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Ku Klux Klan adaptava seu discurso para extrair mais grana de cada racista

Se uma comunidade tinha preconceitos arraigados contra orientais, judeus ou negros, a KKK moldava seu discurso aos otários locais para angariar fundos mais facilmente.

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h21 - Publicado em 10 fev 2017, 12h16

A Klu Klux Klan está no nosso imaginário como uma organização terrorista que enforcava negros, pilhava comunidades, estuprava mulheres e envergonhou os Estados Unidos em sua própria casa. Mas, na verdade, ela estava mais para uma organização de marketing estruturada em muitos níveis do que para um grupo que perseguia minorias e era eficaz em cumprir suas metas extremistas. Foi o que concluíram os economistas Roland Fryer e Steven Levitt, autor de Freakonomics, ao cruzarem dados demográficos e estatísticos sobre a organização e as regiões em que atuava.

De acordo com a dupla, a KKK era um grande e perverso esquema de pirâmide que explorava preconceitos já estabelecidos para levantar dinheiro. Ou seja, em vez de propagar sua própria agenda racista, ela se adaptava à realidade, no pior estilo “o freguês tem sempre razão”. Se uma comunidade tinha preconceitos arraigados contra católicos, judeus ou negros, os agentes da KKK mudavam o discurso para deixá-lo mais agradável aos racistas locais e, assim, angariar fundos mais facilmente.

Mas, antes de chegar lá, vamos à origem da Klu Klux Klan, que é digna de nota. Em 1865, seis veteranos da Guerra Civil Americana da cidade de Pulaski, Tennessee, criaram uma sociedade fraternal com trajes e títulos específicos. A ideia era se cobrir de lençóis e cavalgar sem rumo, como se fossem fantasmas. Uma piada arruaceira digna de homens entediados do interior. Porém, essa espécie de protoflash mob rapidamente se transformou em uma plataforma de amedrontamento, atraindo cada vez mais racistas à causa. Só então a perseguição violenta começou.

Em 1870, após anos de violência na base da forca, faca ou pistola, o governo decretou a KKK uma instituição terrorista. Ela desapareceu em 1872, para voltar em 1915, em um grotesco episódio de vida imitando a arte. O filme mudo O Nascimento de uma Nação mostrou os Estados Unidos como um país em que os negros eram estupradores violentos e a KKK era um grupo heroico, formado por gente de bem. Foi um sucesso assombroso de bilheteria, que acabou inspirando o retorno da Klan à ativa. No Dia de Ação de Graças daquele ano, William Simmons liderou um grupo de 34 pessoas em uma viagem a Stone Mountain, na Geórgia, onde eles queimaram uma cruz. A cruz em chamas é, hoje, uma imagem clássica da KKK. Só que ela é uma invenção do filme. A KKK original não queimava cruzes.

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Cartaz do filme ()

Em 1920, Simmons contratou a Southern Publicity Association, uma firma de relações públicas, para dar aquele gás esperto nos negócios. Deu mais que certo. Tudo graças a um deliberado esquema de pirâmide. Simmons cobrava uma taxa de inscrição de US$ 10, dos quais US$ 8 ficavam com a Southern Publicity Association, que, com 80% da grana, tinha bala na agulha o suficiente para redistribuir esse montante e organizar um time nacional de vendas. Os mais de mil kleagles, como eram conhecidos os representantes comerciais da KKK, recebiam US$ 4 para cada novo sócio angariado (o ghoul). Esse esquema foi crescendo e ganhou mais níveis envolvidos, em que as camadas mais baixas se comprometiam a gastar e as mais altas, em acumular. No começo, por exemplo, a SPA pegava esses US$ 6 restantes, embolsava 2,50, dava 1,50 ao supervisor regional chamado de grão-goblin e 2 para Simmons, o autointitulado “grande mago”.

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Grife de otário. ()

  

Mas não era pagar a inscrição e pronto. Calma lá. O novo membro da KKK não podia chegar ostentando seu pijamão pontudo feito em casa. Ele ainda tinha que ralar e passar por rituais de iniciação – e gastar mais. O robe da grife KKK vinha de fabricantes parceiras e custava US$ 6,50 (cerca de US$ 90 atuais). A Klan estimulava o consumismo ao instigar seus associados a comprar uma série de produtos e serviços licenciados, como lavagem a seco dos robes, seguros de vida, capacetes, Bíblias, espadas e docinhos com a marca KKK. Isso sem contar a taxa anual de US$ 5 e outras cobranças feitas pelas patentes mais altas da hierarquia. Com tudo isso, os líderes nadaram no dinheiro. D.C. Stephenson, o chefe da KKK em Indiana, chegou a ganhar US$ 2,5 milhões por ano em valores atuais (ou três vezes mais do que o salário do presidente americano à época, Calvin Coolidge).

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Só que o grão-dragão de Indiana acabou micando o esquema, ao ser condenado em 1925 por estuprar e matar uma jovem. O escândalo provocou a debandada de membros da KKK, mostrando a fragilidade da estrutura. Em 1944, o governo a condenou a pagar US$ 685 mil em impostos, desmantelando-a de vez. Um fim estranho para uma organização terrorista. A KKK voltou a agir mais tarde, mas sem o alcance nacional de antes. Após o atentado terrorista de Charleston, em que nove pessoas foram mortas em uma igreja, em 2015, flyers da KKK surgiram, pedindo apoio à causa e oferecendo os bisonhos docinhos.

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Aqui, “KKK”, infelizmente, não são risos ()

A fraqueza da KKK levou à conclusão, talvez chocante, da dupla de economistas: ela era pífia no que pretendia: demonizar minorias. Nos anos 20, a organização saltou de 1,5 milhão para 4 milhões de membros. Mas o número de linchamentos (crime típico cometido por ela) caiu no mesmo período. Isso significa, segundo os autores, que os crimes de ódio que ocorreram no território americano nos séculos 19 e 20 aconteceriam com ou sem bandos de brancos fantasiados a cavalo.

A Klu Klux Klan foi mais uma grife do racismo do que uma máquina de opressão e morte. Uma organização que era criativa nos títulos ridículos e pródiga em arrancar dinheiro de pessoas que, além de racistas, eram trouxas.

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