Nenhum suor, muita água fresca: como os insetos controlam a própria temperatura?
Drinks intantâneos na ponta da língua e umidificador de ar para o interior dos ninhos: os artrópodes têm truques para lidar com a previsão do tempo.
O colaborador desta semana é Guilherme Gomes, formado em ciências biológicas, mestre e doutor em Fisiologia Forense pela UNESP de Rio Claro. Fez pós-doutorado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. É sócio-fundador da Predikta.
Tudo no Universo está trocando calor constantemente. Coisas com temperatura mais alta cedem sua energia térmica às de temperatura mais baixa até que ambos alcancem o equilíbrio. Todo ser vivo está exposto a condições ambientais diversas e precisa se adequar a essas trocas para preservar uma temperatura corporal adequada à sua sobrevivência.
Assim, os animais têm mecanismos para controlar suas trocas de calor, seja ao recebê-lo de alguma fonte, seja impedindo sua perda para o ambiente – caso contrário, eles superaquecem ou resfriam.
É para isso que servem casacos. Se um desavisado esquecer o capote numa noite de inverno, não vai conseguir reter o calor do corpo, que será trocado pelo frio do ambiente. A depender do quão gelado estiver lá fora, o resultado pode ser trágico: o frio extremo pode causar a morte; é a chamada hipotermia.
Já em um dia típico de verão escaldante, com temperaturas acima de 35°C, nós adotamos diversos comportamentos ou processos para amenizar o ganho de calor – ou favorecer a perda. Podemos reduzir as roupas ou apelar para um picolé gelado. Se o dia estiver infernal, é preciso apelar para um ventilador ou ar condicionado. Na falta deles, o nosso corpo vai se virar como pode com a transpiração. Os cães ofegam e os gatos se lambem com o mesmo objetivo.
Mas e os insetos, como conseguem se refrescar e não superaquecer em um verão escaldante? Não é tão simples: esses bichinhos possuem um exoesqueleto – um revestimento cascudo de queratina que impede a existência de um mecanismo como o suor. Para piorar, a respiração deles é de um tipo diferente, denominado traqueal – que não permite a típica ofegação canina.
Outra variável importante é o tamanho e a forma desses invertebrados. Eles são animais de pequeno porte, que possuem grande área de contato com ambiente externo em relação a seu volume. Consequentemente, trocam calor com o ambiente com extrema rapidez. É só pensar: um café expresso esfria muito mais rápido que um jarra de café. Isso faz com que a temperatura corpórea desses artrópodes esteja quase sempre equilibrada com a do ambiente externo.
Adicione ao calor ambiente o calor metabólico – ou seja, o calor gerado pela atividade do corpo – e um inseto pode superar facilmente 40°C de temperatura num dia de 35°C caso não faça algo para se refrescar.
A fonte mais óbvia para refrigerar o corpo é a água. Algumas espécies podem ingerir o líquido para aliviar a barra, como observamos em diversas abelhas e vespas. Além disso, há insetos que levam gotículas de água em seu aparato bucal para gotejá-las sobre as larvas e a estrutura interna dos ninhos. A evaporação desse líquido reduz a temperatura do ambiente – o mesmo princípio dos ventiladores que soltam vapor de água em grandes salas de espera.
Algumas espécies de moscas têm um truque bacana para aliviar o calor. Elas expõem para fora do aparato bucal uma gotícula de saliva. O líquido é mantido ali por alguns segundos, enquanto a água evapora com o calor do ambiente. Nesse processo, a temperatura da gota de saliva reduz em até 7°C e a mosca volta a ingerir o líquido. É como se ela criasse uma bebida gelada em pouco tempo para se refrescar.
Em um mundo sem aquecedores ou ar condicionados, os insetos precisam apelar para diversos processos comportamentais e fisiológicos para se adequar diariamente às leis da termodinâmica. Da próxima vez que estiver com os pés gelados no inverno, pense que bichinhos pequenos perdem todo o calor de seus corpos muito mais rápido do que o seu dedão sem meia.