Já existiu alguma cultura realmente matriarcal?
"Matriarcal" não é o melhor termo para descrever as sociedades em que a mulher tem papel central. Conheça algumas delas.

Não há evidências de que tenha existido, em qualquer período da história, uma sociedade verdadeiramente matriarcal. O termo “matriarcado” costuma ser definido como o oposto de patriarcado: um sistema no qual as mulheres detêm o poder político, econômico e religioso, exercendo autoridade sobre os homens em todas as esferas da vida social.
A ideia de que as primeiras sociedades humanas teriam sido matriarcais surgiu no século 19, em um momento em que estudiosos europeus tentavam reconstruir as origens da organização social. Um dos principais nomes foi o jurista suíço Johann Jakob Bachofen, autor de “O Matriarcado” (1861).
Com base na interpretação de mitos gregos e textos antigos, ele propôs que, antes do patriarcado, existiu um estágio cultural dominado pelas mulheres, associado à maternidade, à fertilidade e ao culto a deusas. Essa tese foi retomada por outros pensadores, como Lewis Henry Morgan, que observou sistemas de linhagem materna entre povos indígenas da América do Norte, e por Friedrich Engels, que em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (1884) sugeriu que o patriarcado teria surgido com a acumulação de propriedade e o surgimento do Estado, suprimindo um antigo domínio feminino.
Com o avanço da antropologia, especialmente a partir do século 20, essas hipóteses foram colocadas à prova por meio de estudos de campo em diversas partes do mundo. Pesquisadores analisaram dezenas de sociedades tradicionais e não encontraram nenhuma em que as mulheres exercessem o monopólio do poder.
Revisões mais recentes reforçam essa conclusão: o que se observa, na prática, são culturas em que as mulheres têm papel importante – às vezes central – mas nunca exclusivo. O poder costuma ser compartilhado ou dividido entre os gêneros de formas variadas.
Essas culturas são frequentemente chamadas de “matrilineares” ou “matrifocais”. Em sociedades como a dos Minangkabau, na Indonésia, a herança e o nome de família passam pela mãe, e as mulheres controlam as terras. Nos casamentos, os homens vão morar na casa da esposa. Mesmo assim, as decisões políticas são tomadas por consenso, com participação de homens e mulheres.
Entre os Mosuo, no sul da China, as mulheres são chefes de família e controlam os bens, mas os cargos formais de liderança continuam nas mãos dos homens. Casos semelhantes ocorrem entre os Khasi (Índia), os Tuareg (Norte da África) e os iroqueses da América do Norte. Nestes últimos, por exemplo, as mulheres mais velhas do clã indicavam os chefes – sempre homens – e podiam destituí-los, mas não ocupavam diretamente os postos de comando.
Por isso, o uso do termo “matriarcado” tem sido evitado por antropólogos contemporâneos, já que ele sugere uma dominação feminina que nunca foi observada na prática. Termos como “matrilinearidade” (quando a herança e a linhagem passam pela mãe) ou “matrifocalidade” (quando a mulher ocupa o centro da vida familiar) descrevem melhor esses sistemas sociais.
Pergunta de Marília G. Favela, de Bom Jesus da Lapa (BA)