Ideias errôneas e arcaicas como a de que meninas não podem ser boas em matemática, computação ou ciências precisam ser derrubadas – e existem muitos esforços mundo afora para que isso seja feito. Mas alguns incentivos cotidianos precisam ser repensados, segundo um estudo recente da Universidade Stanford.
O problema está em frases (muitas vezes ditas por pais e professores) como “garotas são tão boas quanto garotos em matemática”, ou variações do tipo “uma cientista mulher é igual a um cientista homem”.
Embora a intenção seja mostrar que indivíduos dos dois sexos sejam igualmente capazes, construções frasais como essas acabam reforçando a ideia que elas visam combater.
As autoras do estudo, Eleanor Chestnut e Ellen Markman, testaram os efeitos de frases como essas em adultos americanos e descobriram que a maioria das pessoas associa uma habilidade matemática natural com o gênero citado na segunda parte da frase.
“A linguagem pode desempenhar um papel enorme na maneira como percebemos o mundo”, disse Chestnut. “É importante identificar elementos que podem nos influenciar de uma forma ou de outra, sem percebermos”.
A culpa está na estrutura gramatical usada: o gênero presente na segunda parte da frase é interpretado como um padrão para o outro. Assim, dizer “meninas são tão boas quanto meninos” significa para o ouvinte ter um objeto (“meninas”) comparado a outro, que é considerado o padrão, ou mais comum (“meninos”).
Pode-se estar tentando dizer que tanto um quanto o outro são iguais, mas o que fica é a ideia de que só um deles é o padrão. Fica mais fácil entender isso quando comparamos as frases “tendas são como casas” e “casas são como tendas”. Qual delas lhe parece a mais correta?
O segundo objeto é considerado o padrão a ser seguido, e é por isso que nos parece mais adequado dizer que tendas são como casas, e não o contrário. Em outras palavras, existe aí uma conotação de superioridade do segundo objeto sobre o primeiro.
Frases igualitárias
Agora considere a frase:
“Meninas e meninos são igualmente bons em matemática”.
A diferença entre essa e as anteriores pode parecer insignificante à primeira vista, mas as autoras garantem que seus efeitos são importantes. É que nela não estamos comparando um objeto a outro: ambos desempenham o mesmo papel na sentença: o de sujeitos.
Para entender o efeito dessas construções frasais sobre as pessoas, as autoras entrevistaram 650 adultos de língua inglesa dos Estados Unidos, divididos em cinco grupos.
Cada grupo leu variações de um parágrafo sobre pesquisas científicas que mostravam não haver diferenças de gênero em relação a habilidades matemáticas. O texto era quase idêntico – a única diferença, bem sutil, estava em como a frase com a descoberta principal havia sido construída.
Havia quatro construções possíveis: “as meninas se dão tão bem quanto os meninos em matemática”, “os meninos se dão tão bem quanto as meninas em matemática”, “meninas e meninos são igualmente bons em matemática” e “meninos e meninas são igualmente bons em matemática ”.
Depois da leitura, cada participante teve de dizer qual gênero lhe parecia mais naturalmente qualificado em matemática.
Dos que leram o texto que incluía “as meninas são tão boas quanto os meninos em matemática”, 71% disseram que os meninos têm uma habilidade matemática mais natural. Por outro lado, apenas 32% disseram o mesmo depois de ler um texto que continha “meninos são tão bons quanto meninas em matemática”. Ou seja: a simples troca de ordem de duas palavras resultou na reversão completa de um estereótipo.
E vale notar que, quando perguntados, nenhuma dessas pessoas considerou tais frases tendenciosas – o que mostra que as pessoas muitas vezes não estão cientes de como a linguagem as influencia.
Já os leitores das construções “são igualmente bons em matemática” mostraram uma redução de crenças envolvendo esse tipo de estereótipo: só 52% dos que leram “meninas e meninos” e 53% dos que leram “meninos e meninas” atribuíram maior habilidade matemática aos meninos.
“Não estamos dizendo: ‘Nunca diga isto ou aquilo'”, disse Chestnut. “Mas se esse tipo de linguagem está em toda parte e estamos habitualmente usando, tudo isso poderia importar. Para alcançar a igualdade de gênero, devemos analisar criticamente nossa linguagem para que possamos identificar e corrigir as formas pelas quais reforçamos implicitamente a crença de que os homens são o gênero dominante e de status mais alto ”.
O estudo foi publicado no periódico Cognitive Science e pode ser lido aqui.