bolsonaro assumiu repetindo que “nossa bandeira jamais será vermelha”. Se colocava como a solução contra uma ameaça inexistente – a de que alguma força estaria prestes a transformar o Brasil numa República Soviética, ou coisa que o valha.
Faltou combinar com os russos. A única fonte de problemas para o governo Bolsonaro foi sempre a inépcia do próprio governo Bolsonaro.
Sem ter como assumir isso, o presidente elegeu novos inimigos imaginários. No texto destrambelhado que distribuiu na última sexta, ele endossa que a ameaça agora vem do Congresso, dos grandes empresários, dos militares.
Está lá: “Agora, como a agenda não é do interesse de praticamente nenhuma corporação (pelo jeito nem dos militares), o sequestro [do Estado] fica mais evidente e o cárcere começa a se mostrar sufocante….”.
Igual ao escorpião da fábula, Bolsonaro seguiu sua natureza destrutiva. Ao distribuir o texto, ele dá uma ferroada justamente nos agentes que o levaram nas costas lá dos fundos da Câmara até o terceiro andar do Palácio do Planalto.
É confortável atribuir tal ausência de nexo aos limites intelectuais do presidente. Mas não é tão simples.
Bolsonaro sabe que as investigações de corrupção contra o filho podem trazer à tona mais ligações de sua família com o crime organizado.
SIm. Deixemos de lado o eufemismo “milícias”; ou o eventualmente glamouroso “máfia”. Aquilo que começou na favela de Rio das Pedras, a Pasárgada do Dr. Queiroz, é tão crime organizado quanto PCC, CV, ADA ou qualquer grupo de indivíduos que se reúna para assaltar um banco ou matar um desafeto.
Em janeiro, o cheque que a esposa de Bolsonaro recebeu de Queiroz passou meio que batido pela maior parte opinião pública. Era hora de “torcer a favor”, afinal. Agora ele não tem tanta torcida assim. Qualquer novidade virá como uma bomba atômica.
Nesse cenário, dá para entender a carta como uma ação de guerra preventiva. Sabendo que será atacado de forma inédita com o avanço das investigações, que virá gritos de impeachment de todos os lados, Bolsonaro lançou uma primeira ofensiva para ver se mobiliza a população a seu favor. A segunda ofensiva veio logo depois, com a chamada às ruas em sua defesa no dia 26 de maio.
Jânio e Collor fizeram o mesmo, cada um de uma forma: Jânio renunciando para ver se voltava com poderes absolutos e Collor chamando o povo a sair de verde e amarelo. E foi aí que descobriram o pior: que o apoio popular que os levara à presidência tinha evaporado. Só existia dentro de suas cabeças.
Jânio teve de ficar em casa, e Collor viu as ruas tomadas por gente de preto – num episódio que, segundo ele próprio, não teria como produzir outro resultado que não seu impeachment. É impossível saber o que acontecerá no dia 26. Mas o fato é que a sorte de Bolsonaro está lançada. Se a respostas das ruas não vier, pode ser o começo do fim de um governo que mal completou cinco meses.