A primeira pegadinha de 1º de abril da história
Os ingleses são os mais empolgados com o primeiro de abril. E foi em Londres que a primeira zoeira surgiu.
Em 1184, astrólogos de Toledo, na Espanha, endereçaram uma carta ao papa de então, Clemente III, alertando para o fim do mundo dali a dois anos. Tormentas, secas, fome e peste varreriam a humanidade para baixo do tapete da Terra por causa de uma sinistra conjunção planetária.
A notícia espalhou pânico pela Europa. Mas, 1186 começou e terminou sem maiores problemas (para a Sérvia e a Bulgária, inclusive, foi um ano bom, já que tiveram suas respectivas independências reconhecidas pelo Império Bizantino).
E quem disse que a tal carta de Toledo ficou desacreditada? O texto voltou a circular anos, séculos depois, apenas com nomes e datas alteradas. Acabou com o mundo em 1229 e em 1510. Se em sua primeira versão ela, vá lá, tivesse uma intenção justa de realmente alertar as lideranças políticas da época, a sua readaptação anos depois era, no máximo, uma canalhice para semear o caos ou, no mínimo, uma jocosa brincadeira sem muita graça.
A carta de Toledo é a versão medieval e apocalíptica da carta de Gunther Schweitzer, aquela que circula na internet desde 1998 denunciando fraudes na Copa do Mundo, mudando apenas datas, nomes e locais envolvidos.
Pregar peças, espalhar boatos de má ou boa fé, idealizar pegadinhas, criar hoaxes para o papa, zoar os nobres e plebeus menos atenciosos, trolar aqueles que deixaram a malícia em casa é algo que fazemos desde sempre. Mas quando foi que começamos a usar especialmente o Dia da Mentira para tal?
A origem da data é da França do século 16 e está no contexto da bagunça burocrática que foi a implantação do calendário gregoriano (mais ou menos um bug do milênio que realmente ferrou muita gente). Mas a primeira pegadinha de que se tem notícia foi registrada na Inglaterra, mais especificamente na Torre de Londres. Em 1698, periódicos locais registraram que pessoas inocentes aceitavam convites para ir à torre assistir à lavagem anual dos leões.
Os leões, no caso, não eram estátuas de pedra ornando escadarias, batentes ou telhados. Eram bichos vivos, mesmo. Desde o século 13, a Torre de Londres mantinha animais selvagens como, além dos leões, leopardos, elefantes e até um urso-polar, treinado para pescar no rio Tâmisa.
Acontece que não existia banho de leões algum. Era a mais pura e banal mentira, só para fazer as pessoas irem até a torre à toa. A brincadeira se tornou tradicional, especialmente para tirar um sarro de forasteiros. De acordo com especialistas da arte da pegadinha (eles existem, é claro, e a Hoaxipedia é uma fonte boa para você ver se sua ideia de aloprar o coleguinha é original ou não), tratava-se de uma típica “perseguição ao ganso selvagem”, brincadeiras em que se cria um objetivo inexistente só para fazer as pessoas se deslocarem em vão. Na Idade Média, uma das mais famosas a era a lenda da Ilha de Brasil, que ficaria no Atlântico e fez muita gente se jogar no mar à sua procura (e, não, essa história é anterior à chegada oficial dos portugueses à Ilha de Vera Cruz, então não tem ligação com o Brasil).
No século 19, a pegadinha se tornou mais sofisticada, com malandros que chegavam a vender ingressos para o evento inexistente:
Em 1834, os poucos animais que ainda estavam na Torre de Londres foram transferidos para o zoológico da cidade. Isso não segurou os fanfarrões, que mantiveram a tradição, mudando apenas o endereço, enviando suas vítimas inocentes ao zoo.
Até hoje os ingleses são, talvez, os mais empolgados com as brincadeiras de 1º de abril. A BBC já bolou umas clássicas, como a da plantação de espaguete, em 1957.
Vida longa à piada, ora pois. Se uma zoeira pode durar mais de cem anos é porque a zoeira, a história ensina, não tem limites.