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Gabriela Nardoto sabe o que você come pela composição química das unhas

Isótopos de carbono e nitrogênio mostram se você consumiu alimentos ultraprocessados, se prefere carne ou legumes e até em que regiões do País você esteve – um dado que pode ajudar cientistas forenses.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 22 jan 2021, 09h10 - Publicado em 22 jan 2021, 09h08

Quem ouve a frase “você é o que você come” provavelmente não pensa nas unhas. Mas elas são um raio-x confiável da alimentação de alguém. Revelam se você consome mais ou menos carne, se exagera nos alimentos processados, se compra vegetais com fertilizantes minerais e até em que região do país você mora.

Para entender como isso é possível, precisamos dar um passo atrás na frase clichê ali do começo. Você é o que você come em um sentido bem literal: cada átomo que forma seu corpo hoje entrou em você na forma de comida. É por isso que, quando um bebê nasce, o peso total da Terra continua igual: o bebê é feito de comida que a mãe ingeriu.

Os átomos mais abundantes no nosso corpo são dos elementos carbono, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Eles correspondem a mais de 99% do total. E aqui há um detalhe crucial: dois átomos do mesmo elemento nem sempre são iguais. Eles vêm em versões chamadas isótopos.

Isótopos são átomos iguais em número de prótons, mas diferentes na quantidade de nêutrons. Por exemplo: o átomo de carbono 12 (12C) possui 6 nêutrons no núcleo. Já o carbono 13 (13C) tem 7 nêutrons. Ele é mais raro na natureza.

Cada planta, durante a fotossíntese, gera moléculas que contêm 12C e 13C em uma proporção específica. Essa proporção entre os dois tipos de átomos é uma espécie de impressão digital da soja, do milho ou do trigo. Impressão digital que se preserva quando esses átomos se tornam parte de você – formando, por exemplo, uma unha. 

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Bois se alimentam basicamente de pasto e ração a base de soja e milho. Quem come muita carne vermelha leva a “digital” isotópica do pasto e da ração para suas unhas, enquanto os fãs de legumes terão uma proporção de isótopos diferente na queratina. 

O mesmo vale para os ultraprocessados. Nuggets, salsichas e afins possuem a mesma “marca” isotópica devido às substâncias adicionadas nas linhas de produção. Dessa forma, é possível distinguir se alguém come mais alimentos in natura ou industrializados.

Gabriela Nardoto estudava ecologia, solos e vegetação quando descobriu o potencial das unhas para contar histórias. A primeira amostra que ela analisou veio de sua própria mão.

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Desde então, a pesquisadora coletou unhas em áreas remotas da Amazônia e em várias capitais brasileiras por meio de expedições e parcerias com outras universidades. Sua equipe já possui um banco com mais de 5 mil unhas; a busca começou em 2002.

É interessante comparar as unhas com o nível socioeconômico da população. Gabriela verificou que cidades com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais alto comem mais alimentos ultraprocessados. À medida que a renda aumenta, a família tende a migrar para uma alimentação de supermercado, consumindo menos produtos naturais. 

Pode parecer algo óbvio para quem sempre viveu na cidade e só faz compras no supermercado. Mas há regiões rurais ou de mata nativa em que essa transição no consumo é algo recente – ou sequer aconteceu.

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Isso ficou claro para Gabriela entre as populações ribeirinhas da Amazônia. Quanto mais perto de uma estrada ou via de acesso a família se encontra, mais alimentos industrializados ela consome.

“As comunidades mais estruturadas, que estão perto de uma cidade, fazem as compras no supermercado quando entra um dinheiro extra. É bem mais fácil comprar um frango congelado do que pescar e fazer o peixe com farinha, que é a base da alimentação deles”, diz a pesquisadora.

Mesmo nas capitais, a parcela da população que opta por comprar alimentos saudáveis quando a renda aumenta ainda é pequena. As regiões Sul e Sudeste são as que mais consomem ultraprocessados no país.

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Enquanto o carbono diz muito sobre o processamento do alimento, os isótopos do nitrogênio revelam a quantidade de fertilizantes usados nas plantações. As regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, utilizam mais fertilizantes que o Norte e o Nordeste.

Os isótopos de carbono, nitrogênio e água, somados, conseguem dar uma boa noção de onde um indivíduo se encontra. E dão boas dicas sobre os lugares por onde ele passou. 

Tanto os alimentos como a água de uma lugar possuem uma impressão digital isotópica que pode servir, por exemplo, como uma ferramenta forense. Saber se um criminoso passou pelo Norte ou Sul do país nos últimos meses pode fazer toda diferença para a polícia científica. 

Gabriela Nardoto é professora da Universidade de Brasília (UnB) e colabora em projetos de investigação forense. Ela também pretende seguir em pesquisas com os isótopos estáveis das unhas para avaliar mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros ao longo dos anos.

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