Por que algumas línguas separam os verbos “ser” e “estar”, mas outras não?
Cada caso é um caso. Mas podemos adiantar que português e espanhol são anormalmente complicados nesse aspecto.
Não há uma regra universal, mas, em geral, somos exceção. Esses verbos, chamados “de ligação” ou “copulativos” no português, costumam ser representados por uma só palavra em outras línguas.
Pense no “to be” do inglês, que cumpre não só a função de ser e estar como também de “haver” (there is). No russo, o verbo de ligação é o быть (pronuncia-se “byt”, grosso modo); no alemão, sein.
A ideia de separá-los, que parece tão natural para a gente, foi quase um acidente histórico para parte dos idiomas latinos. O próprio latim também tinha só um verbo para ambos os sentidos: esse (cuja origem no protoindo-europeu é a mesma do is em inglês ou do ist do alemão. O protoindo-europeu, vale dizer, é a língua pré-histórica que deu origem a grego, latim, germânico etc.)
Mas outras duas palavras ganharam cada vez mais importância na versão vulgar do latim, falada no cotidiano de pessoas comuns: sedere, que significa “estar sentado”, e stare, que pode ser traduzido como “estar de pé” – e compartilha raízes etimológicas com o verbo stand do inglês, de mesmo sentido.
Ao longo dos séculos, na Idade Média, o latim falado na Península Ibérica combinou os verbos esse e sedare dando origem ao “ser” do português, espanhol e catalão, com sentido de algo permanente. O stare virou, obviamente, “estar” – algo transitório.
O curioso é que isso também aconteceu com o francês arcaico: esse virou estre e stare virou ester. Se você teve que ler de novo para notar a diferença, não se preocupe: as palavras são realmente tão parecidas que, com o tempo, voltaram a ser combinadas numa só: o verbo être, atualmente usado com os dois sentidos. No romeno, outra língua românica, também só há um verbo, o a fi.
Já o italiano é a filha mais complexa do latim, ficando no meio termo: o principal verbo de ligação é o essere, que pode ter tanto o sentido ser quanto estar, mas a língua também preservou o stare, usado só em alguns casos (tipo quando há gerúndio: sto camminando).
Pra piorar, há variação regional: no norte da Itália, Dove sei? significa “Onde você está?”. No sul, provavelmente você ouviria Dove stai?
Além de nós e nossos primos latinos, só algumas línguas eslavas e o irlandês e o gaélico escocês têm verbos copulativos com sentidos diferentes.
Quanto mais distante dos idiomas do tronco indo-europeu vamos, porém, mais complexo fica analisar a questão, já que algumas línguas sequer possuem verbos de ligação – constroem suas frases com outras estruturas.
Fontes: Artigos: “Usos dos verbos ‘ser’ e ‘estar’ do Português em contraste com os usos do verbo sein do Alemão”; “O hibridismo de ser e a distinção ser/estar em português do séc. XIII”, “Grammaticalization of ser and estar in Romance languages” e livro A brief history of the verb to be, de Andrea Moro.