Como as placas tectônicas explicam os terremotos na Síria e Turquia
Os terremotos de fevereiro deste ano não foram novidade para os geocientistas. Veja por que a região ainda deve sofrer com tremores pelos próximos anos
Este é o 28º texto do blog Deriva Continental.
Em fevereiro deste ano, terremotos no sudeste da Turquia e noroeste da Síria mataram mais de 50.000 pessoas e destruíram milhares de construções, resultando em prejuízos bilionários na infraestrutura desses países. (Um castelo construído nos séculos 2 e 3, que havia resistido ao histórico de terremotos da região, foi destruído pelos sismos).
Os tremores ocorreram ao longo da Zona de Falha da Anatólia Leste (FAL). Essa zona de falha passa por terremotos pelo menos desde o ano 1157. No último dia 06 de fevereiro, o terremoto mais forte atingiu magnitude de 7,8 na Escala Richter. A região passou por mais 100 tremores, sendo três deles com magnitudes maiores que 6,0.
O Serviço Geológico dos Estados Unidos estimou que os tremores tiveram origem a 18 km de profundidade. O Instituto de Geofísica e Vulcanologia da Itália calculou um deslocamento máximo de rochas por 3 a 4 metros, ao longo de 150 km na direção da falha principal, durante 30 a 40 segundos. Tudo muito rápido, intenso e catastrófico.
Os terremotos explicados pela geologia
Para além da compaixão e solidariedade pelas vítimas, os terremotos despertaram a curiosidade por esse fenômeno geológico. Terremotos liberam energia acumulada nas zonas de falha, em decorrência da movimentação de placas tectônicas, frequentemente ao longo de seus limites. Esses movimentos de placas ocorrem há bilhões de anos no planeta e originam falhas que representam volumes fraturados de blocos rochosos nas porções superiores da placa (crosta).
Placas tectônicas (ou litosféricas) correspondem aos fragmentos rochosos que reúnem a crosta e o manto superior, sobrepostos sobre o manto astenosférico (veja na imagem abaixo). As placas são subdivididas em continental ou oceânica.
A movimentação das placas está associada à ascensão de plumas térmicas que podem surgir no limite entre o núcleo e o manto da Terra. Ao se alojarem na base da litosfera rígida, essas plumas a enfraquecem por processos distensivos, gerando magmas na interface litosfera/astenosfera.
Quando o processo divergente leva à fragmentação de uma placa continental, ocorre invasão de águas marinhas e, se o magma ascende ao assoalho marinho, forma cadeias de vulcões conhecidas como dorsais oceânicas. A ação do vulcanismo cria a crosta oceânica que se expande a partir da dorsal oceânica e, por consequência, novas placas continentais se formam e se afastam ao longo do tempo.
Há placas que têm limites convergentes, locais onde as plumas de calor resfriam e descem em direção ao manto inferior. Nestes limites, podem ocorrer choques frontais de placas. Quando esse choque envolve a litosfera oceânica, ela forma os SLABs (Crosta Oceânica + Manto Litosférico) que afundam para o manto inferior. Essa descida gera magmatismo que sobe para a placa superior e forma vulcões.
Se a placa superior for oceânica, esse vulcanismo constrói ilhas oceânicas e até mini continentes. Esses locais de SLABs caracterizam as zonas de subducção. Quando a zona de subducção tem como placa superior uma litosfera continental, ela soergue formando cadeias de montanhas litorâneas, nas quais pode ocorrer vulcanismo subaéreo. Se todo o SLAB desce para o manto inferior, ocorre o choque entre crostas continentais das placas em colisão que se elevam durante o processo e formam as maiores cadeias de montanhas da Terra.
O terceiro tipo de limite é o transformante, em que o movimento entre as placas é de deslizamento lateral. O limite transformante une dorsais oceânicas segmentadas ou conecta limites distintos dentro de uma mesma placa ou entre placas diferentes. Esse limite tem o significado de transferir movimento e deformação entre as placas, compatibilizando a geometria da tectônica global.
Outro conceito importante é o de falha geológica – uma zona de quebramento de rocha com formação de fraturas e planos nos quais ocorre deslizamento entre blocos constituídos por rochas e solos. É possível vê-los nas fotografias e filmes que mostram a região do terremoto na Turquia. Abaixo, segue ilustração dos tipos principais de falhas.
Durante o evento na Turquia e Síria foram gerados todos os tipos de fraturas, algumas “engoliram” carros e construções, denominadas de fraturas distensionais ou de abertura.
Relatamos acima que na superfície da falha ocorreram deslocamentos de terrenos da ordem de 3 a 4 metros e a este deslocamento os/as geocientistas denominam de rejeito da falha. O rejeito significa que ao longo do plano da falha se mede a distância entre dois pontos ou áreas que antes eram contínuos e que foram deslocados durante o terremoto.
Três a quatro metros representam o rejeito devido ao terremoto de fevereiro. Nos próximos terremotos, haverá mais deslizamentos e acúmulo de rejeitos. Por isso, atualmente se medem rejeitos em falhas de terrenos antigos como na Serra do Mar ou na bacia do Recôncavo, da ordem de quilômetros, acumulados durante milhões de anos de atividade das falhas.
Quando a falha está ativa significa que, ao longo de seu volume, há um acúmulo de energia a ser liberada. Um dos mecanismos para esse acúmulo é a interação dos esforços gerados nos limites das placas tectônicas adjacentes e que se propagam para seus interiores. Esta energia, ao ser liberada, resulta na propagação de ondas sísmicas que fazem a crosta superior vibrar e se deformar, formando zonas de falhas.
Os terremotos ocorrem durante o deslizamento de planos em zonas de falha. Se seus focos (locais onde a energia é liberada) forem rasos e próximos a áreas povoadas, eles podem ser catastróficos, principalmente ao atingir magnitudes maiores ou iguais a 6,0.
Quando o foco ocorre em crosta oceânica, essa magnitude representa falhas que deslocam o assoalho oceânico, movimentando toda a massa d`água e ocasionando os tsunamis.
Os focos de magnitude abaixo de 5,0 também fazem a terra vibrar, mas são menos perigosos para a vida. Alguns exemplos são os terremotos que ocorreram em 2020 na cidade de Amargosa, na Bahia, e que vêm ocorrendo nos últimos anos em Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Ceará.
Vale ressaltar que a intensidade dos danos ocasionados pode variar bastante, levando-se em conta, entre outros fatores, a geologia do local, a profundidade e magnitude do foco, a área da ocupação urbana e a qualidade dos materiais utilizados nas construções atingidas.
Uma breve história geológica da colagem das placas tectônicas turcas
Os terremotos que afetaram a Turquia são consequência da interação da Placa da Anatólia com suas vizinhas, Helênica, Eurasiática, Africana, da Arábia e, à distância, a Indo-Australiana. Essas placas constituem um mosaico continental, associado à grande cadeia de montanhas que se estende desde a fronteira meridional da China, passa pela fronteira Índia-Tibet, por países do Oriente Médio, leste-sudeste da Europa e termina nas fronteiras da Itália, França e Alemanha.
Esse cinturão montanhoso, denominado Alpino-Himalaino representa a colagem das placas que se formaram a partir da fragmentação do supercontinente Pangeia. A fragmentação que começou há 200 milhões de anos deu origem às placas continentais denominadas Norteamericana e Eurasiática no hemisfério norte. No hemisfério sul, a quebra resultou nas placas continentais Sulamericana, Africana, da Arábia, Indo-Australiana e da Antártida.
A partir da quebra de Pangeia, as placas Indo-Australiana e Eurasiática iniciaram seu movimento de colisão. A crosta continental da Índia teve seu primeiro choque com a Eurasiática há 58-55 milhões de anos.
Naquele período, a placa Africana formava uma única massa continental com a placa da Arábia. Há aproximadamente 45 milhões de anos, uma nova pluma térmica, mantélica, se instalou por baixo desta litosfera, próximo a região conhecida por Afar, que fica na área limite do Mar Vermelho com o Golfo de Áden.
Desde então, essa pluma tem provocado movimentações tectônicas que formam riftes em áreas dominadas por falhas normais regionais, além de vulcanismo gerado pela fusão parcial da pluma térmica. Um dos riftes é o Mar Vermelho, onde o estiramento da crosta continental provoca o seu rebaixamento e consequente invasão do continente pelas águas marinhas. O outro rifte é o Golfo de Áden que, além de estiramento e afogamento, já contém uma jovem dorsal oceânica que começou há 30 milhões de anos.
No Mar Vermelho, a taxa de distensão da Arábia para nordeste, em relação à Africana, é de 1,6 cm ao ano. No Golfo de Áden, a Arábia distende para norte a taxas de 2,2 cm ao ano. Esta diferença de velocidade faz com que a placa da Arábia rotacione para norte- noroeste no sentido anti-horário, levando à sua colisão com as placas da Anatólia e Eurasiática.
Os estudos mostram que essa colisão dupla começou entre 20 e 10 milhões de anos atrás, e foi precedida de colisões menores entre mini continentes e arcos de ilhas com a Eurasiática. As montanhas que marcam a colisão de placas são denominadas pelos geocientistas de Cinturão de Dobras de Bitlis-Zagros, que representa a continuidade das montanhas Himalaianas para oeste.
Movimentos da Placa da Anatólia que causam fortes terremotos
Anatólia é uma placa de crosta continental mais jovem em relação às suas vizinhas Eurasiática, Arábia e Africana. Enquanto as vizinhas são formadas por rochas com idades que remontam o Pré-Cambriano (540 milhões de anos até 3,8 bilhões de anos), as de Anatólia mostram idades entre 400 e 300 milhões de anos. A constituição de Anatólia envolveu a colagem de arcos de ilhas e mini continentes que começou há 70-50 milhões de anos. Nesse período, Anatólia ainda não estava unida com a placa da Arábia.
A juventude geológica da Anatólia a torna relativamente mais quente e menos densa em comparação às placas gigantes, Africana e Euroasiática, e mesmo em relação à da Arábia. Além disso, Anatólia apresenta os três limites de placas, resultantes dos movimentos comandados pelas placas adjacentes. Isso a torna bastante suscetível à formação de estruturas geológicas de deformação como falhas.
Ao sul, a aproximação lenta (0,5 cm/ano) da placa Africana resulta na formação da zona de subducção no Mar Mediterrâneo para norte e por baixo do arco de ilha de Chipre, constituindo assim um ambiente compressivo.
A oeste, Anatólia e a placa Helênica mostram um ambiente distensivo que faz acelerar a movimentação da placa de Anatólia nessa direção. Próximo à zona de subducção da placa Africana, Anatólia e Helênica rotacionam para sudoeste.
Nos demais quadrantes geográficos, Anatólia constitui limites transformantes em relação às placas Eurasiática e da Arábia. Ao norte, a placa Eurasiática tem movimento dirigido para sudeste com taxas de 1,6 cm ao ano. Na colisão, ela se movimenta lateralmente para este sentido e Anatólia responde se deslocando lateralmente para oeste, através da Zona de Falha de Anatólia Norte (FAN).
Ao mesmo tempo, a placa da Arábia se separa da Africana, nas regiões do Mar Vermelho e Golfo de Áden, através de movimento rotacional de sul para noroeste. Isso faz com que, na área do Mar Mediterrâneo, Arábia se choque em movimento lateral com as placas Africana e da Anatólia. Arábia e Anatólia têm esta movimentação lateral através da Zona de Falha de Anatólia Leste (FAL), na qual Anatólia se desloca para sudoeste e Arábia para noroeste.
Esses movimentos relativos, ao longo de FAN e FAL, fazem com que Anatólia esteja submetida a uma tectônica de “escape” para oeste-sudoeste. Estudos a partir de medidas de velocidade de movimento das placas, obtidas por GPS de alta precisão, mostram que o escape da Anatólia no sentido anti-horário é congruente e contínuo com a rotação anti-horária da placa da Arábia. Em consequência, o movimento rotacional conjunto de Anatólia e Arábia é medido segundo taxas de 20 a 30 mm ao ano.
O quadro de movimentos das placas na área de Turquia e Síria vem ocorrendo há menos de 60 milhões de anos. Para as geociências, esse é um tempo relativamente pequeno, tendo em vista que já se conhece rochas com idades de mais de 3,8 bilhões de anos em nosso planeta. Esse tempo relativamente curto, aliado às características físicas bem distintas das placas envolvidas no processo de colisão, faz com que toda a região esteja sujeita a terremotos, sendo os de maior magnitude nos limites das placas.
FAN e FAL são falhas jovens, bastante ativas com grande acúmulo de energia prestes a ser liberada. Por isso, os terremotos que nela ocorrem são de alta frequência e os de maior magnitude têm focos rasos na crosta de Anatólia, resultando em catástrofes nessa região, ao longo da história. Só em 2022, as estações sismológicas da Turquia e países vizinhos detectaram mais de 22.000 terremotos, a maioria de baixa magnitude.
Geocientistas sabem que esses terremotos prosseguirão pelos próximos milhões de anos, visto que a colisão final das placas acarretará os fechamentos do Mar Mediterrâneo e do Golfo Pérsico – e consequente colagem das placas Africana e da Arábia com a Eurasiática e Anatólia. Eles só não sabem prever, ainda, quando pode acontecer a liberação da energia acumulada nas zonas de falhas com o intuito de prevenir as populações não só desta região como em outras em que ocorrem terremotos na Terra.